A acção simbólica pelas flores na liturgia

A estrutura essencial de toda a composição floral é o recolhimento e o resplendor em pleno movimento – criar inter-espaço para a presença do Espírito.

Na Liturgia fazem-se composições florais e não bouquets! (estes servem para qualquer lugar)

1. O ponto de partida

Como fazer “falar as flores” e dar a cada uma um significado especial? Por outras palavras, a arte floral ao serviço da liturgia faz passar da estética ao simbólico. É, sem dúvida, por um outro caminho, bem distante do que actualmente se segue, que se deverá avançar para poder reunir as opções fundamentais da fé cristã.

Qual a tentação de hoje? É a estética, a “florista de encomenda”, que quer fazer bouquets tanto para a igreja como para uma sala de conferências ou para pôr no cemitério (e a que preço!) A referência litúrgica não é nenhuma. Hoje muitas zeladoras (mordomas) seguiram esse caminho, sem uma reflexão profunda sob o significado que as flores podem e devem ter numa celebração.

Que caminho escolher, então, se queremos que o gesto de florir as nossas igrejas esteja de acordo com a liturgia?

Esse caminho é um universo de símbolos (sinais) e, para além disso, sinais sacramentais. A composição floral realizada será um símbolo entre os outros símbolos, longe de qualquer interpretação fantasista. É possível fazer dizer às flores ao mesmo tempo, a criação, a salvação em Cristo e a esperança última.

Apresentamos algumas perspectivas de fundo:

As flores falam-nos da criação.

Em primeiro lugar olhemos à nossa volta (e não corramos a toda à pressa para a florista!). A beleza da criação alegra-nos e surpreende-nos na sua variedade de tal modo que será um gesto de “dom” colher a obra da criação e torná-la um símbolo para louvor do Criador numa composição floral. Que riqueza viver numa aldeia onde à nossa volta podemos encontrar uma multiplicidade de elementos da criação que nos convidam a um simples e humilde gesto: o de “colher”.

Esta constatação indica-nos um comportamento:

- O respeito pela natureza. Para isso, utilizar-se-ão elementos escolhidos tal e qual foram encontrados na natureza, no sentido e na forma em que eles cresceram. – Não passar o tempo a tentar “construir” formas simétricas paras a composições florais – a natureza não é simétrica mas rejubila em individualidade e originalidade, cada elemento é mais um dom de Deus.

-  O respeito pelo ritmo das estações do ano cujas composições florais serão a oferta.

- A simplicidade evangélica que permite deixar cada um em contemplação do invisível através do visível. – Não querer fazer da composição floral um produto acabado, como se esta pudesse dizer tudo sobre o símbolo e o seu significado – entre cada flor terá de passar a presença inspiradora do Espírito que “fala onde quer, quando e como quer”.

As flores falam-nos da salvação em Cristo.

Em segundo lugar para que as plantas e as flores nos falem do Amor Redentor de Cristo, será necessário evocar:

- A estrutura da composição floral: composição trinitária pelo seu recolhimento, a sua irradiação, o seu movimento.

- O seu equilíbrio (não a sua simetria). Bem estruturada, ela torna-se indicativa. A composição floral está lá, no sítio certo, como apontamento ilustrativo a valorizar uma imagem, um lugar, um espaço.

Mas como a nossa comunhão com Deus deve, para que a nossa fé seja equilibrada e aberta a todos, irradiar na comunhão com os nossos irmãos, a nossa composição floral, ela também, deve ter linhas horizontais. Aparecerá, então, o sinal do mistério pascal.

As flores falam-nos da esperança última.

Há ainda a considerar o carácter efémero das flores (têm um período curto de vida) que evoca, para cada um, a natureza transitória da existência humana e o desaparecimento da beleza terrestre. É sem dúvida interessante constatar que o ritual dos funerais é o único a citar a presença de flores nas celebrações (mas não quer dizer esconder o caixão com montanhas de bouquets comprados feitos!).

O carácter da composição floral chama a pessoa que o fez a uma atitude de humildade.

O papel da composição floral, se ela foi realizada nas perspectivas evocadas, deveria situar-se do lado do caminho de santidade da pessoa, do seu compromisso, da sua entrada em relação com Deus ou Cristo, mais do que do lado da explicação das coisas ou das palavras que coloca em movimento a compreensão. Isto é válido para a pessoa que realizou a composição floral como para a comunidade que celebra.

E podemos concluir que o cristão não busca a sua leitura “simbólica” do universo, a sua contemplação, em qualquer livro esotérico, mas no olhar de Cristo… o seu olhar esplendoroso educa o nosso próprio olhar.

2. Ao serviço da liturgia 

Os animadores que somos todos nós, estamos ao serviço da assembleia – isto é, dos irmãos, e do Senhor que nos reúne.

- Estar ao serviço, na liturgia, significa favorisar o encontro de Cristo, no Espírito. Assim, tudo o que é feito, não é antes de mais para gratificar esta ou aquela, para fazer compreender isto ou aquilo, mas para sublinhar, para colocar em valor este encontro. Tudo o que fazemos não tem um fim em si mesmo, mas é um meio – entre Deus e os homens, é Jesus, o Cristo. (Cf. Fil 2, 3-4)

- Estar ao serviço, na liturgia, implica dar lugar ao Espírito, renunciar a tudo controlar. Servir, é fazer prova da mais grande humildade. – É necessário renunciar à satisfação pessoal de que os outros compreendam exactamente o que nós queremos exprimir.

- Estar ao serviço, na liturgia, significa sublinhar, colocar em valor, o mistério celebrado, isto é, o mistério pascal, e os principais elementos que o compõem (segundo o que nos pede a Igreja). Assim, a arte floral não faz distrair do altar ou do ambão; mas participa no sublinhar do mistério pascal celebrado principalmente nas duas mesas com a assembleia.

- Estar ao serviço, na liturgia, significa ajudar a assembleia – toda a assembleia – a se sentir no seu lugar. E que cada um se sinta plenamente participante. Assim, teremos de estar atentos às diferentes sensibilidades, à diversidade das pessoas reunidas. Isto passa também por um bom acolhimento feito às pessoas…

- Estar ao serviço, na liturgia, significa preparar-se a si mesmo para servir. O Concílio fala em celebrar a Liturgia com rectidão de espírito! (SC 11). Daí a importância da oração e da escuta da Palavra de Deus, mas também das obras de caridade, da presença animadora aos outros, e particularmente aos mais pobres. Não é de modo nenhum desejável que o compromisso ao serviço da liturgia seja para os leigos um serviço em detrimento do seu lugar de baptizados no mundo e dos seus outros compromissos, nomeadamente caritativos.

3. Celebrar num espaço 

Uma vez que ela é um acontecimento, a celebração é caracterizada pelo seu contexto (o lugar, mas também o resto) e os elementos que aí se colocam em movimento ou entram em acção.

Para a arte floral, podemos considerar que ela tem o seu lugar também fora das celebrações. Mas se queremos falar de Arte Floral Litúrgica, e se este nome é justo, será necessário partir da celebração, pois é aí que ela se justifica.

A liturgia coloca em marcha os cinco sentidos, e isto não é surpreendente pois trata-se dum encontro. Neste contexto (que não é exaustivo) podemos salientar três dimensões neste espaço litúrgico (para ale, do espaço-tempo):

- O universo corporal, com o espaço geográfico e arquitectural, o volume no qual a liturgia se desenrola mas também o modo de ocupar esse espaço, de se movimentar, de o habitar. É a percepção física do espaço geográfico que nós podemos concretizar com o nosso corpo.

- O universo visível, com tudo o que é dado a ver e a contemplar, a observar e a admirar. Quer sejam as linhas arquitecturais, as imagens, os frescos e pinturas, os azulejos, as vestes litúrgicas, os objectos e vasos sagrados, etc.

- O universo invisível dos sons, dos sabores, dos odores. O que toca os outros sentidos, e que reagrupamos aqui neste contexto. É, sem dúvida, o odor (o cheiro) que é aqui colocado em destaque.

3.1. O espaço litúrgico

* O lugar onde celebramos não é neutro. Ele tem uma importância capital para aquilo que se vai passar. O mesmo acontece para qualquer reunião, assembleia…

O modo como o espaço está estruturado e “vestido-arranjado” influencia de maneira considerável sobre o que aí se vai passar, nos modos de comunicação que aí se realizam (tanto junto daquele que emite a mensagem como daquele que a recebe), e no modo de aí estar e de se comportar.

- A Arte Floral Litúrgica pode ter aí um papel não negligenciável, isto é, de bastante importância (p. ex. Um arranjo colocado ao centro duma reunião).

- A disposição dos arranjos florais participa na estrutura do espaço.

- A alegria, o ar de festa que trazem as flores permitem uma festa.

* O lugar deve ter de modo pleno o seu papel de lugar de encontro. É neste sentido que ele poderá ser chamado de sagrado. Como dizia Mgr Rouet (Art et Liturgie, DDB 1992): “Este lugar é mais do que sagrado: ele é santo pois ele é um lugar de encontro e de conversão.” Confirma o Livro do Êxodo: o encontro de Moisés com o Senhor no Sinai para a Aliança. O lugar de celebração é um lugar que manifesta a Aliança (a Nova Aliança que não já não está fechada no Santo dos santos mas que reside em primeiro lugar na assembleia “templo do Espírito”) e que a favoriza.

- Os arranjos florais podem (devem) sublinhar esta Aliança e este encontro. É, sem dúvida, a sua primeira (e única?) função.

- São os arranjos de acolhimento, que exprimem que todos e cada um são esperados por Aquele que é, que era e que há-de vir: Deus convoca-nos e convida-nos!

O lugar está também marcado pelas celebrações que aí se desenrolam… Lugar do Baptismo, do casamento, dos funerais, mas sobretudo da assembleia! Ele é um lugar vivo e conserva a marca desta vida, mesmo quando a assembleia aí não está.

- Aí, também, as flores podem ter um lugar importante. Isso supõe que elas estejam frescas e não murchas! As flores conservam nelas, o traço das celebrações para as quais elas foram colocadas uma ao pé das outras, e com a assembleia.

- Pode ser também interessante, nesta perspectiva, ter coisas mais permanentes em certos lugares (pensamos no baptistério), por exemplo com plantas verdes…

3.2. O espaço habitado, em movimento 

A IGMR convida-nos a fazer do espaço da celebração um lugar “que deve reproduzir de algum modo a imagem da assembleia congregada, proporcionar a conveniente coordenação de todos os seus elementos e facilitar o perfeito desempenho da função de cada um.” (294).

- Tudo parte da assembleia, é ela que qualifica o espaço (ecclesia).

Do mesmo modo tudo deve concorrer para ela. E esta assembleia está em relação com os lugares que designam o encontro do Senhor, nomeadamente o altar e o ambão.

Para que a assembleia tome consciência daquilo que ela é, e a que ele é convidada, o florir na assembleia tem interesse. Ex.: o arranjo floral à entrada da Igreja; os pequenos arranjos colocados, por vezes, ao longo dos bancos (casamentos), nas colunas…

- Será uma pena pensar que os arranjos sejam só pensados como uma “oferta” colocada no presbitério!

- O coro, como é chamado muitas vezes, não é somente o lugar do presbyterium (ainda menos o santo dos santos do Antigo Testamento). Ele também não é somente, um lugar onde está o altar, o ambão e a cadeira do presidente, mas um lugar de circulação, um lugar de movimento: um lugar litúrgico.

Há a procissão de entrada, com os ministros que se inclinam diante do altar (e o sacerdote que o vai beijar), como há a procissão para a leitura do Evangelho…

É evidente que é o altar o mais importante, e não o que está à frente do altar (mesmo as flores!).

Existem diferentes intervenientes, segundo as celebrações, com uma monição ou outra, num local – que não é o ambão – e que deves ser discreto.

Nunca flores diante do micro do animador…

Há leituras que necessitam de um espaço à volta do ambão, nomeadamente o Evangelho, eventualmente com incenso e os acólitos com as velas…

- Se existe uma composição floral diante do ambão, esta deve permitir a circulação. Ela não deve bloquear o lugar, mas ao contrário sublinhar que o lugar está vivo: é o local onde o Senhor se dirige a nós. Existem ainda outras procissões, e não esquecer a concelebração…

- O altar não deve aparecer como inacessível porque rodeado de flores, pois a assembleia está simbolicamente reunida à volta deste altar.

A sofisticação dos arranjos florais não é desejável, ela conduz ainda mais à separação entre o altar e as pessoas.

- A Igreja e a sua liturgia, exigem de nós que tiremos o melhor partido do espaço disponível. A maior parte dos rituais preconiza deslocações, movimentos. Pois a liturgia é uma marcha ritmada, como a dos peregrinos de Emaús. Ela é um lugar de movimentos, e um lugar que nos faz deslocar, para além das nossas certezas, dos nossos desejos, dos nossos ídolos…

- Assim as composições florais não poderão, de modo nenhum, ser objectos de contemplação estática! Também aí, nos faz falta muita humildade. (cf. Os ícones nas liturgias bizantinas). Isto passa pelo lado efémero das flores, mas também pela simplicidade das composições.

3.3. O que é dado a ver

- O espaço eleva a alma, pela sua beleza, pela sua harmonia. Ele é um lugar de “comoção”.

- A Arte Floral Litúrgica tem esta qualidade – quando ela é praticada de maneira exacta – de estar em harmonia com o lugar, o espaço (a assembleia, o coro, o altar, o ambão…)

- Trata-se de “estar inserida, de dialogar”; pois a arquitectura e a disposição dos diversos elementos (fixos) primam (pois eles são pré-existentes). As composições florais não poderão estar senão em relação com eles para resultarem em verdadeira harmonia. Logo, não poderemos apresentar uma qualquer composição num lugar qualquer (entre um coro barroco flamejante e uma sala de desporto).

- Há que considerar a ábside, o espaço atrás do altar, que tem uma grande importância. É ele que sublinha a dimensão escatológica da celebração. É o “espaço de glória”, de manifestação da ascensão da nossa oração. É este espaço que eleva e lembra a ausência de Cristo que está presente no meio da assembleia, que impede esta mesma assembleia de se fechar sobre uma apreensão estreita do mistério celebrado.

- As composições florais podem também contribuir para a composição deste espaço – mas modestamente. Elas devem favorisar este elãn, e não o impedir. A tribuna do altar-mor não é o espaço a ser transformado num horto de flores. Certas composições florais na ábside, vão, ao contrário, focalizar o olhar para baixo).

- Não podemos esquecer que existe uma harmonia entre as duas mesas, o altar e o ambão.

Também aí as composições florais podem e devem sublinhar esta harmonia, colocando em destaque nos símbolos essenciais. Sem os esmagar, sem os superar, mas para os darem a ver.

- As flores podem marcar estes lugares, e situá-los como essenciais.

- No edifício, muita coisa concorre para dar a ver, para fazer entrar no mistério de diferentes maneiras pelos vitrais, as imagens, as pinturas… O que chamamos, por vezes catequeses merecem que as olhemos de mais perto.

Trata-se raramente de ideias ou de conceitos teológicos, quer sejam obras antigas ou contemporâneas. Aí encontramos, na maior parte das vezes, cenas bíblicas (interpretadas pelo artista) ou não-figurativas, simbólicas. O que é comum, é que não procuramos aí discursos. Não deveria ser o mesmo para as flores?

- Se a composição floral se dá a ver, como obra de arte, ela não pode ser figurativa. Ela não é feita para implicar um discurso (na liturgia, é necessário deixar todo o seu lugar ao Verbo de Deus e à acção do Espírito nos nossos corações), nem para figurar uma cena bíblica, e ainda menos um conceito.

- Sem dúvida que será necessário distinguir segundo os lugares onde serão colocadas as composições florais.

- Um arranjo floral de acolhimento ou numa capela lateral, é possível perguntar-lhe que “fale”, que exprimir qualquer coisa ou que suscite uma atitude a quem o vê ou contempla.

- Mas no coro, convém sobretudo deixar falar a natureza e o trabalho do homem… de ajudar a assembleia a reencontrar o seu Senhor sublinhando (sem esconder) os lugares – pólos que designam este encontro.

3.4. O que é invisível   

- O ver tem uma grande importância na nossa sociedade de imagens. Mas isto não data de hoje. Já na Idade Média, para compensar o desaparecimento da comunhão, inventa-se a elevação que dá a ver. Não esqueçamos que a liturgia nos convida a um acto que coloca em acção todo o corpo, que coloca em movimento.

- As flores têm também um papel num outro registo para além do do visível e do espaço. Estão presentes os odores. É verdade que nós somos por vezes penalizados pelo cheiro da humidade e do bafio, ou pelo fumo forte do incenso.

-  Talvez um arranjo de acolhimento à entrada – na mesa onde estão as folhas com os cânticos, ou informações – possa ter um papel interessante!

- O que não é dado a ver, é o trabalho daquelas que fizeram o arranjo. Como não são dados a ver o trabalho do organista que ensaia durante horas, ou o trabalho do sacerdote que preparou a sua homilia e a celebração, etc.

E é uma oportunidade, pois tudo isto nos abre à modéstia, e convida-nos a deixar o primeiro lugar à obra do Espírito.

Somos infelizmente muitas vezes tentados a querer compensar pela palavra aquilo que não podemos ver!

  • Alguns lamentam-se de não ver reconhecido o seu trabalho (sub-entendido: não nos falaram sobre o assunto, não nos agradeceram…). Por vezes, têm razão. Mas convém estar vigilantes para não transformar a nossa arte em discurso, em não compensar por explicações demonstrando a intenção do artista (quer seja por um discurso ou por um texto).
  • Basta que o trabalho seja feito e o resultado dado a ver. O resto não nos pertence (renunciemos a querer controlar o que as pessoas ressentirão).

4. Para a glória de Deus e a salvação do mundo

O que dizemos em cada eucaristia como resposta ao convite do sacerdote: “Orai irmãos, para que o meu e vosso sacrifico seja aceite por Deus Pai Todo Poderoso”. Não é uma afirmação retórica: trata-se bem da natureza própria da liturgia, santificação dos homens e glória de Deus.

Isto quer dizer que nós temos esta responsabilidade (com os outros servidores da liturgia) de ajudar a assembleia a entrar na glorificação do Pai por toda a sua obra e em particular pelo seu Filho, e na obra de salvação já iniciada.

- A Arte Floral Litúrgica pode ter um papel importante neste concerto: ela pode (e deve) ser a figura, o símbolo (no sentido mais profundo) da criação, da natureza, do cosmos…

- Isto não atrai a ideia de arranjos sofisticados, mesmo se a natureza é feita para ser trabalhada pelo homem. Ela deve ser respeitada, não a desfigurando, nem tornando-a um simples objecto dos nossos caprichos.

- Isto implica também, que estejamos atentos às estações do ano, ao que elas nos oferecem e nos dão a contemplar e a utilizar.

Para dizer as coisas de uma outra forma, a composição floral não é feita para traduzir o mistério pascal numa outra linguagem, nem para tornar visível um ou outro aspecto da liturgia.

Ela é feita antes de mais para o louvor do Senhor na sua criação, na natureza, e para a súplica.

Ela é feita (como já dissemos) para sublinhar (e não para manifestar) a Aliança, o encontro de Deus com o seu povo e a presença de seu Filho Jesus Cristo.

5. O bom uso das flores      

1. Louvor ou homilia?

A resposta é simples: louvor.

Não se deixar levar pela alegoria (que parte duma ideia para a representar materialmente), mas ficar no simbólico, aquilo que nada demonstra, que não ilustra nada, mas que parte do objecto (flores, vazo, composição) para exprimir o louvor e a súplica. Ex.: as flores não têm de representar uma cruz! Esta está presente de um outro modo na celebração.

2. As flores falam por si-mesmas.

Não são necessários discursos sobre elas nem folhetos.

3. Pela escolha das flores e a sua composição, um ritual (um colocar em ordem) se realiza, que associa o cosmos (tempo, lugar) ao louvor.

4. A composição floral designa o encontro.

Uma assembleia constituída por irmãos e irmãs convidados pelo Senhor. Marca também o acolhimento.

5. A composição floral sublinha o mistério celebrado, sem tentar dizer mais do que deve. Ela sublinha os modos de presença de Cristo na assembleia nos seus pólos litúrgicos.

Em nenhum caso a composição floral se dá a ver ela-mesma, é por isso que ela não deve esconder, nem atrair demasiado o olhar, mas ser suficientemente discreto no momento de servir a liturgia.

Algumas conclusões:

A composição floral é uma arte muito bela… e podemos ficar muitas vezes maravilhados. Mas é uma arte prodigiosamente difícil quando colocada ao serviço da liturgia.

Pois trata-se de entrar na manifestação da glória de Deus e da salvação do mundo. E a composição floral está lá, antes de mais, para sublinhar a presença de Cristo – o único Mediador.

Para isso, ela deve entrar em composição com o espaço, em todas as suas dimensões, inclusive a dinâmica (permitir as deslocações, suscitar movimento). Um espaço onde a Palavra se faz ouvir, onde a comunhão toma forma, onde o tempo está marcado com o cosmos, etc.

Isto pede, para nós como para qualquer outro serviço, que saibamos distinguir a nossa própria caminhada para o serviço (feita de oração, de meditação…) e o serviço ele-mesmo (humildade, discrição, modéstia)

Isto quer dizer que as riquezas espirituais que descobrimos, e que temos em conta no nosso trabalho, no nosso serviço, não são feitas para serem transmitidas tais quais, nem por discursos explicativos, nem mesmo pelas formas e a composição do arranjo. Será suficiente que elas estejam vivas em nós para inspirar a nossa obra discretamente.

Assim, deve nascer uma convicção profunda em nós. A arte floral na liturgia não é um fim-em-si-mesmo. Ela não deve chocar, nem ser inexistente. Ela deve significar qualquer coisa ou fazer parte dum conjunto significativo. Ela deve “ter um sentido”.

Uma segunda convicção: é que a beleza não tem preço.

O que quer dizer que todo o tempo é pouco para mais sabermos sobre este tema, nem porque as flores são mais caras é que a composição é mais bela. É uma questão de harmonia.