Ester
O livro de Ester é uma apaixonada descrição das experiências dramáticas por que passou a comunidade hebraica de Susa, quando esta cidade era capital do império persa. O texto sugere que esses acontecimentos afectariam a vida de todos os judeus residentes dentro das fronteiras daquele imenso império, que se estendia desde a Índia até à Etiópia. Quer dizer que os episódios narrados atingiam todos os judeus do mundo e as consequências diziam respeito à sua sobrevivência.
As figuras centrais são um judeu de nome babilónico Mardoqueu e uma sua parente e protegida, chamada Ester, nome de ressonâncias simultaneamente babilónicas e persas. Mardoqueu surge como chefe da comunidade judaica; Ester é a personagem decisiva no desenrolar dos acontecimentos. O livro descreve uma ameaça de morte que se transformou numa afirmação de triunfo. Semelhante sucesso merece ser celebrado e recordado. E, de facto, o livro de Ester culmina numa festa anual, ainda hoje celebrada entre os judeus: a festa de “Purim”, ou das “sortes” lançadas e transformadas.
TEXTO
Esta multiplicidade de experiências tem a sua expressão no próprio estado do texto chegado até nós, com dois estratos bem distintos: algumas secções, que constituem a parte mais longa e mais antiga estão em hebraico e parecem representar o fio condutor da história; outras encontram-se só em grego e são suplementos, ampliações e reformulações do mesmo assunto, mas com um espírito e um horizonte algo diferentes, tentando recriar e reformular novas perspectivas. Estas novidades do texto grego vão sendo inseridas ao longo de toda a história descrita.
São Jerónimo, ao preparar a edição da Bíblia em latim, chamada Vulgata, para que estas interrupções não cortassem a sequência do texto hebraico, decidiu colocar em primeiro lugar a tradução contínua do hebraico e acrescenta-lhe os suplementos em grego, numerados nos capítulos 11 a 16. E assim se apresentava o livro de Ester, nas traduções que dependiam directamente da Vulgata. No entanto, esta solução tornava mais difícil a leitura dos suplementos, que não representavam uma sequência completa. Por isso, é hoje mais habitual manter as interpolações do texto grego no seu lugar correspondente na narrativa, distinguindo-as do texto hebraico por um tipo de letra e por uma numeração diferentes. Nesta edição, o texto hebraico aparece em caracteres redondos, como no resto da Bíblia; os Suplementos gregos vão em itálico e são numerados por uma letra de A a F, representando cada uma como que um capítulo suplementar; e, em cada uma dessas letras ou capítulos, os versículos são numerados a partir do n.° 1. Outras edições contam os suplementos gregos como continuação do texto hebraico e numeram os novos versículos por letras acrescentadas ao número do versículo hebraico, a partir do qual se fez a interrupção e começou o suplemento.
HISTORICIDADE
Literariamente, esta narrativa apresenta-se como descrição histórica. Aliás, em 9,32 e 10,2 existem alusões explícitas ao facto de ter sido escrito aquilo que acontecera com Ester e com Mardoqueu. Esta fisionomia literária condiz bem com o carácter mais ou menos histórico do seu conteúdo. A descrição dos ambientes e dos costumes tem alguma exactidão.
No entanto, numerosos indícios levam-nos a pensar que os muitos elementos de figuras e experiências históricas podem ter sido elaborados nesta obra, que é construída segundo o modelo literário de um romance histórico. Os nomes de Mardoqueu e de Ester dão aos seus heróis certa verosimilhança histórica. O nome de Assuero, dado ao rei, é a versão bíblica normal para o bem conhecido nome de Xerxes. E isto constitui mais uma razão de verosimilhança histórica. A vida da corte, aqui descrita, corresponde igualmente bem à imagem histórica; pelo contrário, o facto de Mardoqueu ter sido exilado de Jerusalém no tempo de Nabucodonosor e estar ainda, mais de cem anos depois, a dirigir estes acontecimentos levanta fortes dúvidas. Além disso, os conflitos religiosos e culturais descritos, e mesmo os nomes da rainha rejeitada e da nova rainha escolhida por Assuero, ou Xerxes, são inteiramente desconhecidos na corte persa.
É possível, por conseguinte, que tenham sido acumuladas aqui, numa única história, muitas experiências dramáticas de comunidades judaicas em contextos sociais adversos; e também muitas esperanças que, entretanto, as foram reanimando, garantindo-lhes a sobrevivência. De tudo isso poderá ter resultado este livro, como memória exultante e como razão de esperança.
De facto, em Ester condensam-se experiências de rejeição e de ameaça, que punham em causa a sobrevivência do judaísmo e, por antítese, descreve-se a forma como todos os perigos se transformaram em retumbante afirmação dos seus ideais. Tão entusiasta quiseram os judeus tornar a sua vitória, que não conseguiram evitar excessos: da pura autodefesa, passaram a gestos exagerados de vingança.
ORIGEM, ACEITAÇÃO E DIVISÃO
Os problemas quanto ao seu conteúdo vão desembocar na data de composição deste livro. A opinião mais aceite é a de que o texto hebraico teria sido escrito durante o séc. III ou II a.C.. Nessa altura, o império persa já tinha terminado. Significaria isto que as situações descritas se referiam ao tempo dos persas, mas os problemas e as preocupações reais que, naquele momento, levavam a escrever este livro, podiam ser confrontações com outros inimigos. De facto, no séc. III a.C. ou depois, os conflitos do judaísmo eram sobretudo com o helenismo. E, se assim foi, o livro de Daniel e o de Judite dão testemunho de um recurso literário muito semelhante: servir-se de uma história referente a épocas do passado para enfrentar e combater dramas próprios do momento presente.
O Novo Testamento não deu muita importância a este livro, pois não se refere a ele. O judaísmo, pelo contrário, sempre o valorizou bastante. A festa de Purim, aqui iniciada, também não consta no calendário de Qumrân, nem o livro é referido na biblioteca da seita. Mas, para o judaísmo, Ester foi sempre um dos mais importantes dos cinco “rolos” ou “livros” cuja leitura ocorria regularmente em certas festas. O Cânon hebraico ou judeo-palestinense inclui só o texto hebraico de Ester, classificando-o na categoria dos “Escritos” ou “Literatura”. O Cânon grego ou judeo-alexandrino inclui também os suplementos gregos, considerando-os igualmente canónicos, aparecendo Ester entre os livros históricos.
O esquema geral do livro é aquele que se nos apresenta através da narrativa em hebraico:
TEOLOGIA
É, sobretudo, na teologia que se nota a diferença mais sensível entre o texto hebraico e os textos em grego. No texto hebraico não existe sequer referência ao nome de Deus. Seja qual for a razão que levou a uma narrativa de aspecto aparentemente laico, pressupõe-se que, por detrás das vicissitudes da experiência histórica, existe uma outra instância da qual poderá vir a resposta para os problemas, se os humanos não forem capazes de os resolver (ver 1,14). É uma evidente referência a Deus, implícita mas forte. Além disso, toda a narrativa se desenvolve num ambiente e com uma ressonância sapiencial clara. Ora toda a sabedoria oriental, mesmo quando expressa numa linguagem aparentemente profana, está imbuída de um profundo humanismo religioso.
Uma das evidentes novidades do texto grego é a maneira como sublinha os vários aspectos teológicos, em concreto a intervenção de Deus como providente condutor dos acontecimentos históricos. À primeira vista, pareceria que foi esta a razão que levou aos acrescentos gregos. Mas, fosse ou não essa a intenção principal, o facto é que o texto grego enquadra toda a história no contexto de um sonho, que é contado no princípio e explicado no fim. Tudo o que acontecera já tinha sido revelado a Mardoqueu por meio daquele sonho: estava previsto e cumpriu-se tal qual.
Isto é a expressão de uma concepção de História conduzida providencialmente, que vê os acontecimentos como um plano de Deus. Precisamente no final do capítulo 4, ao aproximar-se o momento decisivo, é que o texto grego insere os suplementos da letra C, com uma oração de Mardoqueu e outra de Ester, cheias de ressonâncias bíblicas.
Aliás, conflitos como os apresentados neste livro costumam empurrar as partes em litígio para comportamentos, que só quando excessivos dão a sensação de vitória. De facto, na Bíblia, o castigo dos maus, mesmo quando é atribuído a Deus, tem frequentemente aspectos excessivos.
É também importante, do ponto de vista religioso, o facto de o livro de Ester servir como texto justificativo da festa religiosa de “Purim”, que se tornou uma das mais pitorescas do calendário religioso dos judeus, semelhante ao nosso Carnaval.
A Um sonho de Mardoqueu – 1No segundo ano do reinado de Assuero, o grande rei, no primeiro dia do mês de Nisan, Mardoqueu, filho de Jair, filho de Chimei, filho de Quis, da tribo de Benjamim, teve um sonho. 2Era um judeu estabelecido na cidade de Susa, grande personagem, ligado à corte do rei. 3Pertencia ao número dos cativos que Nabucodonosor, rei da Babilónia, deportara de Jerusalém, com Jeconias, rei de Judá.
4O seu sonho foi este: pareceu-lhe ouvir clamores repentinos, tumultos, trovões, um tremor de terra, o terror por toda a parte. 5E eis que, repentinamente, apareceram dois dragões, dispostos a combater um contra o outro e deram um grande grito. 6Ao ouvi-lo, as nações prepararam-se para combater uma nação de justos. 7Foi um dia de escuridão e trevas, tribulação, angústia, perigo e terror sobre toda a terra.8Todo o povo dos justos, cheio de terror, temendo todos os males, preparou-se para morrer. 9Então clamaram a Deus e, quando levantaram a voz, eis que uma pequena fonte se transformou num grande rio, com grande abundância de água. 10A luz e o sol brilharam e os que estavam na humilhação foram exaltados e devoraram os grandes.
11Depois de ter visto este sonho e o que Deus queria fazer, Mardoqueu levantou-se. Conservou este sonho, até à noite, gravado no espírito, procurando compreender o seu significado.
Conspiração contra o rei – 12Mardoqueu estava, então, na corte do rei, com Bigtan e Teres, eunucos reais e porteiros do palácio. 13Teve conhecimento dos projectos deles e penetrou nos seus desígnios; averiguou que tentavam levantar a mão contra o rei Assuero e denunciou-os ao rei. 14O rei ordenou um inquérito. Eles confessaram e foram conduzidos ao suplício.
15O rei mandou escrever estes factos para ficarem de lembrança, e também Mardoqueu consignou por escrito a recordação dos mesmos.16O rei confiou-lhe uma função no seu palácio, e, para o recompensar, ofereceu-lhe presentes. 17Mas Haman, filho de Hamedata, o agagita, que gozava da consideração do rei, procurava prejudicar Mardoqueu e o seu povo, por causa dos dois eunucos do rei.
Banquete de Assuero – 1Foi no tempo de Assuero, aquele que reinou desde a Índia até à Etiópia, sobre cento e vinte e sete províncias. 2Ao sentar-se no trono real de Susa, sua capital, 3no terceiro ano do seu reinado, Assuero deu um banquete a todos os cortesãos e aos seus servos. Reuniu na sua presença os chefes dos exércitos dos persas e dos medos, os príncipes e os governadores das províncias, 4para ostentar as riquezas e a magnificência do seu reino, a pompa da sua grandeza, durante muito tempo, a saber, cento e oitenta dias.
5Passado esse tempo, o rei convidou toda a população de Susa, a capital, desde o maior ao mais pequeno, para um banquete de sete dias, na cerca do jardim do palácio. 6Eram rendas e cortinas de púrpura, pendentes das colunas de alabastro por cordões de cor branca e violeta e anéis de prata, canapés de ouro e prata sobre um pavimento de jade, de alabastro, de nácar e azeviche. 7Os convidados bebiam por taças de ouro de várias formas; o vinho do rei servia-se em abundância, oferecido pela liberalidade régia. 8Bebia-se sem constrangimento, pois cada um bebia o que queria, conforme ordenara o rei aos seus mestres-sala.
9Ao mesmo tempo, a rainha Vásti ofereceu um banquete às mulheres, no palácio do rei Assuero. 10No sétimo dia, o rei, cujo coração estava alegre por causa do vinho, ordenou a Meuman, Bizetá, Harbona, Bigtá, Abagtá, Zetar e Carcas – os sete eunucos ao serviço de Assuero –11que trouxessem à sua presença a rainha Vásti com o diadema real, para mostrar ao povo e aos grandes a sua beleza, porque era formosa de aspecto.
12Mas a rainha Vásti recusou-se a cumprir a ordem do rei transmitida pelos eunucos. O rei irritou-se grandemente e, enfurecido, 13consultou os sábios versados na ciência dos tempos, pois os assuntos do rei eram tratados desse modo com homens conhecedores das leis e do direito. 14Os mais considerados eram Carsena, Chetar, Admata, Társis, Meres, Marsena e Memucan, sete príncipes da Pérsia e da Média que viviam na presença do rei e ocupavam os primeiros lugares no reino.
15O rei perguntou-lhes: «Que lei se deve aplicar à rainha Vásti, por não ter obedecido à ordem que o rei Assuero lhe transmitiu através dos eunucos?» 16E respondeu Memucan, diante do rei e dos notáveis: «A rainha Vásti não só ofendeu o rei, mas também todos os príncipes e povos de todas as províncias do rei Assuero. 17De facto, o procedimento da rainha será conhecido por todas as mulheres e incitá-las-á a enfrentar os seus maridos com desprezo, dizendo-lhes: ‘O rei Assuero mandou chamar à sua presença a rainha Vásti, mas ela não quis ir’.18Daqui em diante, com o exemplo da rainha, as mulheres dos príncipes da Pérsia e da Média, responderão do mesmo modo a todos os grandes do rei, e disso resultará enorme desprezo e irritação por toda a parte.
19Se o rei achar bem, publique-se em seu nome um decreto real, que ficará escrito nas leis da Pérsia e da Média como irrevogável, por força do qual Vásti não apareça mais diante do rei Assuero; e que o rei confira o título de rainha a outra mais digna do que ela. 20Quando o édito real for conhecido nas províncias do seu vastíssimo reino, todas as mulheres respeitarão os seus maridos, desde o maior ao mais humilde.»
21Este parecer agradou ao rei e aos príncipes, de modo que o rei seguiu o conselho de Memucan. 22O rei expediu, então, cartas para todas as províncias do seu reino, segundo a escrita e a língua de cada país e povo. Nelas dizia que os maridos deviam ser senhores nas suas casas e mandasse cada um como era costume do seu povo.
Ester eleita rainha – 1Passadas estas coisas, logo que a cólera do rei acalmou, Assuero pensou em Vásti, no que esta fizera e na decisão que tomara a respeito dela. 2Então, os servidores do rei disseram-lhe: 3«Procurem-se para o rei donzelas virgens, de bela figura; que o rei nomeie comissários, em todas as províncias do seu reino, a fim de reunirem todas as jovens virgens e de belo aspecto no harém, em Susa, a capital, sob a vigilância de Hegai, o eunuco do rei, guarda das mulheres, que providenciará às necessidades de toucador das mesmas. 4A jovem que mais agradar ao rei tornar-se-á rainha em lugar de Vásti.» O rei aprovou este parecer e assim mandou fazer.
5Havia em Susa, a capital, um judeu chamado Mardoqueu, filho de Jair, filho de Chimei, filho de Quis, da tribo de Benjamim, 6que tinha sido deportado de Jerusalém entre os cativos levados com Jeconias, rei de Judá, por Nabucodonosor, rei da Babilónia. 7Mardoqueu tinha criado Hadassa, isto é, Ester, filha do seu tio, órfã de pai e mãe. A jovem era bela de porte e de formoso aspecto; na morte de seus pais, Mardoqueu adoptara-a como filha.
8Logo que foi publicado o édito do rei, numerosas jovens foram reunidas em Susa, a capital, sob a guarda de Hegai. Ester também foi levada ao palácio real e posta sob a vigilância de Hegai, guarda das mulheres.
9A jovem agradou-lhe e caiu nas suas boas graças, e ele apressou-se a provê-la do necessário para o seu adorno e sua subsistência. Deu-lhe sete companheiras, escolhidas na casa do rei, e fê-la habitar com elas no melhor apartamento do harém. 10Ester não revelara a sua raça nem a sua família, porque Mardoqueu lhe proibira que falasse nisso. 11Todos os dias, Mardoqueu passeava diante do pátio do harém, para saber como passava Ester e como a tratavam.
12Toda a jovem tinha de sujeitar-se, durante doze meses, à lei das mulheres, antes de se apresentar ao rei Assuero. Nesse período, ungia-se seis meses com óleo de mirra, e outros seis meses com aromas e perfumes em uso entre as mulheres. 13Depois, quando chegava a vez de cada uma se apresentar diante do rei, podia, ao passar do harém ao palácio real, levar consigo tudo o que quisesse. 14Admitida à tarde, retirava-se pela manhã e passava à segunda casa das mulheres, sob a vigilância de Chaasgaz, eunuco do rei e guarda das concubinas. E não voltava mais à presença do rei, a não ser que este a desejasse e a chamasse pelo nome.
15Chegou a vez de Ester ser levada à presença do rei. A filha de Abiaíl, tio de Mardoqueu, que a adoptara por filha, não pediu nada além do que lhe fora dado por Hegai, eunuco do rei, encarregado das mulheres. Mas ela ganhava as boas graças de todos os que a viam. 16Ester foi, pois, conduzida à presença do rei Assuero, no seu palácio real, no décimo mês, que é o mês de Tébet, no sétimo ano do seu reinado.
17O rei amou-a mais que a todas as outras mulheres, e Ester conquistou as graças e favores do rei, mais do que nenhuma outra donzela. O rei colocou sobre a sua cabeça o diadema real e proclamou-a rainha, em lugar de Vásti. 18O rei ofereceu um grande banquete a todos os seus príncipes e aos seus servos, em honra de Ester, concedeu descanso às suas províncias e fez-lhes mercês com liberalidade régia.
19Quando se reuniram virgens pela segunda vez, Mardoqueu estava sentado à porta do rei. 20Ester não revelara ainda nem a sua família, nem a sua nação, como Mardoqueu lhe tinha recomendado: obedecia às ordens de Mardoqueu tão fielmente como quando estava sob a sua tutela.21Naquele tempo, Mardoqueu encontrava-se, pois, sentado à porta do palácio. Ora dois eunucos do rei, Bigtan e Teres, guardas da entrada, revoltaram-se e quiseram levantar a mão contra o rei. 22Mardoqueu soube-o e informou a rainha Ester, que o referiu ao rei da parte de Mardoqueu. 23Averiguado o assunto e tido como certo, os dois eunucos foram suspensos numa forca. Este caso foi escrito no livro das crónicas, na presença do rei.
Conspiração de Haman contra os judeus – 1Depois destes acontecimentos, o rei Assuero elevou em dignidade Haman, filho de Hamedata, o agagita, e deu-lhe um lugar superior ao de todos os príncipes que o rodeavam. 2Todos os servos do rei que estavam à porta, dobravam o joelho e prostravam-se diante de Haman, por ordem expressa do rei; só Mardoqueu não dobrava o joelho nem se prostrava.
3Disseram-lhe os servos do rei que estavam à porta do palácio: «Porque desobedeces assim à ordem do rei?» 4E, como lhe repetissem isto todos os dias e ele não fizesse caso, denunciaram-no a Haman, para ver se Mardoqueu persistia na sua obstinação, pois este dissera-lhes que era judeu. 5Haman, vendo que Mardoqueu não queria dobrar o joelho nem prostrar-se diante dele, ficou furioso. 6Mas pareceu-lhe pouco vingar-se só de Mardoqueu, pois fora informado sobre o povo a que pertencia; procurou, então, maneira de exterminar o povo de Mardoqueu, todos os judeus que habitavam no reino de Assuero.
7No primeiro mês, que é o mês de Nisan, no décimo segundo ano do reinado de Assuero, foi lançado o “pur”, isto é, a sorte, diante de Haman, para cada dia e cada mês. Saiu o décimo segundo mês, que é o mês de Adar.
8Então, Haman disse ao rei Assuero: «Em todas as províncias do teu reino existe um povo, disperso e separado dos outros; as suas leis são diferentes das dos outros povos, e este povo não observa as leis do rei. Não convém aos interesses do rei deixar esse povo em paz. 9Se ao rei lhe parecer bem, dê-se ordem para os exterminar, e eu pesarei dez mil talentos de prata que passarei para as mãos dos funcionários, para que os recolham no tesouro real.»
10Então, o rei tirou o anel do seu dedo e entregou-o a Haman, filho de Hamedata, o agagita, inimigo dos judeus, e disse-lhe: 11«Entrego-te esse dinheiro e também esse povo; faz dele o que quiseres.»
12No dia treze do primeiro mês foram convocados os secretários do rei e escreveu-se, pontualmente, tudo o que Haman ordenava aos sátrapas do rei, aos governadores de cada província e aos príncipes de cada nação; a cada província, segundo a sua escrita, e a cada nação, segundo a sua língua. O édito estava assinado com o nome de Assuero e levava o selo real. 13Expediram-se cartas, por correios, para todas as províncias reais, no sentido de destruir, matar e exterminar todos os judeus, jovens, velhos, crianças e mulheres, num só dia, no dia treze do décimo segundo mês, que é o mês de Adar, e para entregar à pilhagem os seus despojos.
B Cópia do édito contra os judeus – 1O teor da carta é o seguinte:
«Assuero, o grande rei, aos sátrapas e aos governadores das cento e vinte e sete províncias, da Índia até à Etiópia, mando o que se segue:2Embora eu seja o chefe de numerosas nações e tenha submetido toda a terra, não quero de modo algum abusar da grandeza do meu poder. Quero estabelecer um governo de moderação e de justiça, oferecer aos meus súbditos uma existência de tranquilidade perpétua, e procurar para o meu reino, até aos seus confins, a quietude e a segurança, garantia da paz, tão desejada por todos os homens. 3Perguntei, pois, aos meus conselheiros como poderia levar isto a cabo e um deles, chamado Haman, superior a todos pela sua sabedoria e fidelidade, que ocupa o primeiro lugar depois do rei, 4deu-me a conhecer que há um povo mal-intencionado, disperso entre os outros povos do mundo, de costumes contrários aos dos outros, que despreza continuamente as ordens régias, a ponto de ameaçar a concórdia que reina no nosso império. 5Averiguei, também, que essa nação vive totalmente isolada, sempre em oposição perpétua ao resto do género humano e que, segundo as suas leis, tem um modo de vida estranho, hostil aos nossos interesses, e comete as piores desordens, comprometendo assim a ordem pública do reino. 6Por estas razões, ordenamos que todos aqueles que vos são indicados nas cartas de Haman, o homem que está à frente dos nossos interesses e que é para nós como um segundo pai, sejam radicalmente exterminados, com as suas mulheres e crianças, pela espada dos seus inimigos, sem nenhuma compaixão nem clemência, no dia catorze do décimo segundo mês, chamado Adar, do presente ano. 7Desse modo, os inimigos de ontem e de hoje sejam obrigados a descer num só dia à região dos mortos, para que, no tempo futuro, o nosso governo seja estável e perfeitamente tranquilo.»
14Uma cópia do édito, que devia ser promulgado em cada província, foi enviada a todos os povos, convidando-os a estarem preparados para o dia marcado. 15À ordem do rei, os correios partiram a toda a pressa.
O édito publicou-se em Susa, a capital, e enquanto o rei bebia na companhia de Haman, a cidade de Susa estava consternada.
Consternação dos judeus – 1Quando Mardoqueu soube o que se tinha passado rasgou as vestes, vestiu-se de saco e cinza e percorreu a cidade dando fortes gemidos de dor. 2Deste modo chegou até à porta do rei. Ora ninguém podia transpor aquela porta vestido de saco. 3Em todas as províncias, em toda a parte onde chegou a ordem do rei e o seu édito, houve grande desolação entre os judeus. Jejuaram, choraram e fizeram lamentações, e muitos deitavam-se sobre a cinza vestidos de saco.
4As criadas de Ester e os seus eunucos foram-lhe contar o que se passava. E a rainha encheu-se de temor. Mandou roupas para que Mardoqueu se vestisse e tirasse o saco com que estava coberto; mas ele não as aceitou. 5Então, Ester chamou Hatac, um dos eunucos que o rei pusera ao seu serviço, e encarregou-o de perguntar a Mardoqueu que significavam e qual o motivo daqueles sinais de dor.
6Hatac foi ter com Mardoqueu, que estava na praça da cidade, diante da porta do rei. 7E Mardoqueu contou-lhe tudo o que acontecera, e a quantia de dinheiro que Haman prometera entregar ao tesouro real, em troca do extermínio dos judeus. 8E entregou-lhe também uma cópia do édito publicado em Susa para os exterminar, de modo que a mostrasse a Ester, pondo-a ao corrente de tudo. E mandou a Ester que se apresentasse ao rei, a fim de implorar a sua graça e interceder junto dele pelo seu povo.
9Hatac foi referir a Ester as palavras de Mardoqueu. 10Mas a rainha encarregou Hatac de lhe responder:
11«Todos os servos do rei e o povo das suas províncias sabem que há uma lei que castiga com a pena de morte quem quer que seja, homem ou mulher, que penetrar sem ser chamado no átrio interior do palácio do rei, excepção feita somente àquele para o qual o rei estender o seu ceptro de ouro, a fim de lhe conservar a vida. E eu não fui chamada pelo rei desde há trinta dias.»
12Estas palavras de Ester foram referidas a Mardoqueu, 13e este mandou responder-lhe: «Não penses que, por estares no palácio, poderás escapar mais facilmente que todos os judeus. 14Se agora te calares, e o socorro e a libertação dos judeus vier de outra parte, tu e a casa dos teus pais perecereis. E quem sabe se não foi para estas circunstâncias que chegaste à realeza?!»
15Ester mandou responder a Mardoqueu: 16«Vai reunir todos os judeus de Susa e jejuai por mim, sem comer nem beber, durante três dias e três noites. Eu farei a mesma coisa com as minhas servas. Depois disso, e apesar da proibição, irei ter com o rei. Se tiver de morrer, morrerei.»
17Mardoqueu retirou-se e fez tudo o que Ester pedira.
C Oração de Mardoqueu – 1Então, Mardoqueu orou ao Senhor, recordando-lhe todas as maravilhas que Ele tinha realizado, e disse:
2«Senhor, Senhor, rei todo poderoso, em cujo poder estão todas as coisas e a cuja vontade ninguém pode resistir, se quiseres salvar Israel.3Fizeste o céu e a terra e todas as maravilhas que se acham debaixo dos céus. 4És o Senhor universal e ninguém, Senhor, te pode resistir.5Conheces tudo e sabes que não foi por espírito de soberba, nem por presunção, nem por vanglória que recusei prostrar-me diante do orgulhoso Haman. 6De boa vontade, para salvar Israel, eu beijaria o rasto dos seus pés. 7Mas procedi assim para não colocar a glória de um homem acima da glória de Deus; não adorarei ninguém fora de ti. E, agindo assim, não o faço por orgulho.
8E agora, Senhor, Tu que és o meu Deus e meu rei, Deus de Abraão, defende o teu povo, pois os nossos inimigos querem arruinar-nos e destruir a tua antiga herança. 9Não desprezes o teu povo, que resgataste da terra do Egipto. 10Ouve a minha oração e sê propício para com a tua herança e transforma em alegria a nossa dor, a fim de vivermos para celebrar o teu nome, Senhor. E não feches a boca daqueles que te louvam!»
11Todo o Israel clamava também ao Senhor com grandes brados, porque tinha a morte diante dos olhos.
Oração de Ester – 12Também a rainha Ester, possuída de uma angústia mortal, recorreu ao Senhor. 13Depôs as suas vestes luxuosas e vestiu roupas de aflição e pesar. Em lugar das essências preciosas, cobriu a cabeça de cinza e pó e humilhou-se. O seu corpo, que antes sentia prazer em adornar, cobriu-o com os cabelos desgrenhados. 14E dirigiu esta prece ao Senhor, Deus de Israel:
«Meu Deus, meu único rei, assiste-me no meu desamparo, pois não tenho outro socorro senão a ti, 15porque vou pôr a minha vida em risco.16No seio da família, ouvi desde criança, Senhor, que escolheste Israel entre todos os povos, e os nossos pais entre todos os seus antepassados, para fazer deles a tua herança perpétua, e que cumpriste todas as promessas. 17E agora, porque pecámos na tua presença, entregaste-nos nas mãos dos nossos inimigos, 18por termos adorado os seus deuses.
Tu és justo, Senhor. 19Mas eles não se contentam com impor-nos dura servidão. E, colocando as mãos sobre os seus ídolos, 20juraram abolir o que Tu decretaste, aniquilar a tua herança, fechar a boca daqueles que te louvam, extinguir a glória do teu templo e do teu altar, 21a fim de proclamar, pela boca dos gentios, o poder dos seus ídolos e de exaltar para sempre um rei de carne.
22Ó Senhor, não entregues o ceptro aos que não são nada, para que não se riam da nossa ruína! Faz cair sobre eles os seus planos e derruba aquele que primeiro nos atacou. 23Lembra-te de nós, Senhor. Manifesta-te no dia da nossa tribulação e dá-me coragem, Senhor, rei dos deuses, dominador de todos os poderes! 24Coloca nos meus lábios, quando estiver na presença do leão, palavras apropriadas e muda o seu coração em ódio contra aquele que nos é hostil, a fim de que pereça com todos os seus partidários.
25Livra-nos com a tua mão e assiste-me no meu abandono, a mim, que não tenho senão a ti, Senhor. Tu conheces tudo! 26Sabes que detesto a glória dos ímpios e tenho horror ao leito dos incircuncisos e estrangeiros. 27Sabes que só por necessidade estou onde estou, e que detesto as insígnias da dignidade que levo sobre a minha cabeça nos dias em que devo aparecer em público. Sim, eu as abomino como um pano manchado e não as levo nos dias do meu recolhimento. 28A tua serva não comeu à mesa de Haman nem honrou com a sua presença os banquetes do rei, nem bebeu o vinho das libações. 29Jamais se alegrou a tua serva desde o dia da sua elevação até hoje, a não ser em ti, Senhor, Deus de Abraão. 30Ó Deus, poderoso sobre todas as coisas, ouve a voz dos desamparados e livra-_-nos das mãos dos perversos, e a mim livra-me desta minha angústia.»
Ester apresenta-se ao rei – 1No terceiro dia, Ester vestiu os trajes reais e foi colocar-se no átrio interior do palácio real, diante da residência do rei; este estava sentado no trono real, na sala do trono, diante da porta do palácio. 2Quando o rei viu a rainha Ester de pé no átrio, olhou-a com agrado e estendeu para ela o ceptro de ouro que tinha na mão. Ester aproximou-se e tocou na ponta do ceptro.
D 1No terceiro dia, terminada a sua oração, Ester despiu as vestes de penitência e vestiu as suas vestes de gala. 2E assim esplendidamente adornada, depois de ter invocado a Deus, seu salvador, que vê todas as coisas, tomou consigo duas servas. 3Apoiava-se sobre uma, como uma pessoa delicada, 4ao passo que a outra a seguia, segurando a cauda do seu manto. 5Estava formosa como uma flor, de rosto rosado, alegre e atraente, mas com o coração angustiado pelo temor.
6E, atravessando todas as portas, apresentou-se diante do rei. Assuero estava sentado no seu trono real, revestido de todos os ornamentos da sua majestade, coberto de ouro e de pedrarias, e o seu aspecto era impressionante. 7Levantando a cabeça, radiante de majestade, dirigiu o seu olhar, cheio de cólera, para a rainha que, mudando de cor, desmaiou e deixou cair a cabeça no ombro da serva que a acompanhava.8Mas Deus mudou em doçura a cólera do rei que, assustado, se levantou precipitadamente do seu trono e a tomou nos braços, até que ela voltou a si. Procurou acalmar o seu temor com doces palavras, 9dizendo-lhe: «Que tens, Ester? Sou teu irmão. Não temas! 10Não morrerás, porque a minha ordem é para o comum do povo. 11Aproxima-te!» 12Levantou o ceptro de ouro, aproximou-o do seu pescoço e beijou-a, dizendo: «Podes falar-me.» 13Ela disse-lhe: 14«Meu senhor, eu vi-te como um anjo de Deus e o temor da tua majestade perturbou o meu coração. 15Porque és, senhor, admirável e o teu rosto está cheio de gravidade.» 16Dizendo estas palavras caiu de novo sem sentidos. 17O rei consternou-se e todos os seus servos procuravam reanimá-la.
Intervenção de Ester – 3O rei disse-lhe: «Que tens, rainha Ester, e que queres? Mesmo que pedisses metade do meu reino, isso te daria.»4Ester respondeu-lhe: «Se ao rei parecer bem, venha hoje com Haman ao banquete que lhe preparei.» 5O rei disse: «Apressai-vos a chamar Haman para atender ao desejo de Ester.»
O rei foi com Haman ao banquete que Ester tinha preparado. 6Enquanto se bebia o vinho, o rei disse à rainha: «Qual é o teu pedido? Tudo te será concedido. Qual o teu desejo? Mesmo que seja metade do meu reino, será satisfeito.» 7Ester respondeu-lhe: «Eis o que desejo e o meu pedido: 8Se encontrei favor aos olhos do rei, e se lhe agrada aceder ao meu pedido e satisfazer o meu desejo, que o rei e Haman tornem a vir ao banquete que lhes vou preparar. Amanhã darei resposta à pergunta do rei.»
9Haman saiu, naquele dia, cheio de gozo e alegre de coração. Mas, à vista de Mardoqueu que, diante da porta do rei, não se levantou nem se moveu à sua passagem, encheu-se de furor contra ele. 10Soube, entretanto, conter-se e retirou-se para sua casa. Então, chamou os seus amigos e Zeres, sua mulher, 11e falou-lhes do esplendor das suas riquezas, do número dos seus filhos, de tudo o que o rei fizera para o exaltar e do lugar que lhe conferira sobre todos os príncipes e todos os servidores reais. 12E acrescentou: «Fui o único a quem a rainha Ester admitiu com o rei ao banquete que ela lhe ofereceu, e convidou-me ainda para amanhã, juntamente com o rei. 13Mas tudo isto não é nada para mim, enquanto vir esse judeu Mardoqueu sentado à porta do rei.» 14Zeres, sua mulher, e todos os seus amigos disseram-lhe: «Prepara uma forca com cinquenta côvados de altura e, amanhã cedo, pede ao rei que nela seja suspenso Mardoqueu. Depois, irás satisfeito ao banquete com o rei.» Este conselho agradou a Haman, que mandou levantar a forca.
Haman é condenado à morte 1Naquela noite, o rei não pôde conciliar o sono. Mandou que lhe trouxessem o livro das memórias, as Crónicas, que na sua presença foram lidas. 2Nelas estava escrita a relação da denúncia que lhe fizera Mardoqueu da conspiração de Bigtan e Teres, os dois eunucos do rei, guardas do átrio, que quiseram levantar a mão contra o rei Assuero.
3O rei perguntou: «Que honras e distinções recebeu Mardoqueu por isto?» Responderam os servos do rei: «Não recebeu nenhuma.» 4Então o rei disse: «Quem está no átrio?» Ora Haman viera ao átrio exterior do palácio, para pedir ao rei que mandasse suspender Mardoqueu na forca que mandara levantar. 5Os servos do rei responderam: «É Haman que está no átrio.» O rei ordenou: «Que entre!»
6Entrou, pois, Haman e o rei perguntou-lhe: «Que se deve fazer a um homem a quem o rei quer honrar?» Pensou Haman: «A quem senão a mim quererá o rei honrar?» 7E logo respondeu: «Para honrar um homem a quem o rei quer honrar, 8é necessário mandar trazer as vestes com que se vestiu o rei e o cavalo que ele montou e colocar a coroa real na cabeça dele. 9As vestes, o cavalo e a coroa entregar-se-ão a um dos príncipes da corte, para que vista o homem a quem o rei quer honrar, passeando-o a cavalo pela praça da cidade e dizendo em altos brados diante dele: ‘É assim que é tratado o homem a quem o rei quer honrar’.»
10O rei disse a Haman: «Toma, pois, depressa as vestes e o cavalo, como disseste, e faz tudo isso a Mardoqueu, o judeu que está sentado à porta do rei. Não omitas nada de tudo o que disseste.» 11Haman tomou as vestes e o cavalo, vestiu Mardoqueu e conduziu-o, a cavalo, pela praça da cidade, clamando diante dele: «É assim que é tratado o homem a quem o rei quer honrar.»
12Depois, Mardoqueu voltou para a porta do palácio, enquanto Haman se retirava precipitadamente para casa, desolado e de cabeça coberta.13E contou a Zeres, sua mulher, e a todos os seus amigos o que lhe acontecera. Os seus conselheiros e a sua mulher Zeres responderam-lhe: «Se Mardoqueu, diante do qual começaste a cair, pertence ao povo judeu, não o conseguirás vencer, mas sucumbirás diante dele.»
14Falavam ainda, quando os eunucos do rei chegaram para o levar imediatamente ao banquete que Ester tinha preparado.
Castigo de Haman – 1O rei e Haman foram, pois, ao banquete da rainha Ester. 2No segundo dia, disse outra vez o rei a Ester, durante o festim: «Qual é o teu pedido, rainha Ester? Pois ele te será concedido. Que é que desejas? Mesmo que fosse metade do meu reino, seria satisfeito.» 3A rainha respondeu: «Se encontrei favor aos teus olhos, ó rei, e se ao rei parecer bem, conceda-me a vida, eis o meu pedido; e salve o meu povo, eis o meu desejo. 4É que eu e o meu povo fomos votados ao extermínio, à morte, ao aniquilamento. Se tivéssemos sido vendidos como escravos ou como servos, eu calar-me-ia, embora o inimigo não compensasse o prejuízo que o rei sofreria.» 5O rei Assuero perguntou à rainha Ester: «Quem é e onde está aquele que projecta tais coisas?» – 6«O opressor, o inimigo – disse a rainha – é Haman, esse malvado.»
7Haman ficou tolhido de terror diante do rei e da rainha. O rei, na sua cólera, levantou-se, deixou o banquete e dirigiu-se ao jardim do palácio. Haman, porém, permaneceu ali para implorar a Ester que lhe salvasse a vida, porque via bem que no espírito do rei estava decretada a sua completa ruína.
8Quando o rei voltou do jardim do palácio para a sala do banquete, viu Haman que se deixara cair no divã em que repousava Ester e exclamou: «Como?! Será que quer fazer também violência à rainha na minha casa, no meu palácio?» Mal acabara o rei de pronunciar essas palavras, cobriram o rosto de Haman.
9Harbona, um dos eunucos, disse ao rei: «Na casa de Haman há uma forca, com a altura de cinquenta côvados, que o próprio Haman preparou para Mardoqueu, aquele que descobriu a conspiração contra o rei.» Exclamou o rei: «Que o suspendam nela!» 10Suspenderam Haman na forca que tinha erguido para Mardoqueu e a cólera do rei aplacou-se.
Os hebreus vingam-se – 1Naquele mesmo dia, o rei Assuero deu à rainha Ester a casa de Haman, o opressor dos judeus; e Mardoqueu apresentou-se diante do rei, porque Ester lhe manifestara o parentesco que a unia a ele. 2O rei tirou o seu anel, que retirara de Haman, e deu-o a Mardoqueu; e Ester colocou Mardoqueu à frente da casa de Haman.
3Ester voltou de novo à presença do rei e falou-lhe. Prostrada a seus pés a chorar, suplicava-lhe que impedisse o efeito das maldades de Haman, o agagita, e a realização dos seus planos contra os judeus. 4O rei estendeu o ceptro de ouro a Ester, que se pôs de pé diante dele 5e lhe disse: «Se ao rei parecer bom e justo, e se encontrei favor, e for agradável aos seus olhos, que se revoguem por escrito as cartas que Haman, filho de Hamedata, o agagita, propôs e redigiu para exterminar os judeus de todas as províncias do rei. 6Como poderia eu ver a desgraça que espera o meu povo, e como poderia assistir ao extermínio da minha gente?»
7O rei Assuero respondeu à rainha Ester e ao judeu Mardoqueu: «Eu dei a Ester a casa de Haman, e esse homem foi enforcado por levantar a mão contra os judeus. 8Escrevei, portanto, vós mesmos, em favor dos judeus, como bem vos parecer, em nome do rei, e selai as cartas com o selo real, porque toda a ordem escrita em nome do rei e selada com o seu selo é irrevogável.»
9Foram, então, chamados os secretários do rei, no dia vinte e três do terceiro mês, que é o mês de Sivan. E eles, conforme as instruções de Mardoqueu, escreveram aos judeus, aos sátrapas, aos governadores e aos chefes das cento e vinte e sete províncias situadas entre a Índia e a Etiópia, a cada província na sua escrita, a cada nação na sua própria língua, e aos judeus na sua própria escrita e língua. 10Redigiram-se, em nome do rei Assuero, e marcaram-se com o selo real as cartas que foram expedidas por correios, montados em cavalos procedentes das cavalariças reais. 11Nelas, o rei outorgava aos judeus, em qualquer cidade em que residissem, o direito de se reunirem para defender a sua vida, destruir, matar e fazer perecer, em cada província do reino, todos os que estivessem armados para os atacar, assim como as suas mulheres e filhos, e também o direito de se apoderarem dos bens deles. 12E fixou-se num só dia, em todas as províncias do rei Assuero, a saber, no dia treze do décimo segundo mês, chamado Adar.
E Édito de Assuero em favor dos judeus – 1Eis a cópia da carta:
«Assuero, o grande rei, aos cento e vinte e sete sátrapas, aos governadores das províncias desde a Índia à Etiópia, e a todos os que dirigem os nossos interesses, saúde.
2Muitos, depois de terem recebido honras singulares pela grande bondade dos seus benfeitores, tornaram-se arrogantes. 3Não somente tratam de oprimir os nossos súbditos, mas, incapazes de se contentar com as honras recebidas, conspiram até contra aquele que lhas conferiu.4E não só desterram do meio dos homens os sentimentos de gratidão, senão que, ensoberbecidos com a adulação dos que desconhecem o bem, procuram escapar a uma justiça inimiga do mal, a de Deus que tudo vê. 5Muitas vezes, as insinuações dos encarregados de administrar os interesses dos seus amigos arrastaram para calamidades irremediáveis os que detêm o poder e tornaram-nos cúmplices da morte de inocentes, 6abusando, por falsos e maliciosos subterfúgios, da simplicidade e da probidade dos príncipes. 7Isto é o que podemos constatar, não tanto pelas narrações passadas que chegaram até nós, como acabamos de recordar, quanto pelo exame dos factos criminosos, de vós conhecidos, perpetrados por essa calamidade de homens, indignamente revestidos da autoridade.
8Por isso, procuraremos assegurar para todos, no futuro, a tranquilidade e a paz do reino, 9realizando mudanças e julgando com equidade os acontecimentos que nos são apresentados, para os enfrentar sempre com prudência.
10Vós sabeis como o macedónio Haman, filho de Hamedata, homem estranho ao sangue dos persas e inteiramente desconhecedor da nossa bondade, por nós acolhido com toda a hospitalidade, 11beneficiou da nossa universal benevolência, a ponto de ser chamado nosso pai e de ser venerado por todos como titular da segunda dignidade do trono real. 12Mas, incapaz de conter a sua presunção, intentou privar-nos tanto do poder como da vida. 13Por insinuações cautelosas e subtis, procurou a morte do nosso salvador e grande benfeitor Mardoqueu, como também a de Ester, irrepreensível companheira da nossa realeza, e a morte de todo o seu povo. 14Pensava surpreender-nos, assim, isolados, para transferir o império dos persas para os macedónios.
15Mas chegámos à conclusão de que esses judeus que aquele três vezes criminoso votava à morte, não eram, de modo algum, malfazejos; pelo contrário, eram dirigidos por leis cheias de equidade; 16que são os filhos do altíssimo Deus vivo, o qual nos conserva a nós, como aos nossos antepassados, este reino em grande prosperidade.
17Por isso, fareis bem em não prestar atenção às cartas enviadas por Haman, filho de Hamedata, 18visto que o autor desse crime foi suspenso numa forca, diante das portas de Susa, com toda a sua família, tendo-lhe Deus, que tudo domina, infligido prontamente o castigo que merecia.
19Uma cópia do presente édito será afixada por toda a parte, para que seja permitido aos judeus observarem as suas leis com toda a liberdade; 20prestar-lhes-eis assistência, para que possam defender-se contra todos os que os ataquem, no dia fixado para a sua ruína, isto é, no dia treze do décimo segundo mês, chamado Adar. 21Porque esse dia, fixado para a perda do povo escolhido, Deus, que tudo domina, converteu-o em dia de alegria.
22Vós, pois, celebrareis esse dia memorável com grande alegria, como uma das vossas solenidades, 23a fim de que, agora e no futuro, seja um dia de salvação para nós e para os persas de boa vontade, e uma recordação de ruína para os que maquinaram contra nós. 24Toda a cidade e toda a província que não observar estas ordens será inexoravelmente destruída pelo ferro e pelo fogo; deste modo, tornar-se-á não só inacessível aos homens, mas também eternamente odiosa para as feras e para as aves.»
13Uma cópia do édito, que devia ser promulgado como lei em cada província, foi enviada a todos os povos, a fim de que os judeus estivessem preparados, naquele dia, para se vingarem dos seus inimigos. 14Os correios, montados em cavalos das cavalariças reais, partiram a toda a pressa, por ordem do rei. O édito foi imediatamente publicado em Susa, a capital.
15Mardoqueu saiu do palácio do rei, com uma veste real, azul e branca, com uma grande coroa de ouro e um manto de linho e púrpura. A cidade de Susa alegrou-se com grandes manifestações de júbilo. 16Houve para os judeus felicidade, alegria, luz e cantos de triunfo. 17Em cada província, em cada cidade, onde quer que chegasse o édito real, houve entre os judeus gozo, banquetes e regozijo. E muitos de entre os povos do país fizeram-se judeus, tal era o temor que estes lhes inspiravam.
Vingança dos judeus – 1No décimo segundo mês, chamado Adar, no dia treze do mês, data em que se cumpria o édito do rei e em que os inimigos dos judeus pensavam exterminá-los, aconteceu tudo ao contrário, e os judeus dominaram os seus inimigos. 2Os judeus reuniram-se nas suas cidades, em todas as províncias do rei Assuero, para levantar a mão contra aqueles que desejavam a sua perda. Ninguém lhes pôde resistir, porque o terror se apoderara de todos os povos. 3E todos os chefes das províncias, os sátrapas, os governadores e os funcionários do rei apoiaram os judeus, pelo temor que lhes inspirava Mardoqueu. 4Porque este ocupava um alto lugar no palácio real, e a sua fama espalhava-se por todas as províncias, onde a sua influência crescia dia a dia.
5Os judeus feriram todos os seus inimigos a golpes de espada, mataram e exterminaram os seus opressores e trataram-nos como os seus inimigos tinham querido proceder com eles. 6Em Susa, a capital, mataram quinhentos homens. 7Fizeram igualmente perecer Parchandata, Dalfon, Aspata, 8Porata, Adalias, Aridata, 9Parmasta, Arisai, Aridai e Vaizata, 10os dez filhos de Haman, filho de Hamedata, o opressor dos judeus. Mas abstiveram-se de toda a pilhagem.
11Nesse dia, chegou ao conhecimento do rei o número das vítimas em Susa, a capital, 12e o rei disse a Ester: «Na cidade de Susa, os judeus mataram quinhentos homens e os dez filhos de Haman. Que terão feito nas outras províncias do rei? Se algo mais quiseres, ser-te-á concedido. Se tens mais algum desejo, ser-te-á satisfeito.»
13Ester respondeu: «Se ao rei parecer bem, seja permitido aos judeus de Susa agir também amanhã conforme o decreto de hoje, e que se suspendam numa forca os dez filhos de Haman.» 14O rei deu ordem para que assim se fizesse. O édito foi publicado em Susa, e suspenderam na forca os dez filhos de Haman. 15Os judeus de Susa reuniram-se de novo no dia catorze do mês de Adar e mataram na cidade trezentos homens. Mas também não se deram à pilhagem.
16Os outros judeus, espalhados pelas províncias do reino, juntaram-se para defender as suas vidas e livrar-se dos ataques dos seus inimigos. Mataram setenta e cinco mil pessoas sem, contudo, se entregarem à pilhagem.
17Isto sucedeu no dia treze do mês de Adar. No dia catorze repousaram e fizeram dele um dia de banquetes e alegria. 18Os judeus de Susa, que se juntaram no dia treze e catorze, repousaram no dia quinze, fazendo dele um dia de banquetes e alegria.
19Mas os judeus do campo, que habitavam nas cidades não fortificadas, faziam do dia catorze do mês de Adar um dia de alegria, de banquetes e de festa, dia em que enviavam ofertas uns aos outros.
A festa de Purim – 20Mardoqueu escreveu todos estes acontecimentos. Enviou cartas a todos os judeus das províncias do rei Assuero, próximas ou longínquas, 21para lhes ordenar que celebrassem, cada ano, o dia catorze e o dia quinze do mês de Adar 22como dias em que foram postos a salvo dos ataques dos seus inimigos, e celebrar o mês em que a sua tristeza se transformou em alegria e o luto em festa. Deviam, pois, nesses dias, fazer alegres banquetes, enviar ofertas uns aos outros e distribuir donativos aos pobres.
23Os judeus comprometeram-se a fazer aquilo que já tinham começado e que Mardoqueu lhes escrevera: 24que Haman, filho de Hamedata, o agagita, opressor dos judeus, resolvera exterminá-los e lançar-lhes o “pur”, isto é, a sorte, para os exterminar e destruir; 25mas, quando Ester se apresentou diante do rei, este ordenou, por escrito, que o maligno projecto tramado contra os judeus recaísse sobre a cabeça do seu autor e que este e seus filhos fossem suspensos na forca. 26É por isso que eles chamam a esses dias Purim, da palavra “pur”.
Conforme o conteúdo dessa carta, segundo o que eles mesmos viram e lhes acontecera, 27os judeus instituíram e estabeleceram para eles, para os seus descendentes e para todos os que a eles se unissem, o costume irrevogável de celebrar anualmente esses dois dias, na forma prescrita e no tempo marcado. 28Esses dias eram recordados e celebrados de geração em geração, em cada família, em cada província e em cada cidade. Jamais poderiam ser abolidos esses dias de Purim entre os judeus, nem se devia apagar a sua recordação entre os seus descendentes.
29A rainha Ester, filha de Abiaíl, e o judeu Mardoqueu escreveram uma segunda vez com insistência, para confirmar a carta acerca da festa de Purim, 30e enviaram as cartas a todos os judeus das cento e vinte e sete províncias do rei Assuero, com palavras de paz e de fidelidade; 31recomendavam a celebração desses dias de Purim no tempo fixado, como o judeu Mardoqueu e a rainha Ester os instituíram, para eles e para os seus descendentes, com os jejuns e as lamentações. 32Assim, a ordem de Ester confirmou a instituição da festa de Purim, e tudo isso foi escrito no livro.
Elogio de Mardoqueu – 1O rei Assuero impôs tributo à terra e às ilhas do mar. 2Todos os factos concernentes ao seu poderio e às suas façanhas e os pormenores da grandeza a que elevou Mardoqueu, tudo isso está escrito no livro das crónicas dos reis dos medos e dos persas. 3Porque o judeu Mardoqueu era o primeiro, depois do rei Assuero; era considerado grande entre os judeus e amado pela multidão dos seus irmãos. Procurou o bem do seu povo e preocupou-se com a felicidade de toda a sua raça.
F Interpretação do sonho de Mardoqueu – 1E Mardoqueu disse: «De Deus veio tudo isto. 2Lembro-me de um sonho que tive a este respeito e nada foi omitido: 3foi a pequena fonte que se converteu num rio, e foi a luz e o sol e a abundância de água. O rio é Ester a quem o rei tomou por esposa e que se tornou rainha. 4Os dois dragões sou eu e Haman. 5Os povos são aqueles que se reuniram para exterminar o nome dos judeus. 6A minha nação é Israel que invocou o Senhor e que foi salva, porque o Senhor salvou o seu povo e livrou-nos de todos estes males. Deus fez grandes prodígios e maravilhas, como não fez semelhantes entre todas as nações. 7Porque Deus preparou dois destinos: um para o seu povo e outro para todas as nações. 8E esses dois destinos cumpriram-se na hora, no tempo e no dia fixado por Deus para todas as nações. 9Então, o Senhor lembrou-se do seu povo e fez justiça à sua herança. 10Por isso, aqueles dias do mês de Adar, os dias catorze e quinze, serão celebrados em comum no povo de Israel, com gozo e alegria diante de Deus, de geração em geração, para sempre.»
Nota final – 11No quarto ano de Ptolomeu e de Cleópatra, Dositeu, que se dizia sacerdote da tribo de Levi, e seu filho Ptolomeu trouxeram a presente carta sobre a festa de Purim, assegurando ter sido traduzida por Lisímaco, filho de Ptolomeu, da comunidade de Jerusalém.
Com o título de Macabeus são designados dois livros que fazem parte da Sagrada Escritura, embora sejam conhecidos mais dois com este nome na antiga literatura judaica. Nos primeiros séculos da Igreja, houve algumas dúvidas em considerá-los parte do Cânone. De facto, não constam no Cânone da Bíblia Hebraica dos judeus palestinenses; mas fazem parte da Bíblia do judaísmo de Alexandria. Este facto veio a criar, por parte das igrejas protestantes, uma atitude de reserva para com eles; quanto aos outros dois, cedo lhes foi recusada a classificação de livros bíblicos, tanto pelos judeus como pelos cristãos.
NOME
Chamam-se Macabeus, não porque tal fosse o nome do seu autor, mas porque Judas – o protagonista dos principais acontecimentos narrados nos dois livros – foi denominado “Macabeu”. Porém, foi São Clemente de Alexandria (séc. III d.C.) quem, pela primeira vez, lhes atribuiu esse título, que se tornou corrente na tradição cristã.
Muito provavelmente, com esse nome ter-se-á querido salientar a missão que Deus, Senhor da História, quisera confiar a Judas Macabeu. De facto, o termo “macabeu” aparece em Is 62,2 com o significado de «designado do Senhor», que corresponde perfeitamente à qualidade de chefe com que Judas é descrito em 2 Mac 8,1-7. Também é muito semelhante ao que se diz dos chefes carismáticos do período dos Juízes e ao papel dos que têm a missão de libertar o povo de um poder político ou de uma cultura que não respeita a fé de Israel.
AUTOR E MENSAGEM
O 1.° livro dos Macabeus é obra de autor desconhecido, mas bom conhecedor da Palestina e imbuído da fé que caracteriza o povo eleito. É precisamente esta fé que o leva a narrar a História recente do seu povo, para impedir os seus irmãos de raça de serem infiéis à aliança.
No horizonte, está o confronto entre a fé de Israel e os novos modos de viver da cultura helenística, em que o judaísmo da diáspora se encontra. Para responder a essa situação concreta e precaver da traição à fé, o autor vai buscar este período histórico e os modelos de fé nele encontrados.
Tocado pela dura experiência do tempo do domínio selêucida, com Antíoco IV Epifânio à cabeça, volta-se para a raiz da fé, que é a aliança do Sinai, e diz ao povo: «Deus está sempre atento e vai fazer surgir homens corajosos e determinados, para resistirmos à imposição dos valores culturais que ameaçam as atitudes de vida exigidas pela aliança». Por isso, mais que descrever objectivamente o que fizeram esses homens, o autor preocupa-se em mostrar como, por atitudes idênticas às deles, o povo fiel pode continuar a viver a sua fé no Deus único e a manter a sua identidade nacional.
GÉNERO LITERÁRIO
Os dois livros dos Macabeus são históricos, segundo os critérios historiográficos da época, e com uma acentuada preocupação religiosa e edificante.
Mais que uma narração objectiva dos acontecimentos do mesmo período, nem sempre concordantes, porque entre si distintos e independentes, assemelham-se a dois Evangelhos Sinópticos: o 1.° livro abrange o período que vai de 175 a.C. a 134 a.C. (subida ao trono de João Hircano); o 2.° livro cobre o período de 175 a.C. a 160 a.C. (morte de Nicanor).
DIVISÃO E CONTEÚDO
A narração dos acontecimentos está distribuída em quatro blocos: no primeiro traça-se o ambiente político e cultural criado por Alexandre Magno, que origina a revolta dos Macabeus (1,1-2,70); no segundo narram-se os feitos gloriosos de Judas Macabeu (3,1-9,22); no terceirodescrevem-se os feitos de Jónatas (9,23-12,54) e, no quarto, os feitos do Sumo Sacerdote Simão, fundador da dinastia dos Hasmoneus (13,1-16,24).
O seu conteúdo poderá ser divido nas quatro partes que apresentamos a seguir:
Alexandre Magno e seus sucessores – 1Aconteceu que, depois de se ter apoderado da Grécia, Alexandre, filho de Filipe da Macedónia, oriundo da terra de Kitim, derrotou também Dario, rei da Pérsia e da Média, e reinou em seu lugar. 2Empreendeu inúmeras guerras, apoderou-se de muitas cidades e matou vários reis da terra. 3Atravessou-a até aos seus confins, apoderou-se das riquezas de vários povos, e a terra rendeu-se-lhe. Tornou-se orgulhoso e o seu coração ensoberbeceu-se. 4Reuniu poderosos exércitos, submeteu ao seu império muitos povos e os reis pagaram-lhe tributo.
5Finalmente, adoeceu e viu que a morte se aproximava. 6Convocou então os seus oficiais, os nobres da sua corte, que com ele tinham sido criados desde a sua juventude, e, ainda em vida, dividiu o império entre eles. 7Alexandre reinara doze anos e morreu. 8Os seus generais assumiram o poder, cada um na sua região. 9Depois da sua morte, cingiram o diadema e, depois deles, os seus filhos, durante muitos anos, multiplicando os males sobre a terra.
Antíoco IV Epifânio e o helenismo na Palestina (2 Mac 4,7-17) – 10Destes generais saiu aquela raiz de pecado, Antíoco Epifânio, filho do rei Antíoco, que estivera em Roma como refém, e tornou-se rei no ano cento e trinta e sete da era dos gregos. 11Nesta época, surgiram também, em Israel, filhos perversos que seduziram o povo, dizendo: «Façamos aliança com as nações vizinhas, porque desde que nos separámos delas sobrevieram-nos imensos males.» 12Pareceu-lhes bom este conselho. 13Alguns de entre o povo decidiram-se e foram ter com o rei, o qual lhes concedeu autorização para seguirem os costumes pagãos. 14Edificaram em Jerusalém um ginásio, segundo o estilo dos gentios, 15dissimularam os sinais da circuncisão, afastaram-se da aliança com Deus, coligaram-se com os estrangeiros e tornaram-se escravos do pecado.
Campanha do Egipto e saque do templo de Jerusalém (2 Mac 5,11-21) 16Quando Antíoco se consolidou no seu trono, concebeu o desejo de se apoderar do Egipto, a fim de reinar sobre as duas nações. 17Entrou, pois, no Egipto com um poderoso exército de carros, elefantes, cavalos, e uma numerosa esquadra. 18Fez guerra a Ptolomeu, rei do Egipto, que, possuído de pânico, fugiu. Foram muitos os que caíram feridos. 19Então, apoderou-se das fortalezas do Egipto e saqueou as riquezas do país.
20No ano cento e quarenta e três, depois de ter vencido o Egipto, Antíoco marchou contra Israel e subiu a Jerusalém com um poderoso exército. 21Entrou com arrogância no santuário, tomou o altar de ouro, o candelabro das luzes com todos os seus utensílios, 22a mesa dos pães da oferenda, os vasos, as alfaias, os turíbulos de ouro, o véu, as coroas, os ornamentos de ouro da fachada, e arrancou todos os adornos de ouro que revestiam o templo. 23Tomou a prata, o ouro, os vasos preciosos e os tesouros ocultos que encontrou 24e, com tudo isto, regressou à sua terra, depois de ter feito grande mortandade e pronunciado palavras injuriosas. 25Um grande luto se abateu sobre todo o Israel:
Ataque a Jerusalém e construção da cidadela (2 Mac 5,24-26) – 29Passados dois anos, Antíoco enviou o chefe dos impostos às cidades de Judá e de Jerusalém com numerosas tropas. 30Dirigiu aos habitantes palavras de paz, cheias de falsidade, nas quais eles acreditaram. Mas, de repente, lançou-se sobre a cidade, causando nela grandes estragos e matando muita gente em Israel. 31Saqueou-a, incendiou-a, destruiu muitas casas e as muralhas que a cercavam. 32Os seus soldados levaram cativas as mulheres e as crianças e apoderaram-se dos rebanhos.
33Depois cercaram a cidade de David com uma grande e sólida muralha, com torres muito fortes, convertendo-a numa cidadela. 34Instalaram ali uma guarnição de gente má, de homens perversos, que nela se fortificaram. 35Fizeram provisões de armas e de víveres e, reunindo todos os despojos do saque de Jerusalém, ali os acumularam. Constituíram uma grande ameaça para a cidade.
Antíoco IV contra o judaísmo – (2 Mac 6,1-11) – 41Então, o rei Antíoco publicou um édito para todo o seu reino, prescrevendo que todos os povos se tornassem um só povo, 42abandonando as suas leis particulares.
Todos os gentios se conformaram com esta ordem do rei, 43e muitos de Israel adoptaram a religião de Antíoco, sacrificando aos ídolos e violando o sábado. 44Por meio de mensageiros, o rei enviou a Jerusalém e às cidades de Judá cartas, prescrevendo que aceitassem os costumes dos outros povos da terra, 45suspendessem os holocaustos, os sacrifícios e as libações no templo, violassem os sábados e as festas, 46profanassem o santuário e as coisas santas, 47erigissem altares, templos e ídolos, sacrificassem porcos e animais imundos,48deixassem os seus filhos incircuncisos e manchassem as suas almas com toda a espécie de impurezas e abominações, 49a fim de que esquecessem a Lei de Deus e transgredissem todos os seus mandamentos. 50Todo aquele que não obedecesse à ordem do rei devia ser morto.
51Foi este o teor com que o rei escreveu a todo o reino; nomeou inspectores para obrigarem o povo a cumprir a sua vontade e ordenou às cidades de Judá que fizessem sacrifícios, em todas elas. 52Foram muitos os que, de entre o povo, aderiram e abandonaram a Lei. Fizeram muito mal no país 53e obrigaram os verdadeiros israelitas a refugiarem-se em esconderijos, afastados e ocultos.
54No dia quinze do mês de Quisleu, do ano cento e quarenta e cinco, o rei edificou a abominação da desolação sobre o altar dos sacrifícios, e construíram altares em todas as cidades de Judá. 55Queimaram incenso diante das portas das casas e nas praças públicas, 56rasgaram e queimaram todos os livros da Lei, que encontraram. 57Todo aquele que tivesse em seu poder um livro da Aliança ou mostrasse gosto pela Lei, morreria, em virtude do decreto do rei. 58Era com este rigor que tratavam Israel e todos aqueles que habitavam nas suas cidades, mês após mês.
59No dia vinte e cinco de cada mês, sacrificavam no altar que estava levantado sobre o altar dos holocaustos. 60As mulheres que circuncidavam os seus filhos eram mortas, conforme o édito do rei, 61e os seus filhos, suspensos pelo pescoço. Matavam também os domésticos e os que lhes tinham feito a circuncisão. 62Foram muitos os israelitas que resolveram, no seu coração, não comer nada de impuro, preferindo antes morrer, a manchar-se com alimentos impuros; 63e preferiram ser trucidados, a manchar-se com alimentos impuros e a profanar a aliança santa. 64Foi muito grande a cólera que caiu sobre Israel.
Matatias e seus filhos – 1Naqueles dias, levantou-se Matatias, filho de João, filho de Simeão, sacerdote da família de Joiarib, que veio de Jerusalém estabelecer-se em Modin. 2Tinha cinco filhos: João com o sobrenome de Gadi, 3Simão, chamado Tassi, 4Judas, apelidado Macabeu, 5Eleázar, chamado Avaran, e Jónatas, chamado Afos. 6Vendo as abominações praticadas em Judá e Jerusalém, Matatias exclamou:
7«Infeliz de mim! Porque nasci eu? Para ver a ruína do meu povo e a destruição da cidade santa, obrigado a ficar aqui, quando ela está em poder dos seus inimigos e o santuário nas mãos dos estrangeiros?
O sacrifício de Modin – 15Entretanto, os delegados do rei chegaram à cidade de Modin, para obrigar à apostasia e exigir que oferecessem sacrifícios. 16Muitos israelitas obedeceram-lhes, mas Matatias e os filhos permaneceram firmes. 17Os enviados do rei, dirigindo-se a Matatias, disseram-lhe: «Possuis nesta cidade notável poder, influência e consideração, os teus irmãos e os teus filhos reconhecem-te autoridade.18Vem, pois, e sê o primeiro a executar a ordem do rei como o fizeram todas as nações, os habitantes de Judá e os que ficaram em Jerusalém. Serás contado, tu e os teus filhos, entre os amigos do rei; tu e os teus filhos sereis honrados pelo rei, o qual vos enriquecerá de prata, ouro e numerosos presentes.» 19Matatias respondeu-lhes com voz forte: «Ainda que todas as nações que formam o império do rei renegassem a fé dos seus pais e obedecessem às suas ordens, 20eu, os meus filhos e os meus irmãos, obedeceremos à aliança dos nossos antepassados. 21Que Deus nos preserve de abandonar a Lei e os seus preceitos! 22Não escutaremos as ordens do rei e não nos desviaremos da nossa religião, nem para a direita, nem para a esquerda.»
23Mal acabara de falar, eis que um judeu, à vista de todos, se aproximou para imolar no altar de Modin, conforme as ordens do rei. 24Matatias, ao vê-lo, e no ardor do seu zelo, sentiu estremecer as suas entranhas. Num ímpeto de indignação pela Lei, atirou-se sobre ele e matou-o mesmo no altar. 25Ao mesmo tempo, matou o delegado do rei, que obrigava a sacrificar, e destruiu o altar. 26Com semelhante gesto mostrou o seu amor pela lei, como fizera Fineias, a respeito de Zimeri, filho de Salú.
27Então, em altos brados, Matatias levantou a voz através da cidade e disse: «Aquele que sentir zelo pela Lei e permanecer fiel à Aliança, venha e siga-me.» 28E fugiu com os filhos, em direcção às montanhas, abandonando todos os seus bens na cidade.
Matatias no deserto – 29Então, muitos dos que procuravam a rectidão e a justiça, encaminharam-se para o deserto, para ali se refugiarem,30juntamente com os seus filhos, as suas mulheres e os seus rebanhos, porque a perseguição chegara ao auge. 31Os oficiais do rei e as tropas estacionadas em Jerusalém, cidade de David, foram informados que aqueles judeus, desobedecendo ao decreto do rei, desceram ao deserto para ali se esconderem. 32O exército marchou contra eles e alcançou-os, dispondo-se a atacá-los no dia de sábado. 33Mas, antes, disseram-lhes: «É suficiente o que fizestes até agora. Saí, obedecei à ordem do rei e vivereis.» 34Mas eles responderam: «Não sairemos nem obedeceremos ao rei profanando o dia de sábado.» 35Imediatamente arremeteram contra eles; 36mas eles não responderam, não atiraram uma pedra nem fecharam a entrada dos seus refúgios. 37«Morramos todos inocentes», diziam eles. «O céu e a terra serão testemunhas de que nos matais injustamente.» 38Foi assim que os inimigos se lançaram contra eles em dia de sábado, morrendo eles, as mulheres, os filhos e o gado, em número de mil pessoas.
39Matatias e os seus amigos souberam-no e encheram-se de tristeza. 40E disseram uns aos outros: «Se todos agirmos como os nossos irmãos, não combatendo contra os estrangeiros para salvarmos as nossas vidas e as nossas leis, depressa nos exterminarão da face da terra.»
41Tomaram, pois, naquele dia, esta resolução: «Se alguém nos atacar em dia de sábado, combateremos contra eles e não nos deixaremos matar a todos, como fizeram os nossos irmãos, nos seus esconderijos.»
42Então, juntou-se a eles um grupo de hassideus, israelitas valentes, todos eles cheios de zelo pela Lei. 43Todos aqueles que procuravam escapar à perseguição também se lhes juntaram, reforçando-os. 44Formaram, pois, um exército e, na sua ira e indignação, massacraram os prevaricadores e traidores da Lei. Os outros procuravam refúgio junto dos estrangeiros.
45Matatias e os seus aliados percorreram as cidades, destruíram os altares 46e circuncidaram todas as crianças ainda incircuncisas, em todo o Israel. 47Escorraçaram os insolentes e a sua empresa alcançou bom êxito. 48Defenderam a Lei, contra o poder dos gentios e dos reis, e não permitiram que o mal prevalecesse.
Testamento de Matatias – 49Chegando para Matatias o fim dos seus dias, disse aos seus filhos: «O que domina, no presente, é o orgulho, o ódio, a desordem e a cólera. 50Sede, pois, meus filhos, os defensores da Lei e dai a vossa vida pela aliança dos nossos pais. 51Recordai-vos dos feitos dos nossos maiores, no seu tempo, e alcançareis uma grande glória e um nome eterno. 52Porventura não foi na prova que Abraão foi achado fiel? E não lhe foi isto contado como justiça? 53José observou os mandamentos na sua desgraça e veio a ser o senhor do Egipto.54Foi pelo zelo, que o abrasava, que Fineias, nosso antepassado, recebeu a promessa de um perpétuo sacerdócio. 55Josué, cumprindo a palavra de Deus, veio a ser juiz em Israel. 56Caleb deu testemunho diante do povo e recebeu uma terra como herança. 57David, pela sua misericórdia, mereceu para sempre o trono real. 58Pelo seu ardoroso zelo pela lei, Elias foi elevado ao céu, 59Hananias, Azarias e Michael foram salvos das chamas, por terem tido confiança. 60Daniel, na sua rectidão, foi preservado da boca dos leões. 61Recordai-vos, deste modo, de geração em geração, que todos os que esperam em Deus não perecem. 62Não receeis as ameaças do homem pecador, porque a sua glória é apenas lixo e vermes. 63Hoje é exaltado e amanhã desaparece, porque se converterá em pó e os seus planos serão frustrados.
64Vós, meus filhos, sede homens valentes e destemidos em observar a lei, porque por ela chegareis à glória. 65Aqui tendes Simão, vosso irmão; sei que ele é homem com capacidade; escutai-o continuamente e ele será para vós um pai. 66Judas Macabeu, forte e valoroso desde a sua juventude, será o general do vosso exército e dirigirá a guerra contra os gentios. 67Atraireis a vós todos os que observam a lei e vingareis o vosso povo. 68Retribuí aos gentios o mal que eles nos fizeram, e sede solícitos em guardar os preceitos da Lei.» 69E abençoou-os e foi reunir-se aos seus pais. 70Morreu no ano cento e quarenta e seis. Os seus filhos sepultaram-no em Modin, no sepulcro dos seus pais, e todo o Israel o chorou amargamente.
Elogio de Judas Macabeu (2 Sm 1,17-27; 14,4-15) – 1Sucedeu-lhe o seu filho Judas, chamado Macabeu. 2Auxiliaram-no todos os seus irmãos e todos os que se tinham unido ao seu pai e combatiam alegremente pela defesa de Israel.
Primeiras vitórias de Judas – 10Aconteceu que Apolónio convocou os gentios e, da Samaria, partiu com um grande exército para pelejar contra Israel. 11Judas soube-o e saiu-lhe ao encontro, venceu-o e matou-o; muitos tombaram no campo de batalha e os restantes fugiram.12Apoderou-se dos seus despojos e da espada de Apolónio, da qual se serviu sempre nos combates. 13Seron, general do exército sírio, soube que Judas juntara muitos soldados fiéis, que combatiam ao seu lado. 14E disse: «Tornar-me-ei célebre e cobrir-me-ei de glória no reino, vencendo Judas e os seus correligionários, que desprezam as ordens reais.» 15E preparou-se para a guerra. Juntou-se a ele um poderoso exército de ímpios, para se vingar dos filhos de Israel. 16Avançaram até à subida de Bet-Horon. Judas, acompanhado de poucos homens, saiu-lhes ao encontro. 17Mal viram o exército que vinha contra eles, os companheiros disseram a Judas: «Como poderemos enfrentar tamanho exército, se somos tão poucos e nos sentimos debilitados pelo jejum de hoje?» 18Mas Judas respondeu-lhes: «É fácil entregar uma multidão nas mãos de poucos; para o Deus do Céu não há diferença entre salvar com uma multidão ou com um punhado de homens, 19porque a vitória no combate não depende do número, mas da força que vem do Céu. 20Esta gente vem contra nós com impiedade e orgulho, para nos aniquilar juntamente com as nossas mulheres e os nossos filhos, e nos saquear. 21Nós, porém, lutamos pelas nossas vidas e pelas nossas leis. 22O próprio Deus esmagá-los-á diante dos nossos olhos. Não tenhais medo deles.»
23E logo que acabou de falar, cheio de decisão, Judas acometeu os inimigos e derrotou completamente Seron e o seu exército. 24Judas perseguiu-os pela descida de Bet-Horon até à planície. Morreram oitocentos homens, e os restantes fugiram para a terra dos filisteus. 25Com isto, o medo de Judas e dos seus irmãos espalhou-se por todos os povos vizinhos. 26A sua fama chegou aos ouvidos do rei, e em todas as nações se falava das batalhas de Judas.
Antíoco IV prepara novos combates – 27O rei Antíoco, ao ter notícia destes acontecimentos, encolerizou-se e reuniu todas as forças do reino, formando um exército poderosíssimo. 28Abriu os seus tesouros e deu ao exército o soldo de um ano, ordenando que estivessem prontos para qualquer eventualidade. 29Mas, ao ver que os seus tesouros tinham ficado vazios e que os tributos do país eram poucos, pelas dissensões e calamidades que ele provocara sobre a terra, suprimindo as leis em vigor desde tempos antigos, 30receou não poder mais gastar nem dar, como antes fazia, com liberalidade e munificência superior a todos os reis, seus predecessores.
31Profundamente consternado, resolveu ir à Pérsia cobrar os tributos dessas regiões e juntar muito dinheiro. 32Deixou Lísias, homem ilustre e de linhagem real, à frente dos negócios do reino, desde o Eufrates às fronteiras do Egipto, 33com o encargo de velar, até à sua volta, pelo seu filho Antíoco. 34Pôs à sua disposição metade do exército do reino e os elefantes e deu-lhe instruções sobre a execução dos seus planos, especialmente os referentes aos habitantes da Judeia e de Jerusalém.
35Devia enviar contra eles um exército, para destruir e aniquilar o poderio de Israel e os restos de Jerusalém, até apagar dali a sua memória,36e instalar os estrangeiros em todos os seus confins, distribuindo-lhes a terra, por sorteio. 37O rei levou consigo a outra metade do exército. Partiu de Antioquia, capital do seu reino, pelo ano cento e quarenta e sete, passou o Eufrates e atravessou as regiões montanhosas.
Górgias e Nicanor (2 Mac 8,8-15) – 38Lísias escolheu Ptolomeu, filho de Dorímenes, Nicanor e Górgias, valorosos generais e amigos do rei,39e enviou com eles quarenta mil infantes e sete mil cavaleiros, para invadir e devastar o país de Judá, conforme a ordem do rei. 40Puseram-se a caminho com todas as suas tropas e acamparam na planície perto de Emaús.
41Quando os mercadores da região ouviram a notícia da sua chegada, tomaram consigo muita prata, ouro e servos, e dirigiram-se ao acampamento, para comprar os filhos de Israel como escravos. Forças procedentes da Síria e de terras estrangeiras vieram juntar-se a eles. 42Judas e os seus irmãos viram que a situação era grave e que as forças inimigas acampavam dentro das suas fronteiras. Sabedores das ordens dadas pelo rei para destruir e exterminar o povo, 43disseram uns aos outros: «Reanimemos o nosso povo abatido e lutemos em defesa da nossa pátria e do nosso santuário.» 44Convocaram-nos, então, a todos, a fim de estarem prontos para a luta, rezar e implorar piedade e misericórdia de Deus.
Ajuntamento dos judeus em Mispá (2 Mac 8,1-23) – 46Os israelitas juntaram-se, pois, e dirigiram-se a Mispá, em frente de Jerusalém, porque ali, em Mispá, tiveram, outrora, um lugar de oração. 47Jejuaram naquele dia, vestiram-se de saco, cobriram a cabeça com cinza e rasgaram as vestes. 48Abriram o livro da Lei, para lerem nele as coisas acerca das quais os gentios costumavam consultar as imagens dos seus falsos deuses. 49Trouxeram as vestes sacerdotais, as primícias e os dízimos e fizeram vir os nazireus que tinham cumprido o tempo do seu voto. 50E, levantando o seu clamor até ao céu, disseram:
«Que havemos de fazer destas pessoas, e para onde as levaremos? 51O teu santuário está profanado e manchado, os teus sacerdotes estão de luto e humilhados. 52As nações coligaram-se para te aniquilar. Tu sabes o que elas tramam contra nós. 53Como resistir diante deles, se Tu, Senhor, não vieres em nosso auxílio?» 54Então eles tocaram as trombetas e fizeram grande alarido. 55Depois disto, Judas nomeou comandantes de mil, de cem, de cinquenta e de dez homens; 56e disse aos que construíram casas, aos que se tinham casado, aos que tinham plantado uma vinha e aos tímidos que voltassem cada um para a sua casa, conforme a prescrição da lei. 57Os israelitas levantaram, em seguida, os seus arraiais, e vieram acampar ao sul de Emaús.
58Judas disse-lhes: «Preparai-vos e portai-vos como valentes, prontos a lutar amanhã cedo contra estas nações, coligadas para nos arruinar e destruir o nosso santuário. 59É melhor, para nós, morrer no combate, do que ver o extermínio do nosso povo e do nosso santuário. 60Que se faça a vontade de Deus!»
Novas vitórias de Judas (2 Mac 8,23-29.34-36) – 1Górgias tomou consigo cinco mil homens e mil cavaleiros escolhidos, e partiu ao anoitecer, 2a fim de surpreender o exército dos judeus e atacá-lo de surpresa. Os homens da cidadela serviam-lhe de guia. 3Mas Judas soube-o e, com os seus destemidos companheiros, saiu para atacar as forças do rei que estavam em Emaús, 4enquanto o grosso do exército estava espalhado na planície. 5Górgias chegou à noite ao campo de Judas, mas não encontrou ninguém. Procurou-os, então, nas montanhas, dizendo: «Fugiram de nós.»
6Mas Judas apareceu na planície, logo ao raiar do dia, com três mil homens, que não tinham as espadas e os escudos que desejavam.7Viram o campo dos gentios forte, entrincheirado, cercado de cavalaria, formado por homens prontos para o combate. 8Judas disse aos que o acompanhavam: «Não temais o seu grande número, nem receeis o choque. 9Lembrai-vos como os nossos pais foram salvos no mar Vermelho, quando o faraó os perseguiu com o seu exército. 10Elevemos, agora, ao céu a nossa voz, na esperança de que Ele se compadeça de nós, se lembre da aliança com os nossos antepassados e esmague, hoje, este exército diante dos nossos olhos. 11Todas as nações saberão que Israel tem um libertador e um salvador.»
12Levantando os olhos, os gentios viram-nos avançar contra eles 13e saíram do campo para os combater. Os soldados de Judas tocaram as trombetas. 14Travou-se a batalha, mas os inimigos foram derrotados e fugiram através da planície. 15Todos os que se atrasaram, pereceram ao fio da espada. E os vencedores perseguiram-nos até Guézer e até às planícies da Idumeia, de Asdod e de Jâmnia. E sucumbiram cerca de três mil. 16Judas, regressando da perseguição, 17disse às suas tropas:
«Não vos apodereis dos despojos, porque nos espera outro combate. 18Górgias está perto de nós, na montanha, com as suas forças. Por agora, enfrentai o inimigo e combatei; depois, podereis apoderar-vos dos despojos, com segurança.»
19Com efeito, Judas ainda falava, quando apareceram alguns homens de Górgias, descendo da montanha. 20Ao verem que o exército tinha sido posto em fuga e o campo era pasto das chamas, porque o fumo que se via indicava bem o que acontecera, 21encheram-se de grande medo, que aumentou quando viram o exército de Judas na planície, pronto para o combate, 22e fugiram todos para a terra dos filisteus.
23Então, Judas voltou para recolher os despojos do campo e os seus homens apoderaram-se de muito ouro, prata, púrpura violeta e marinha e grandes riquezas. 24No regresso, cantavam hinos e elevavam ao céu os louvores ao Senhor: «Porque Ele é bom e o seu amor é eterno.» 25Israel salvou-se, naquele dia, com esta grande vitória. 26Os pagãos, que escaparam foram contar a Lísias os acontecimentos, 27o qual, ao ouvir as notícias, ficou consternado e abatido, porque Israel não fora tratado, segundo o que prometera e conforme o rei ordenara.
Primeira campanha de Lísias (2 Mac 11,1-12) – 28No ano seguinte, Lísias reuniu sessenta mil homens escolhidos e cinco mil cavaleiros, para combater os judeus. 29Este exército veio pela Idumeia, acampar em Bet-Sur. Judas marchou ao seu encontro, com dez mil homens. 30À vista de tão poderoso exército, orou, nestes termos: «Sê bendito, Salvador de Israel! Tu que quebraste o ímpeto do gigante pela mão do teu servo David, e entregaste o exército dos filisteus nas mãos de Jónatas, filho de Saul, e do seu escudeiro, 31entrega este exército nas mãos do teu povo de Israel e confunde os nossos inimigos com as suas tropas e a sua cavalaria. 32Infunde-lhes terror, abate-lhes a presunçosa confiança no seu poder e envergonha-os na sua derrota. 33Derrota-os com a espada dos que te amam e que todos aqueles que conhecem o teu nome cantem os teus louvores.»
34Travou-se o combate e, do exército de Lísias, tombaram cinco mil homens, que sucumbiram diante deles. 35Lísias, ao ver a fuga do seu exército e a audácia dos judeus dispostos a viver ou a morrer gloriosamente, voltou para Antioquia a fim de recrutar mais mercenários, com o propósito de reaparecer na Judeia com um exército mais forte.
Purificação do templo – 36Judas e os seus irmãos disseram então: «Os nossos inimigos estão aniquilados; subamos, pois, purifiquemos e restauremos o santuário.»
37Reunido todo o exército, subiram ao monte de Sião. 38Ao verem a desolação do santuário, o altar profanado, as portas queimadas, os átrios cheios de ervas, nascidas como num bosque ou nos montes, e os aposentos demolidos, 39rasgaram as vestes, lamentaram-se e deitaram cinza sobre a cabeça. 40Prostraram-se com o rosto por terra, tocaram as trombetas e clamaram ao céu. 41Então, Judas mandou um destacamento a combater os soldados da cidadela, enquanto purificavam o santuário. 42Depois, escolheu sacerdotes irrepreensíveis e zelosos pela lei, 43que purificaram o templo e transportaram para um lugar impuro as pedras contaminadas.
44Deliberaram entre si o que se deveria fazer do altar dos holocaustos, que fora profanado, 45e tomaram a boa resolução de o demolir, para que não recaísse sobre eles o opróbrio vindo da profanação dos gentios. Destruíram-no, portanto, 46e transportaram as pedras para um lugar conveniente sobre a montanha do templo, até que viesse algum profeta e decidisse o que se lhes devia fazer. 47E arranjaram as pedras intactas, segundo a lei, e construíram um novo altar, semelhante ao primeiro. 48Restauraram também o templo e o interior do templo e purificaram os átrios. 49Fizeram novos vasos sagrados e transportaram para o santuário o candelabro, o altar dos perfumes e a mesa. 50Queimaram incenso sobre o altar, acenderam as lâmpadas do candelabro, para iluminar o templo, 51colocaram pães sobre a mesa e suspenderam os véus, terminando completamente o trabalho empreendido.
52No dia vinte e cinco do nono mês, que é o mês de Quisleu, do ano cento e quarenta e oito, levantaram-se muito cedo 53e ofereceram um sacrifício, segundo a lei, sobre o novo altar dos holocaustos, que tinham levantado. 54Precisamente no mesmo dia e na mesma hora em que os gentios o tinham profanado, o altar foi de novo consagrado ao som de cânticos, harpas, liras e címbalos. 55Todo o povo se prostrou com o rosto por terra, para adorar e bendizer aquele que lhes deu tão feliz triunfo. 56Durante oito dias celebraram a dedicação do altar e, com alegria, ofereceram holocaustos e sacrifícios de comunhão e de acção de graças. 57Adornaram a fachada do templo com coroas de ouro e com pequenos escudos, consagraram as entradas do templo e as salas, nas quais colocaram portas.
58Foi grande a alegria do povo, e foi afastado o opróbrio infligido pelas nações. 59Judas e seus irmãos, assim como toda a assembleia de Israel, estabeleceram que os dias da dedicação do altar fossem celebrados, cada ano, na sua data própria, durante oito dias, a partir do dia vinte e cinco do mês de Quisleu, com alegria e regozijo. 60Nessa ocasião, cercaram a montanha de Sião com uma alta muralha e fortes torres, para que os gentios não viessem derrubá-las, como outrora tinham feito. 61Judas pôs ali tropas para a guardar e fortificou também Bet-Sur, a fim de que o povo tivesse uma fortaleza de protecção frente à Idumeia.
Judas faz guerra aos povos vizinhos – (2 Mac 10,14-33; 12, 10-31) 1Quando os povos circunvizinhos ouviram falar da reconstrução do altar e da restauração do templo, encolerizaram-se sobremaneira 2e decidiram exterminar toda a raça de Jacob que vivesse no meio deles, começando a matá-los e a persegui-los. 3Dado que eles perseguiam deste modo a Israel, Judas atacou os filhos de Esaú na Idumeia, junto de Acrabata, infligiu-lhes uma grande derrota, esmagou-os e apoderou-se dos seus despojos.
4Lembrou-se igualmente da maldade dos filhos de Bean, que eram uma armadilha e um perigo para o seu povo, por causa das emboscadas que armavam nos caminhos. 5Obrigou-os a refugiarem-se nas suas torres, sitiou-os, exterminou-os e incendiou as torres, que arderam com todos os que ali se encontravam.
6Dali, marchou contra os amonitas, onde deparou com um forte exército e numeroso povo, sob o comando de Timóteo. 7Travou com eles numerosos combates, até que os derrotou e destroçou totalmente. 8Apoderou-se da cidade de Jazer e das suas aldeias e regressou, depois, à Judeia.
Campanhas contra a Galileia e Guilead – 9As nações de Guilead coligaram-se contra os israelitas que habitavam o seu território, com o propósito de os exterminar; contudo, eles refugiaram-se no forte de Dátema. 10Enviaram a Judas e aos seus irmãos uma mensagem, nestes termos: «As nações que nos cercam uniram-se contra nós e querem exterminar-nos. 11Preparam-se para vir tomar a fortaleza em que nos achamos refugiados. Timóteo comanda as suas tropas. 12Vinde, pois, sem demora, livrar-nos das suas mãos, porque muitos dos nossos já caíram mortos. 13Mataram todos os irmãos que se achavam na região de Tob, levaram consigo as suas mulheres, os seus filhos e os seus bens, perecendo, ali, perto de mil homens.»
14Estavam ainda a fazer a leitura desta carta, quando chegaram outros da Galileia, com as vestes esfarrapadas e portadores de idênticas notícias, 15dizendo: «Coligaram-se contra nós as nações de Ptolemaida, de Sídon, de Tiro e de toda a Galileia, para nos aniquilar.»
16Logo que Judas e o povo ouviram semelhantes notícias, organizaram uma grande assembleia, para deliberar sobre o que se deveria fazer pelos irmãos atribulados e atacados por aquela gente. 17Judas disse ao seu irmão Simão: «Escolhe homens e vai livrar os teus irmãos da Galileia; Jónatas, meu irmão, e eu vamos à terra de Guilead.» 18Para guardar a Judeia deixou ali José, filho de Zacarias, e Azarias, chefe do povo, à frente do resto do exército, 19dando-lhes esta ordem: «Governai este povo mas, até à nossa volta, evitai toda a luta com os gentios.»
20Simão tomou três mil homens para se dirigir à Galileia, e Judas oito mil, para ocupar a terra de Guilead. 21Simão partiu para a Galileia e, depois de muitos combates com os gentios, derrotou-os 22e perseguiu-os até às portas de Ptolemaida. Caíram mortos cerca de três mil gentios e ele apoderou-se dos seus despojos. 23Com grande júbilo, conduziu à Judeia os judeus que se encontravam na Galileia e em Arbata, com as suas mulheres, os seus filhos e tudo quanto possuíam.
24Judas Macabeu e o seu irmão Jónatas atravessaram o Jordão e caminharam três dias pelo deserto. 25Encontraram os nabateus, que os receberam pacificamente e lhes contaram tudo o que acontecera aos seus irmãos, em Guilead, 26referindo que muitos deles tinham sido aprisionados em Bosra, em Bosor, em Alema, em Casfo, em Maqued e em Carnaim, todas elas cidades grandes e fortificadas. 27Estão também prisioneiros, acrescentaram eles, nas outras cidades de Guilead. Os inimigos preparam-se para atacar e tomar amanhã as suas fortalezas e exterminar, num só dia, todos os judeus. 28Imediatamente Judas mudou de caminho, com os seus homens atravessou o deserto, para chegar a Bosra de surpresa. Apoderou-se da cidade, mandou passar a fio de espada todos os homens, apoderou-se dos despojos e incendiou a cidade. 29Na mesma noite partiu e avançou para a fortaleza. 30Ao romper do dia, os seus homens, levantando os olhos, viram uma multidão incalculável com escadas e máquinas de guerra, dispostos para tomar a fortaleza. E combateram-nos. 31Judas percebeu que o ataque começava e ouviu que, da cidade, se erguia um grande clamor, ao som de trombetas, 32e disse aos seus homens: «Combatei pelos vossos irmãos.» 33Dividiu-os em três batalhões e apareceu na retaguarda do inimigo, tocando trombetas e clamando a Deus em oração.
34O exército de Timóteo, ao ver que era Macabeu, fugiu diante dele. Sofreu uma grande derrota e, naquele dia, tombaram oito mil homens.35Judas avançou, em seguida, contra Alema, atacou-a e tomou-a de assalto. Matou todos os homens, tomou os despojos e incendiou-a.36Partiu dali e apoderou-se de Casfo, de Maqued, de Bosor e de outras cidades de Guilead.
37Depois disto, Timóteo reuniu outro exército e acampou do outro lado da torrente, em frente de Rafon. 38Imediatamente Judas mandou explorar o acampamento, e vieram dizer-lhe: «Juntaram-se contra nós todas as nações circunvizinhas, que formam um poderoso exército. 39Além disso, tomaram a soldo mercenários árabes e acamparam do outro lado do rio, dispostos a atravessá-lo, para te atacar.» Judas marchou ao encontro deles.
40Timóteo dera estas instruções aos capitães do seu exército: «Se Judas atravessar primeiro a torrente, para vir contra nós, não lhe poderemos resistir, porque nos vencerá facilmente. 41Mas, se tiver medo de atravessar o rio e acampar do outro lado, nós atravessaremos, iremos contra ele e venceremos.» 42Ora, logo que chegaram à torrente, Judas dispôs ao longo do rio os escribas do povo, com a seguinte ordem: «Não deixeis que ninguém acampe aqui, mas deverão ir todos ao ataque.» 43Ele foi o primeiro a atravessá-lo, e seguiu-o todo o povo. Os gentios foram derrotados, arremessaram as armas e fugiram para o templo de Carnaim. 44Os homens de Judas, porém, apoderaram-se da cidade e incendiaram o templo, com todos os que ali se encontravam. Carnaim foi assolada e não pôde resistir a Judas.
45Este reuniu todos os israelitas judeus do país de Guilead, do maior ao mais pequeno, as mulheres, as crianças e os haveres, uma multidão inumerável, para os conduzir à terra de Judá. 46Caminharam até Efron, cidade grande e bem fortificada, que se achava no seu caminho. Não se podia contornar nem pela direita, nem pela esquerda, mas era preciso atravessá-la. 47Os habitantes entrincheiraram-se e taparam as portas com pedras. Judas enviou-lhes mensageiros com palavras de paz, dizendo-lhes: 48«Vamos atravessar a vossa terra, para irmos para a nossa, e ninguém vos fará mal; apenas passaremos a pé.» Mas eles não lhe quiseram abrir as portas. 49Então, Judas ordenou que cada um, no seu posto, se dispusesse para a luta. 50Todos os homens do exército tomaram posições e, durante todo o dia e toda a noite, atacaram a cidade, que caiu nas suas mãos. 51Passaram a fio de espada todos os homens, destruíram completamente a cidade, apoderaram-se dos despojos e atravessaram-na por cima dos cadáveres. 52Passado o Jordão, chegaram à grande planície em frente de Bet-Chan. 53Judas, na retaguarda, não cessava de juntar os retardatários e de encorajar a multidão, até chegarem à terra de Judá. 54Escalaram a montanha de Sião com alegria e regozijo e ofereceram holocaustos, por terem voltado a salvo, sem que houvesse perecido nenhum deles.
Combates na zona marítima (2 Mac 12,32-45) – 55Enquanto Judas e Jónatas estavam em Guilead, e o seu irmão Simão se encontrava na Galileia, em frente de Ptolemaida, 56José, filho de Zacarias, e Azarias, chefes das suas tropas, souberam dos seus feitos heróicos e das suas batalhas, 57e disseram: «Tornemos também nós célebre o nosso nome, combatendo contra as nações vizinhas.» 58Deram ordens às suas tropas para marcharem contra Jâmnia. 59Mas Górgias saiu da cidade com os seus homens, para se lhes opor. 60José e Azarias foram derrotados e perseguidos até às fronteiras da Judeia. Pereceram, naquele dia, cerca de dois mil homens do povo de Israel. 61O povo sofreu esta grande derrota por não ter obedecido a Judas e aos seus irmãos, julgando-se capazes de grandes façanhas. 62Mas eles não pertenciam à raça desses homens, a quem foi dado salvar Israel. 63Pelo contrário, o heróico Judas e os seus irmãos alcançaram grande glória diante de Israel e de todas as nações a cujos ouvidos chegava a sua fama. 64Todos os rodeavam no meio de aclamações. 65Logo a seguir, Judas e os seus irmãos partiram para combater os filhos de Esaú, que habitavam ao sul. Apoderou-se de Hebron e dos seus arrabaldes, destruiu as fortificações e queimou as suas torres e muralhas. 66Partiu dali e foi atacar o país dos filisteus e atravessou Marecha. 67Naquele dia, pereceram alguns sacerdotes que, para dar provas da sua valentia, saíram imprudentemente para a luta. 68Judas voltou-se contra Asdod, na terra dos filisteus, destruiu os altares, queimou os ídolos, saqueou as cidades, regressando com os despojos à terra de Judá.
Morte de Antíoco IV Epifânio (2 Mac 1,11-17; 9) – 1O rei Antíoco atravessava as províncias superiores, quando soube que, na Pérsia, em Elimaida, havia uma cidade famosa pelas suas riquezas em prata e ouro. 2O seu templo, extraordinariamente rico, possuía armaduras de ouro, couraças e armas, deixadas ali por Alexandre, filho de Filipe, rei da Macedónia, o primeiro que reinou sobre a Grécia. 3Dirigiu-se para esta cidade com o propósito de a tomar e saquear, mas não pôde, porque os habitantes estavam prevenidos. 4Resistiram-lhe com as armas, e viu-se obrigado a fugir e a regressar à Babilónia com grande humilhação. 5Na Pérsia, um mensageiro foi dizer-lhe que as tropas enviadas à Judeia tinham sido derrotadas, 6e que Lísias, partindo com um poderoso exército, fora vencido pelos judeus, que aumentaram o seu poderio com as armas, as munições e os despojos, tomados ao exército desbaratado. 7E que tinham destruído também a abominação edificada por ele sobre o altar, em Jerusalém, e tinham cercado o templo com altas muralhas como outrora, assim como a cidade de Bet-Sur.
8Ouvindo estas notícias, o rei ficou irado e profundamente perturbado. Caiu de cama, doente de tristeza, ao ver que os acontecimentos não tinham correspondido aos seus desejos. 9Passou assim muitos dias, porque a sua mágoa se renovava sem cessar, e julgou morrer. 10Mandou, então, chamar todos os seus amigos e disse-lhes: «O sono fugiu dos meus olhos e o meu coração desfalece de preocupação. 11E digo a mim mesmo: A que grande aflição fui reduzido e em que abismo de tristeza me encontro, eu, que antes vivia alegre e era amado quando era poderoso! 12Mas agora lembro-me dos males que causei a Jerusalém, de todos os objectos de ouro e prata que roubei, e de todos os habitantes da Judeia que exterminei sem motivo. 13Reconheço que foi por causa disto que me sobrevieram todos estes males, e, agora, morro de tristeza numa terra estrangeira.» 14Chamou Filipe, um dos seus amigos, e nomeou-o regente de todo o reino. 15Entregou-lhe o seu diadema, o manto e o anel, com a responsabilidade de guiar e educar o seu filho Antíoco, para a realeza.
16O rei Antíoco morreu ali, no ano cento e quarenta e nove. 17Lísias, ao ter conhecimento de que o rei morrera, entronizou no lugar do pai, o jovem Antíoco, a quem educara desde a infância, dando-lhe o cognome de Eupátor.
Judas cerca a cidadela de Jerusalém – 18Entretanto, os que ocupavam a cidadela importunavam os judeus que se dirigiam ao templo, e procuravam constantemente causar-lhes dano, para apoiar os gentios. 19Judas resolveu aniquilá-los e convocou todo o povo, para os sitiar.20Reuniram-se para começar o cerco, no ano cento e cinquenta, e construíram catapultas e outras máquinas de guerra. 21Mas alguns dos sitiados conseguiram romper o bloqueio. E tendo a eles aderido alguns israelitas apóstatas, 22dirigiram-se ao rei, para lhe dizer:
«Quando farás justiça e vingarás os nossos irmãos? 23Temos a certeza de termos servido bem o teu pai, obedecido às suas ordens e seguido as suas leis; 24por isso, os filhos do nosso povo cercaram-nos, mataram todos os nossos que lhes caíram nas mãos e confiscaram-lhes os bens; 25e não é somente contra nós que eles levantam a mão, mas também contra os povos vizinhos. 26Eis que agora sitiaram a cidadela de Jerusalém para se apoderarem dela e já fortificaram o templo, bem como Bet-Sur. 27Se não tomas a dianteira, farão ainda piores males e não os poderás dominar.»
Campanha de Antíoco V e de Lísias (2 Mac 13,1-17) – 28Ao ouvir estas palavras, o rei encolerizou-se e convocou todos os seus amigos, os generais do exército e os comandantes da cavalaria. 29Juntaram-se-lhe também mercenários de outros reinos e das ilhas do mar. 30Juntou um exército de cem mil infantes, vinte mil cavaleiros e trinta e dois elefantes adestrados para a guerra. 31Atravessaram a Idumeia e acamparam em frente de Bet-Sur, que atacaram por muito tempo; construíram máquinas, mas os sitiados saíram e incendiaram-nas, lutando com coragem.
32Judas levantou o cerco da cidadela e foi acampar em Bet-Zacarias, em frente do acampamento do rei. 33Ao amanhecer, o rei levantou-se e marchou apressadamente com as suas tropas em direcção a Bet-Zacarias; as forças prepararam-se para o combate e tocaram as trombetas.34Mostraram aos elefantes sumo de uva e de amoras, para os excitar ao combate. 35Distribuíram-nos pelas falanges, colocando atrás de cada elefante mil homens protegidos com cotas de malha e capacetes de bronze, e quinhentos cavaleiros escolhidos precediam cada animal,36acompanhando-o para onde quer que fosse, sem se afastarem dele. 37Sobre cada um, montaram torres de madeira, muito firmes, guarnecidas de máquinas, e em cada uma delas, quatro guerreiros valentes, que combatiam de cima das torres, assim como o seu indiano. 38O resto da cavalaria foi colocada à direita e à esquerda, nas duas alas do exército, para fustigar o inimigo e proteger as falanges.
39Quando o sol brilhou sobre os escudos de ouro e de bronze, a montanha resplandeceu, como que iluminada por chamas de fogo. 40Uma parte das tropas do rei espalhou-se sobre a colina e outra sobre a planície, caminhando com precaução e boa ordem. 41Os judeus ficaram espantados ao ouvirem o ruído de tal multidão, a sua marcha, a colisão das suas armas. Era, na verdade, um exército extremamente grande e poderoso.
42Judas, no entanto, avançou com os seus homens para travar batalha. Seiscentos homens do exército do rei foram aniquilados. 43Eleázar, filho de Avaran, percebeu que um dos elefantes estava armado com uma couraça real, o qual superava todos os outros, e julgou que sobre ele estaria o rei. 44Propôs-se, então, salvar todo o povo e celebrizar o seu nome. 45Precipitou-se, audazmente, nessa direcção, pelo meio da falange, matando à direita e à esquerda e separando o inimigo de um lado e do outro. 46Meteu-se debaixo do elefante, tomou posição e matou-o. O animal caiu por cima dele, e ali mesmo morreu. 47Vendo os de Judas o poder do exército real e a impetuosidade das suas tropas, retiraram-se.
Os sírios cercam o monte Sião – (2 Mac 13,18-23) – 48Os soldados do rei foram-lhes no encalço, entraram na Judeia e acamparam no monte Sião. 49O rei fizera a paz com os habitantes de Bet-Sur, os quais saíram da cidade, porque já não tinham víveres para continuar ali, pois era o ano sabático. 50Deste modo, o rei apoderou-se de Bet-Sur e pôs nela uma guarnição. 51Durante muitos dias cercou a cidade santa, construiu máquinas para lançar fogo e pedras, e escorpiões para lançar flechas e fundas.
52Por sua vez, os sitiados construíram também máquinas contra as máquinas dos inimigos, e combateram por muito tempo. 53Mas faltavam víveres nos celeiros, por ser o sétimo ano, e todos os que se tinham refugiado na Judeia, para fugir dos gentios, consumiram o resto da reserva. 54Restavam afinal poucos homens para a defesa do lugar santo, porque os soldados, famintos, dispersaram-se, indo cada um para a sua terra.
Antíoco V dá liberdade aos judeus (2 Mac 11,22-26; 13,23-26) – 55Lísias soube que Filipe, a quem o rei Antíoco, antes de morrer, designara para educar o seu filho Antíoco, preparando-o para o trono, 56chegara da Pérsia e da Média com o exército do rei e pretendia tomar conta do poder. 57E apressou-se a regressar, dizendo ao rei, aos oficiais e aos homens: «Vamo-nos enfraquecendo aqui, dia a dia, escasseiam as provisões e o lugar que sitiamos é forte, e nós devemos ocupar-nos com os negócios do reino. 58Estendamos a mão a esses homens e façamos paz com eles e com toda a sua raça. 59Deixemo-los viver como outrora, segundo as suas próprias leis, pois foi por causa destas leis, que nós abolimos, que eles se revoltaram e fizeram tudo isto.»
60Esta proposta foi bem acolhida pelo rei e pelos generais. E enviaram mensageiros de paz aos sitiados, que a aceitaram. 61O rei e os generais confirmaram-na com juramento e abandonaram a fortaleza. 62O rei subiu ao monte Sião e observou as fortificações que nele havia; mas faltou à palavra dada e ordenou a destruição da muralha em volta. 63Logo a seguir, partiu a toda a pressa para Antioquia, onde encontrou Filipe como senhor da cidade. Atacou-o e recuperou a cidade pela força.
Demétrio I torna-se rei (2 Mac 14,1-4) – 1No ano cento e cinquenta e um, Demétrio, filho de Seleuco, saiu de Roma e, com alguns companheiros, desembarcou numa cidade marítima, onde se proclamou rei. 2Ao entrar no palácio real dos seus pais, o exército apoderou-se de Antíoco e de Lísias, para lhos entregar. 3O rei soube-o e disse: «Não quero ver-lhes nem sequer a cara.» 4O exército matou-os e, deste modo, Demétrio sentou-se no seu trono real. 5Todos os traidores e os ímpios de Israel se juntaram a ele, chefiados por Alcimo, que pretendia o sumo sacerdócio.
6Acusaram o povo, nestes termos: «Judas e os seus irmãos mataram todos os teus amigos e expulsaram-nos do nosso próprio país. 7Rogamos-te que envies um homem da tua confiança, para que venha ver em que triste situação nos puseram, a nós e ao território do rei, a fim de os castigar a eles e a todos os seus partidários.»
Báquides e Alcimo na Judeia – 8O rei escolheu Báquides, um dos seus amigos, que governava a região do outro lado do rio, um dos grandes do reino e fiel ao rei. 9Enviou-o na companhia do ímpio Alcimo, a quem conferiu o cargo de Sumo Sacerdote, ordenando-lhe que tirasse vingança dos filhos de Israel. 10Partiram com um forte exército e tomaram o caminho do país de Judá, enviando a Judas e aos seus irmãos palavras enganadoras de paz. 11Mas eles não lhes deram ouvidos, ao verem que chegavam com numerosas tropas. 12Também um grupo de escribas foi ter com Alcimo e Báquides, pedindo justiça. 13E os hassideus, que eram os primeiros entre os filhos de Israel, pediam-lhes paz, 14porque diziam entre si: «É um sacerdote da raça de Aarão, que chegou com o exército; não nos fará mal.» 15Alcimo trocou com eles palavras de paz e jurou-lhes: «Não faremos mal, nem a vós, nem aos vossos amigos.» 16Acreditaram na sua palavra, mas ele prendeu sessenta deles e mandou-os matar, no mesmo dia, conforme está escrito: 17«Espalharam a carne e o sangue dos seus santos ao redor de Jerusalém, e não havia ninguém para os sepultar.»
18O espanto e o terror apoderou-se do povo, porque se dizia: «Não há entre eles verdade nem justiça, pois violaram o pacto e o juramento que fizeram.» 19Báquides afastou-se de Jerusalém e acampou em Bet-Zait, onde prendeu e lançou numa cisterna muitos desertores do seu exército e algumas pessoas do povo. 20Entregou a Alcimo o governo do país, deu-lhe tropas para o auxiliar e regressou para junto do rei.
21Entretanto Alcimo lutava para se impor como Sumo Sacerdote. 22Juntaram-se-lhe todos os perturbadores do povo, com os quais se apoderou do país de Judá, e causaram grandes danos a Israel.
23Judas, ao ver os males que Alcimo e os seus cúmplices faziam aos filhos de Israel, ainda piores que os praticados pelos gentios, 24percorreu toda a terra da Judeia até às fronteiras, e castigou os traidores, impedindo-os de andarem pelo país.
Vitória de Judas sobre Nicanor (2 Mac 14,5-36) – 25Alcimo, vendo que Judas e os seus eram mais fortes e que não podia opor-lhes resistência, regressou para junto do rei e acusou-os dos piores crimes. 26O rei enviou Nicanor, um dos seus generais mais ilustres, inimigo declarado de Israel, com a ordem de exterminar este povo.
27Nicanor partiu para Jerusalém com um numeroso exército e enviou emissários a Judas e aos seus irmãos, para os enganar com palavras de paz, dizendo-lhes: 28«Não haja guerra entre nós. Virei somente com um punhado de homens, para vos ver como amigo.» 29Com efeito, veio e saudaram-se amistosamente, mas os seus soldados estavam dispostos a prender Judas. 30Mas Judas, sabendo que vinham para o enganar, afastou-se de Nicanor e não o quis voltar a ver. 31Nicanor deu-se conta de que o seu projecto estava descoberto e saiu a combater contra Judas, perto de Cafarsalama. 32Cinco mil homens do exército de Nicanor foram mortos e o resto fugiu para a cidade de David.
Ameaças contra o templo – 33Depois do combate, Nicanor subiu ao monte de Sião, e os sacerdotes saíram do templo com anciãos do povo, para o saudar em espírito de paz e mostrar-lhe os holocaustos que se ofereciam pelo rei. 34Mas ele, troçando, escarneceu deles, desprezou-os, falou-lhes com desdém 35e, cheio de cólera, jurou: «Se Judas não me for entregue imediatamente com o seu exército, logo que estabelecer a paz, regressarei para queimar esta casa.» E partiu sobremaneira enfurecido. 36Então os sacerdotes entraram e, de pé, diante do altar e do templo, clamaram, dizendo:
37«Foste Tu que escolheste esta casa para que nela fosse invocado o teu santo nome e fosse casa de oração e de súplica para o teu povo.38Tira vingança deste homem e do seu exército e faz com que pereçam ao fio da espada. Lembra-te das suas blasfémias e não permitas que eles subsistam.»
Derrota e morte de Nicanor (2 Mac 15,1-36) – 39Nicanor saiu de Jerusalém e acampou em Bet-Horon, onde se lhe juntou um exército sírio.40Judas acampou em Adasa com três mil homens e começou a orar, nestes termos: 41«Senhor, quando os mensageiros do rei blasfemaram, o teu anjo apareceu e matou-lhes cento e oitenta e cinco mil homens. 42Do mesmo modo, extermina hoje este exército diante de nós, para que todos saibam que Nicanor insultou o teu templo, e julga-o segundo a sua perfídia.» 43Travou-se a batalha no dia treze do mês de Adar; o exército de Nicanor foi vencido e ele foi o primeiro a morrer na luta. 44As tropas de Nicanor, vendo que ele morrera, largaram as armas e fugiram. 45Os judeus perseguiram-nos durante todo o dia, desde Adasa até Guézer, tocando as trombetas para avisar os outros. 46Saíram, então, os habitantes de todas as aldeias da Judeia e dos arredores para cercarem os fugitivos e, lutando contra eles, passaram-nos a fio de espada sem escapar nenhum. 47Os judeus apoderaram-se dos seus despojos e haveres. Cortaram a cabeça de Nicanor e a mão direita, que ele orgulhosamente levantara, e suspenderam-nas à vista de Jerusalém. 48O povo alegrou-se muito e passaram aquele dia em grande regozijo.49Decretou-se que este dia fosse celebrado, cada ano, no dia treze do mês de Adar. 50Depois disto, o país de Judá esteve tranquilo durante algum tempo.
Elogio do Império Romano – 1Chegou aos ouvidos de Judas a fama dos romanos, que eram extremamente poderosos, mostravam-se benevolentes para com os seus aliados e ofereciam a sua amizade a todos os que a eles recorriam, porque na verdade, o seu poder era muito grande.
2Falaram-lhe também das suas guerras, das suas façanhas na Galácia, que eles venceram e subjugaram, 3e de tudo o que fizeram na Espanha, onde se apoderaram das minas de prata e de ouro que ali havia, conquistando todo aquele país com a sua sabedoria e constância,4apesar de estar muito afastado deles.
Contaram-lhe a forma como derrotaram os reis que, dos confins da terra, avançaram contra eles, aniquilando-os totalmente, enquanto os restantes lhes pagavam tributo anual. 5Filipe e Perseu, reis da Macedónia, e outros levantaram-se contra eles, mas foram igualmente derrotados e subjugados. 6Antíoco, o Grande, rei da Ásia, que lhes moveu guerra e tinha cento e vinte elefantes, cavalaria, carros e um numeroso exército, foi também vencido por eles. 7Apanharam-no vivo e impuseram-lhe, a ele e aos seus sucessores, um grande tributo, a entrega de reféns e a cedência dos territórios: 8a Índia, a Média, a Lídia e as suas melhores regiões, que eles cederam ao rei Eumenes. 9Os gregos quiseram avançar contra eles, para os exterminarem; 10mas os romanos souberam-no e enviaram um general que os atacou e matou um grande número, levou para o cativeiro as suas mulheres e os seus filhos, saqueou todo o país e apoderou-se dele, destruiu as praças fortes e reduziu aquelas gentes à servidão, que dura até ao dia de hoje. 11Arruinaram igualmente e subjugaram ao seu domínio os outros reinos e ilhas que lhes resistiram. 12Mas conservaram a sua fidelidade aos seus amigos e aliados, estenderam o seu poder sobre os reinos vizinhos ou distantes e, todos os que ouviam pronunciar o seu nome, temiam-nos. 13Aqueles a quem eles queriam auxiliar e ver reinar, reinavam, mas destituíam aqueles que não queriam. Deste modo, tornaram-se muito poderosos.
14Apesar de tudo isto, nenhum deles trazia diadema, nem se vestia de púrpura para se engrandecer. 15Constituíram um Conselho Supremo onde, cada dia, trezentos e vinte senadores discutiam os assuntos do povo, para bem o governar. 16Cada ano, confiavam a autoridade suprema a um só homem, que dominava em todo o território e todos obedeciam a este homem único, sem que houvesse, entre eles, inveja nem ciúme.
Aliança dos judeus com Roma – 17Judas escolheu Eupólemo, filho de João, filho de Hacós, e Jasão, filho de Eleázar, e enviou-os a Roma, para estabelecer amizade e aliança com os romanos, 18pedindo-lhes que os libertassem do jugo dos gregos, pois viam que o desígnio destes era submeter e reduzir Israel à servidão.
19Chegaram a Roma, depois de longa viagem, entraram no Senado e disseram: 20«Judas Macabeu, os seus irmãos e todo o povo de Israel enviaram-nos para fazer convosco aliança e paz, e pedir que nos conteis entre os vossos amigos e aliados.»
21Esta linguagem agradou aos romanos. 22Eis a cópia da carta que os romanos mandaram gravar sobre tabuletas de bronze e enviaram a Jerusalém, para ali ficar como memorial da paz e da amizade, da sua parte: 23«Felicidade para sempre aos romanos e ao povo judeu, por terra e por mar, e que a espada e o inimigo estejam sempre longe deles. 24Se sobrevier uma guerra contra os romanos ou contra um dos seus aliados em todos os seus domínios, 25o povo judeu prestar-lhes-á auxílio, conforme permitirem as circunstâncias, com plena lealdade. 26Não fornecerão aos adversários nem trigo, nem armas, nem dinheiro, nem navios, segundo a vontade dos romanos. Os judeus observarão estes contratos sem receber nada. 27Por outro lado, se o povo judeu for atacado, os romanos ajudá-lo-ão lealmente, conforme as circunstâncias o indicarem. 28E não fornecerão aos inimigos nem trigo, nem armas, nem dinheiro, nem navios, conforme a vontade de Roma. Estes contratos serão observados com lealdade. 29Este é o pacto que fazem os romanos com os judeus. 30Se, depois deste acordo, uns ou outros quiserem juntar ou subtrair alguma cláusula, farão uma proposta e o que for acrescentado ou tirado será ratificado.
31Pelo que toca aos danos causados aos judeus pelo rei Demétrio, já lhe escrevemos dizendo: ‘Porque impuseste tão pesado jugo sobre os judeus, nossos amigos e aliados? 32Se eles se nos queixarem outra vez de ti, far-lhes-emos justiça e combater-te-emos, por terra e por mar’.»
Morte de Judas Macabeu – 1Logo que Demétrio soube do fim de Nicanor e do aniquilamento do seu exército, resolveu enviar, pela segunda vez, Báquides e Alcimo à terra de Judá, à frente das suas melhores tropas. 2Dirigiram-se pelo caminho de Guilgal, acamparam em frente de Mesalot, no distrito de Arbela, apoderaram-se da cidade e mataram um grande número de habitantes. 3No primeiro mês do ano cento e cinquenta e dois, cercaram Jerusalém 4mas, depois, afastaram-se e foram para Bereia com cento e vinte mil homens e dois mil cavaleiros. 5Judas estava acampado em Elassá, com três mil homens escolhidos, 6os quais, ao verem o número considerável dos adversários, ficaram cheios de temor. Muitos fugiram do campo e não ficaram mais do que oitocentos homens. 7Judas, vendo a dispersão do exército e a iminência do combate, sentiu o coração angustiado, porque já não tinha tempo de reunir os fugitivos. 8Consternado, disse aos que ficaram: «Vamos atacar os inimigos e vejamos se os poderemos vencer!» 9Mas eles dissuadiram-no disso, dizendo: «Não poderemos. Salvemos agora as nossas vidas e voltaremos depois, com os nossos irmãos, para travar a batalha, pois neste momento somos muito poucos.» 10Mas Judas respondeu-lhes: «Deus me livre de proceder deste modo e de fugir diante deles. Se chegou a nossa hora, morramos corajosamente pelos nossos irmãos, mas não manchemos a nossa honra.»
11O exército do inimigo saiu do campo e tomou posição diante deles; a cavalaria dividiu-se em dois esquadrões, os fundibulários e os frecheiros colocaram-se à frente e todos os homens valentes se postaram na primeira fila. Báquides estava na ala direita 12e, ao som das trombetas, a falange avançou dos dois lados. Os soldados de Judas tocaram também as trombetas 13e a terra foi abalada pelo tumulto das armas. O combate foi encarniçado e a luta durou desde a manhã até à tarde. 14Judas viu que Báquides se encontrava à direita com o núcleo mais forte do seu exército e cercado dos mais corajosos. 15Derrotou a ala direita e perseguiu-a até aos montes de Asdod. 16Mas a ala esquerda, vendo a direita derrotada, lançou-se na perseguição de Judas e dos seus soldados pela retaguarda. 17O combate foi ainda mais encarniçado e, tanto de um lado como do outro, caíram muitos feridos.
18O próprio Judas caiu morto e todos os outros fugiram. 19Jónatas e Simão levaram Judas, seu irmão, e enterraram-no no sepulcro dos seus pais, em Modin. 20Todo o povo de Israel manifestou grande desolação, chorou-o e guardou luto durante vários dias, dizendo: 21«Como sucumbiu o valente salvador de Israel!»
22As restantes façanhas de Judas, os seus combates, os seus feitos heróicos e façanhas não se escreveram, por ser excessivamente grande o seu número.
Jónatas sucede a Judas – 23Depois da morte de Judas, os apóstatas reapareceram em todo o território de Israel, e todos os que praticavam a iniquidade levantaram a cabeça. 24Naqueles dias, grassou uma grande fome e todo o país se passou para o inimigo. 25Báquides escolheu homens ímpios para os colocar nos postos de comando. 26Estes procuravam com empenho os amigos de Judas e levaram-nos a Báquides, que se vingava deles e os insultava. 27A tribulação que caiu sobre Israel foi tal, que não houve outra semelhante desde o dia em que desapareceram os seus profetas. 28Reuniram-se todos os amigos de Judas e disseram a Jónatas:
29«Depois da morte de Judas, teu irmão, não apareceu ninguém como ele, para se opor aos nossos inimigos, a Báquides e aos que odeiam a nossa raça. 30Por isso, escolhemos-te, hoje, como chefe, para nos conduzires ao combate.»
Jónatas e os árabes – 31Jónatas aceitou o mando e tomou o lugar do seu irmão Judas. 32Báquides teve conhecimento disso e procurou matá-lo. 33Mas, advertidos, Jónatas, seu irmão Simão e todos os seus companheiros fugiram para o deserto de Técua, onde acamparam, junto às águas da cisterna de Asfar. 34Báquides soube-o e, no dia de sábado, atravessou o Jordão com todo o seu exército. 35Então, Jónatas enviou o seu irmão, chefe do povo, aos nabateus, seus amigos, e pediu-lhes que deixassem depositar ali as suas bagagens, que eram numerosas. 36Mas os filhos de Jambri, que eram de Madabá, saíram e apoderaram-se de João e de tudo o que tinha e levaram-no.
37Depois disto, disseram a Jónatas e ao seu irmão Simão que os filhos de Jambri celebravam um casamento solene e traziam de Nadabat, com grande pompa, a jovem esposa, filha de um dos maiores príncipes de Canaã. 38Lembraram-se do sangue do seu irmão João e retiraram-se para a montanha, onde se ocultaram. 39Levantando os olhos viram uma multidão de gente, com magnífico aparato. E o noivo com os seus amigos e irmãos, saía ao encontro daquela multidão, com tambores, instrumentos de música e muitos escudos.
40Os companheiros de Jónatas saíram, então, do esconderijo e atacaram-nos. Mataram e feriram muitos, e os restantes fugiram para a montanha, enquanto os vencedores se apoderavam dos despojos. 41Deste modo, a boda transformou-se em luto e os sons da música, em lamentações. 42Os judeus vingaram-se do sangue do seu irmão e regressaram à margem pantanosa do Jordão.
Báquides faz fortificações. Morte de Alcimo – 43Báquides teve notícia disto e, num dia de sábado, avançou com um poderoso exército até às margens do Jordão. 44Jónatas disse, então, aos seus companheiros: «Vamos, lutemos pela nossa vida, porque hoje não é como das outras vezes. 45Eis o combate diante e atrás de nós; de um lado o rio Jordão e de outro o pântano e o bosque, sem que nos reste por onde escapar. 46Clamai, pois, ao Céu, para que nos livre dos nossos inimigos.» 47Travou-se o combate. Jónatas levantou a mão para ferir Báquides, mas este afastou-se e evitou-o. 48Então, Jónatas e os seus companheiros atiraram-se ao Jordão e passaram a nado para a outra margem; mas os inimigos não atravessaram o Jordão para os perseguirem.
49Naquele dia pereceram cerca de mil homens do exército de Báquides. Este voltou para Jerusalém 50e construiu cidades fortificadas na Judeia: as fortalezas de Jericó, Emaús, Bet-Horon, Betel, Timna, Piraton e de Tefon com muros altos, portas e trancas. 51E colocou nelas guarnições, para fazer guerra a Israel. 52Fortificou igualmente Bet-Sur, Guézer e a cidadela, onde deixou tropas e depósitos de víveres.53Tomou como reféns os filhos das famílias mais importantes do país, e encerrou-os na cidadela de Jerusalém. 54No segundo mês, do ano cento e cinquenta e três, Alcimo ordenou a demolição do muro do pátio interior do templo, destruindo a obra dos profetas. 55Mas sobreveio-lhe um ataque de apoplexia e o seu plano foi suspenso. Ficou com a boca fechada e paralisada, de modo que nunca mais pôde dizer uma palavra, nem dar ordens relativas à sua casa. 56Alcimo morreu pouco depois, atormentado por grandes dores.
57Logo que Báquides viu a morte de Alcimo, retirou-se para junto do rei, e a terra de Judá permaneceu em paz durante dois anos.
Báquides derrotado por Jónatas – 58Todos os apóstatas conspiraram, dizendo: «Jónatas e os seus vivem em paz e confiantes; aproveitemos, pois, para chamar Báquides, que os exterminará numa só noite.» 59Foram, com efeito, avistar-se com Báquides e expuseram-lhe este plano. 60Ele pôs-se logo a caminho com um grande exército. Secretamente, enviou mensageiros aos judeus, seus partidários, para que prendessem Jónatas e os seus companheiros; mas não puderam fazer nada, porque o seu plano foi descoberto. 61Como castigo, cinquenta dos principais chefes desta conjuração foram presos e mortos. 62A seguir, Jónatas fugiu com Simão e os seus partidários para Bet-Basi, no deserto; ergueram as ruínas e fortificaram-na. 63Logo que foi informado, Báquides reuniu todo o seu exército e avisou os seus amigos da Judeia. 64Veio acampar em frente de Bet-Basi, que sitiou por muito tempo com máquinas de guerra.
65Jónatas deixou na cidade o seu irmão Simão e saiu para o campo com um pequeno número de homens. 66Matou Odomera e os irmãos dele, na sua própria tenda, bem como os filhos de Fasiron; e, à medida que ia lutando, ia crescendo em força.
67Por seu lado, Simão e os seus homens saíram da cidade, incendiaram as máquinas de guerra, 68atacaram Báquides e derrotaram-no, causando-lhe grande pesar, por ver frustrados os seus desígnios e tentativas. 69Por isso, enfureceu-se contra os maus judeus que o tinham aconselhado a vir à sua terra; mandou matar muitos deles e decidiu voltar ao seu país.
70Sabendo isso, Jónatas enviou-lhe mensageiros para lhe propor a paz e a entrega dos prisioneiros. 71Ele recebeu-os, aceitou a proposta e jurou nunca mais lhes fazer mal em todos os dias da sua vida. 72Restituiu os prisioneiros que fizera anteriormente na Judeia, regressou ao seu país e não quis mais voltar à terra dos judeus. 73A guerra cessou em Israel, e Jónatas fixou residência em Micmás, onde começou a governar o povo e a exterminar os ímpios de Israel.
Prestígio de Jónatas – 1No ano cento e sessenta, Alexandre dito Epifânio, filho de Antíoco, embarcou e veio tomar posse de Ptolemaida, onde foi bem acolhido e proclamado rei. 2Assim que o soube, o rei Demétrio reuniu um numeroso exército e marchou contra ele. 3Enviou a Jónatas uma carta cheia de palavras de paz, para o lisonjear, 4porque dizia: «Apresso-me a fazer a paz com eles, antes que ele a faça com Alexandre contra nós, 5porque certamente ainda se lembra do mal que fizemos a ele, aos seus irmãos e ao seu povo.» 6Concedeu-lhe liberdade para alistar tropas e fabricar armas, declarou-se seu aliado e mandou-lhe entregar também os reféns aprisionados na cidadela.
7Jónatas veio, então, a Jerusalém e leu a mensagem diante de todo o povo e diante dos guardas que ocupavam a cidadela. 8Estes ficaram possuídos de grande medo, ao saberem que o rei lhe dera faculdade para organizar um exército. 9Os guardas entregaram-lhe os reféns e ele entregou-os aos seus pais.
10Jónatas fixou residência em Jerusalém e começou a edificar e a restaurar a cidade. 11Ordenou aos que executavam os trabalhos que construíssem, ao redor do monte Sião, um muro de pedras de cantaria para o fortificar; e tudo isto se fez. 12Os estrangeiros que estavam nas fortalezas edificadas por Báquides fugiram, 13cada um abandonou o seu posto, para se refugiar no seu país. 14Só ficaram em Bet-Sur alguns dos que abandonaram a lei e os mandamentos, porque lhes servia de refúgio.
15Entretanto, o rei Alexandre teve conhecimento da carta que Demétrio enviara a Jónatas, e foram-lhe relatadas as batalhas e feitos gloriosos dele e dos seus irmãos, e também os trabalhos que tinham suportado. 16E disse:
«Poderemos encontrar outro homem semelhante a este? Façamo-lo imediatamente nosso amigo e aliado.» 17E escreveu-lhe uma carta do seguinte teor: 18«O rei Alexandre ao nosso irmão Jónatas, saúde! 19Ouvimos dizer de ti que és um homem de valor e digno da nossa amizade.20Por isso, nomeamos-te, desde agora, Sumo Sacerdote do teu povo, outorgamos-te o título de amigo do rei – mandou-lhe uma túnica de púrpura e uma coroa de ouro – e pedimos-te que zeles pelos nossos interesses e conserves a nossa amizade.»
21No sétimo mês, do ano cento e sessenta, pela festa das Tendas, Jónatas revestiu a túnica sagrada; organizou um exército e juntou armas em grande quantidade. 22Demétrio, informado de tudo isto, inquietou-se e disse: 23«Como deixámos que Alexandre nos precedesse a fazer amizade com os judeus, a fim de conseguir o seu apoio? 24Também eu lhes enviarei belas palavras, títulos e presentes, para que se unam comigo e venham em meu auxílio.»
Carta de Demétrio – 25Demétrio enviou-lhes uma mensagem nestes termos: «O rei Demétrio ao povo dos judeus, saúde! 26Soubemos, com muito prazer, que observastes os nossos acordos, permanecestes fiéis à nossa amizade e não fizestes convenções com os nossos inimigos.27Continuai, pois, a guardar a mesma fidelidade, e recompensar-vos-emos de tudo o que fizestes por nós: 28Perdoar-vos-emos muitos impostos e cumular-vos-emos de presentes. 29Desde agora vos dispenso, e declaro todos os judeus isentos dos impostos, da taxa do sal e direitos da coroa. 30Um terço dos produtos do solo e metade dos frutos das árvores, que me pertencem, renuncio, a partir deste dia, a cobrá-los na terra de Judá e nos três distritos da Samaria e da Galileia, que lhe estão anexos; e isto desde agora e para sempre. 31Jerusalém será cidade santa e, com o seu território, será isenta dos dízimos e dos impostos. 32Renuncio também ao poder sobre a cidadela de Jerusalém e entrego-a ao Sumo Sacerdote, para que coloque ali os homens que quiser, para a guardar. 33Concedo, gratuitamente, a liberdade a todo o cidadão judeu levado cativo das terras de Judá para qualquer parte do meu reino e isento-os a todos dos impostos, mesmo sobre os seus rebanhos.
34Todas as festas, os sábados, as festas da Lua-nova, as festas prescritas, os três dias anteriores às solenidades e os três dias seguintes serão dias de imunidade e de isenção para todos os judeus que se encontram no meu reino. 35Ninguém poderá perseguir nem molestar quem quer que seja, por motivo nenhum. 36Serão alistados no exército do rei até trinta mil judeus, aos quais será dado o mesmo pagamento que às tropas reais. 37Colocar-se-ão alguns deles nas grandes fortalezas do rei e outros nos postos de confiança do reino. Os seus chefes e os seus oficiais serão escolhidos entre eles, e viverão segundo as suas próprias leis, conforme dispõe o rei para a Judeia. 38Os três distritos da Samaria, que foram anexados à Judeia, ser-lhe-ão incorporados, de maneira que formem uma só circunscrição e dependam duma só autoridade, que é a do Sumo Sacerdote. 39Faço de Ptolemaida e do seu território doação ao templo de Jerusalém, para prover aos gastos do santuário.
40Darei também, cada ano, quinze mil siclos de prata das rendas do rei, provenientes dos seus domínios. 41Todo o dinheiro que os administradores de negócios não tiverem pago nos anos precedentes será entregue, desde agora, para as obras do templo. 42Além disso, será feita a entrega dos cinquenta mil siclos de prata, cobrados cada ano das rendas do santuário, porque esta soma pertence aos sacerdotes que exercem as funções litúrgicas. 43Todo aquele que se refugiar no templo de Jerusalém ou nos seus arredores, por motivo de dívida ao fisco ou por qualquer outra coisa, será perdoado e gozará de todos os bens que possui no meu reino.
44As despesas para os trabalhos da construção e da restauração do templo serão postas na conta do rei. 45As despesas para a construção dos muros de Jerusalém e as fortificações à sua volta ficarão a cargo das rendas do rei, bem como os encargos com a construção das outras fortificações, na Judeia.»
Morte de Demétrio I – 46Quando Jónatas e o povo ouviram estas propostas não acreditaram nelas nem as quiseram aceitar, porque recordavam os grandes males que Demétrio fizera a Israel e do modo como os oprimira. 47Decidiram-se, então, a favor de Alexandre, que fora o primeiro a falar-lhes de paz, e foram constantemente seus aliados. 48Alexandre reuniu um grande exército e marchou contra as tropas de Demétrio. 49Os dois reis travaram combate, mas os exércitos de Demétrio fugiram. Alexandre perseguiu-o e saiu vencedor. 50Combateu com ardor até ao pôr-do-sol e Demétrio morreu naquele dia.
Alexandre Balas faz aliança com Ptolomeu VI e com Jónatas – 51Então, Alexandre enviou embaixadores a Ptolomeu, rei do Egipto, dizendo-lhe: 52«Eis-me de volta ao meu reino e sentado no trono dos meus pais; recobrei o poder, derrotei Demétrio e entrei na posse do meu país. 53Travada a batalha, venci-o a ele e ao seu exército e sentei-me no trono do seu reino. 54Façamos, agora, aliança: dá-me a tua filha por esposa e serei teu genro, e cumular-vos-ei, a ti e a ela, com presentes dignos de vós.»
55O rei Ptolomeu respondeu: «Ditoso o dia em que entraste na terra dos teus pais e te sentaste no trono do seu reino! 56Dar-te-ei o que me pedes. Mas vem ter comigo a Ptolemaida, para que nos vejamos, e farei de ti o meu genro, como desejas.»
57Ptolomeu saiu do Egipto com a sua filha Cleópatra e foi a Ptolemaida, no ano cento e sessenta e dois. 58Deu-a em casamento a Alexandre, que veio ao seu encontro e celebrou as bodas com real magnificência. 59O rei Alexandre escreveu também a Jónatas, para que viesse ao seu encontro. 60Este dirigiu-se a Ptolemaida, com grande pompa, onde encontrou os dois reis. Ofereceu-lhes prata, ouro e numerosos presentes, bem como aos seus cortesãos, e conquistou a sua total confiança. 61Alguns homens perversos de Israel conjuraram-se para o acusar, mas o rei não lhes deu atenção. 62Pelo contrário, ordenou que trocassem as vestes a Jónatas e o vestissem de púrpura, e assim se fez. 63O rei sentou-o ao seu lado e disse aos grandes da corte: «Conduzi-o pelo meio da cidade, e proclamai que ninguém o acuse sobre nenhum pretexto, nem o moleste, seja por que assunto for.» 64Quando os seus acusadores o viram assim, cheio de glória e revestido de púrpura como fora proclamado, fugiram todos. 65O rei honrou-o e inscreveu-o no número dos seus primeiros amigos e deu-lhe o título de chefe do exército e de governador. 66Depois disto, Jónatas regressou a Jerusalém, em paz e cheio de alegria.
Jónatas vence Apolónio – 67No ano cento e sessenta e cinco, Demétrio, filho de Demétrio, veio de Creta à terra dos seus pais. 68Quando o soube, Alexandre partiu muito contrariado para Antioquia. 69Demétrio nomeou Apolónio governador da Celessíria. Este reuniu um poderoso exército e veio acampar em Jâmnia, donde enviou ao Sumo Sacerdote Jónatas esta mensagem: 70Tu és o único que nos resistes e, por tua causa, tornei-me objecto de zombaria e de opróbrio. Porque presumes da tua força nas montanhas contra nós? 71Se ainda tens confiança nas tuas tropas, desce à planície a medir forças, pois tenho comigo os melhores guerreiros. 72Informa-te e saberás quem sou e quais são os meus aliados. Estes também dizem que não vos podereis aguentar na nossa presença, porque já duas vezes os teus pais foram postos em fuga na sua própria terra. 73Hoje não poderás resistir à minha cavalaria nem ao meu exército, nesta planície, onde não há pedra, nem rochedo, nem esconderijo algum para onde fugir.»
74Ao ouvir estas palavras de Apolónio, Jónatas indignou-se, tomou consigo dez mil homens e saiu de Jerusalém, levando consigo o seu irmão Simão como reforço. 75Acampou em frente de Jope, que lhe fechou as portas, porque havia nela uma guarnição de Apolónio. Atacou-a, 76e os habitantes, atemorizados, abriram-lhe as portas e Jónatas conquistou Jope. 77Assim que Apolónio teve notícia deste acontecimento, pôs-se em marcha com três mil cavaleiros e um poderoso exército 78e dirigiu-se para Asdod. Fingiu atravessá-la mas, de repente, voltou para a planície, muito confiado na sua numerosa cavalaria. Jónatas seguiu-o para Asdod, e ali se travou a luta. 79Apolónio deixara escondidos mil cavaleiros, para apanhar os judeus de emboscada. 80Mas Jónatas foi informado da emboscada que lhe tinham armado na retaguarda. Os inimigos cercavam o seu campo e, desde a manhã até ao pôr-do-sol, atacaram os seus homens. 81O povo permanecia firme nas suas fileiras, como Jónatas tinha ordenado, até que os cavaleiros do inimigo se fatigaram. 82Então, Simão avançou com o seu exército e atacou a falange e, como a cavalaria já estava enfraquecida, derrotou-a e pô-la em fuga. 83Os cavaleiros dispersaram-se pela planície e os fugitivos alcançaram Asdod, onde se refugiaram no templo de Dagon, seu ídolo, para se poderem salvar. 84Jónatas incendiou Asdod e todas as aldeias circunvizinhas, depois de as ter saqueado. Queimou também o templo de Dagon com todos os que nele se refugiaram. 85O número dos que pereceram pela espada e pelo fogo foi de cerca de oito mil.
86Jónatas levantou o acampamento e aproximou-se de Ascalon, cujos habitantes saíram a recebê-lo com grandes honras. 87E, depois, regressou a Jerusalém com os companheiros carregados de despojos. 88Quando o rei Alexandre soube desses acontecimentos, concedeu ainda mais honras a Jónatas. 89Mandou-lhe uma fivela de ouro, como era costume dar aos parentes dos reis, e entregou-lhe o domínio de Ecron e de todo o seu território.
Traição de Ptolomeu VI contra Alexandre – 1O rei do Egipto reuniu um exército tão numeroso como as areias das praias do mar e uma frota considerável, com o astuto propósito de se apoderar do reino de Alexandre, a fim de o anexar ao seu. 2Chegou à Síria com palavras de paz, e os habitantes das cidades abriram-lhe as portas e saíram ao seu encontro, conforme o rei Alexandre ordenara, já que era seu sogro.
3Mas Ptolomeu, logo que entrava numa cidade, punha nela uma guarnição militar. 4Ao entrar em Asdod, mostraram-lhe o templo de Dagon destruído pelo fogo, Asdod e os seus arrabaldes em ruínas, os cadáveres estendidos por terra e, ao lado dos caminhos, os montões daqueles que tinham sido mortos na batalha. 5Contaram ao rei tudo o que fizera Jónatas, com o fim de o tornar odioso ao rei; mas o rei guardou silêncio.
6Jónatas veio a Jope, ao encontro do rei, com grande pompa, saudaram-se mutuamente e passaram ali a noite. 7Depois, Jónatas acompanhou o rei até ao rio, chamado Eleutero, e voltou a Jerusalém. 8O rei Ptolomeu estabeleceu assim o seu poderio sobre todas as cidades da costa até à cidade marítima de Selêucia, forjando maus planos contra Alexandre.
9Enviou embaixadores a Demétrio, dizendo-lhe: «Vem, façamos juntos uma aliança e dar-te-ei a minha filha, mulher de Alexandre, e reinarás sobre o reino do teu pai. 10Lamento, de facto, ter-lhe dado a minha filha, porque ele procurou assassinar-me.» 11Acusava-o desta forma, porque cobiçava o seu reino. 12Por fim, tirou-lhe a filha, e deu-a a Demétrio, afastando-se dele e manifestando assim, publicamente, a sua inimizade.
13Ptolomeu entrou em Antioquia e cingiu o diadema da Ásia; ficou assim com um duplo diadema: o do Egipto e o da Ásia. 14Por aqueles dias, o rei Alexandre encontrava-se na Cilícia, pois os habitantes daquela região tinham-se revoltado. 15Mas, avisado, veio para travar combate com Ptolomeu. Este saiu-lhe ao encontro com o seu exército, avançou com forças imponentes e derrotou-o. 16Enquanto o rei Ptolomeu triunfava, Alexandre chegou à Arábia para ali procurar refúgio, 17mas o árabe Zabdiel mandou cortar-lhe a cabeça e enviou-a a Ptolomeu. 18Dali a três dias morreu também Ptolomeu, e as guarnições que pusera nas fortalezas foram massacradas pelos habitantes das cidades vizinhas.19Demétrio começou a reinar no ano cento e sessenta e sete.
Continuação do prestígio de Jónatas – 20Por aqueles dias, Jónatas convocou os homens da Judeia para se apoderarem da cidadela de Jerusalém; com esse fim construiu numerosas máquinas de guerra. 21Imediatamente, alguns ímpios, inimigos do próprio povo, dirigiram-se ao rei Demétrio e contaram-lhe que Jónatas sitiava a cidadela. 22Irritado com esta notícia, pôs-se logo a caminho e alcançou Ptolemaida. De lá escreveu a Jónatas que não atacasse a cidadela e que viesse o mais depressa possível a Ptolemaida para conferenciar com ele. 23Mas Jónatas, logo que recebeu a mensagem, ordenou que se continuasse o cerco e, escolhendo alguns dos anciãos de Israel e sacerdotes, expôs-se ao perigo. 24Levou consigo ouro, prata, vestes e outros presentes, foi a Ptolemaida ter com o rei e encontrou benevolência da parte dele. 25Com efeito, apesar de alguns renegados da sua nação o combaterem, 26o rei tratou-o como os seus predecessores e enalteceu-o à vista dos seus cortesãos. 27Confirmou-o no sumo sacerdócio e em todos os títulos que possuía anteriormente e considerou-o como o primeiro dos seus amigos. 28Jónatas pediu ao rei que lhe concedesse imunidade de impostos na Judeia e nos três distritos da Samaria, prometendo-lhe, em troca, trezentos talentos. 29Assentiu o rei e escreveu a Jónatas sobre este assunto uma carta, do seguinte teor:
30«O rei Demétrio ao seu irmão Jónatas e ao povo judeu, saúde! 31Enviamo-vos, a fim de que tomeis conhecimento, a cópia da carta que dirigimos, a vosso respeito, ao nosso pai Lástenes: 32‘O rei Demétrio ao seu pai Lástenes, saúde! 33Resolvemos fazer mercês ao povo dos judeus, nossos leais amigos, que manifestam os seus bons sentimentos a nosso respeito. 34Decretamos, pois, que toda a Judeia e os três distritos de Aferema, de Lida e de Ramataim, desanexados da Samaria e anexados à Judeia, entrem na sua posse. Todos os seus lucros pertencerão aos que sacrificam em Jerusalém, em lugar do tributo que, cada ano, o rei cobrava dos frutos da terra e das árvores. 35Igualmente perdoamos-lhes, desde agora, os restantes tributos que nos pagavam, os dízimos das salinas e os direitos da coroa que nos eram dados.36Nada será anulado destes decretos, nem agora nem nunca. 37Cuidai, pois, de fazer uma cópia deste decreto e entregai-a a Jónatas, para que seja colocada na montanha santa, em lugar visível.’»
Jónatas socorre Demétrio II – 38Vendo o rei Demétrio que a terra estava tranquila e que ninguém lhe resistia, licenciou o exército e mandou os soldados para suas casas, com excepção das tropas mercenárias, que recrutara nas ilhas estrangeiras. Esta decisão desagradou a todas as tropas que tinham servido os seus pais. 39Então, Trifon, antigo partidário de Alexandre, verificando que todo o exército murmurava contra Demétrio, foi procurar Imalcué, o árabe que educou Antíoco, o jovem filho de Alexandre. 40Instou para que lho entregasse, a fim de o fazer reinar no lugar de seu pai. Contou-lhe tudo o que Demétrio fez e a hostilidade do seu exército contra ele, permanecendo ali bastantes dias.
41Entretanto, Jónatas mandou pedir ao rei Demétrio que retirasse de Jerusalém as tropas que se encontravam na cidadela e nas outras fortalezas, porque hostilizavam Israel. 42Demétrio respondeu a Jónatas, dizendo: «Não só farei isto por ti e pelo teu povo, mas cumular-vos-ei de honras a ti e ao teu povo, quando chegar a ocasião propícia. 43Por agora, far-me-ias um grande favor, se enviasses homens em meu socorro, porque os meus soldados abandonaram-me.»
44Jónatas enviou imediatamente a Antioquia três mil homens valorosos, com cuja chegada o rei se alegrou muito. 45Os habitantes da cidade, em número de quase cento e vinte mil, amotinaram-se no centro da mesma, a fim de matarem o rei. 46Ele refugiou-se no palácio, e o povo, ocupando as ruas da cidade, começou o assalto. 47Então, o rei chamou os judeus em seu auxílio, os quais se agruparam ao redor dele; depois, espalharam-se pela cidade e mataram, nesse dia, cerca de cem mil homens. 48Incendiaram a cidade, apoderaram-se de um numeroso espólio, naquele dia, e salvaram o rei. 49Os habitantes perceberam que os judeus dominavam a cidade como lhes apetecia, perderam a coragem, e suplicaram ao rei, dizendo: 50«Concede-nos a paz e que os judeus cessem de combater contra nós e a nossa cidade.»51Depuseram, pois, as armas e fizeram a paz. Os judeus, cobertos de glória diante do rei e dos súbditos, regressaram a Jerusalém com abundantes despojos. 52Demétrio conservou o seu trono, e todo o país ficou tranquilo diante dele. 53Contudo, o rei faltou completamente à palavra dada, separou-se de Jónatas e não mais lhe pagou benevolência com benevolência. Pelo contrário, tratou-o muito mal.
Jónatas contra Demétrio II – 54Depois destes acontecimentos, Trifon chegou com o jovem Antíoco, que foi proclamado rei e cingiu o diadema. 55Todas as forças que Demétrio despedira, juntaram-se a Trifon para atacar Demétrio, obrigando-o a fugir, derrotado. 56Trifon apoderou-se dos elefantes e conquistou Antioquia. 57O jovem Antíoco escreveu a Jónatas, dizendo-lhe: «Confirmo-te no sumo pontificado. Mantenho-te à frente dos quatro distritos e quero que sejas um dos amigos do rei.» 58Enviou-lhe, também, vasos e utensílios de ouro, concedeu-lhe autorização de beber em copos de ouro, de vestir-se de púrpura e de trazer uma fivela de ouro. 59Ao mesmo tempo, nomeou o seu irmão Simão governador desde a Escada de Tiro até à fronteira do Egipto.
60Então, Jónatas partiu, atravessou o país ao longo do rio e percorreu as cidades. As tropas sírias juntaram-se-lhe para lutar ao seu lado. Chegou a Ascalon e os habitantes saíram a recebê-lo com grandes honras. 61De lá seguiu para Gaza, que lhe fechou as portas; mas ele sitiou-a, incendiou e saqueou os arredores. 62Então os habitantes de Gaza pediram paz, que lhes foi outorgada; mas Jónatas tomou, como reféns, os filhos dos nobres e enviou-os para Jerusalém. A seguir, percorreu todo o país até Damasco. 63Jónatas teve notícia de que os generais de Demétrio tinham chegado a Quedes, na Galileia, com um forte exército, com intenção de pôr fim à sua actividade. 64Deixou no país o seu irmão Simão e foi ao encontro deles. 65Simão acampou em frente de Bet-Sur, combateu-a durante muito tempo e sitiou-a. 66Por fim, os habitantes pediram-lhe paz. Ele concedeu-lha, mas expulsou-os da cidade, da qual se apoderou pondo nela uma guarnição.
67Jónatas acampou com o seu exército perto do lago de Genesaré e, pela manhã, muito cedo, penetrou na planície de Haçor. 68Aqui veio ao seu encontro o exército dos estrangeiros; avançava pela planície e tinha-lhes colocado emboscadas nos montes. Eles iam em frente quando69os que estavam na emboscada saíram dos seus postos e travaram combate. 70Todos os homens de Jónatas fugiram, ficando a seu lado apenas Matatias, filho de Absalão e Judas, filho de Calfi, chefes da milícia. 71Jónatas, muito triste, rasgou as suas vestes, cobriu a cabeça de pó e orou. 72Depois, lançou-se de novo sobre os inimigos, derrotou-os e pô-los em fuga. 73Vendo isto, as tropas que o tinham abandonado regressaram para junto dele, e, todos juntos, perseguiram os inimigos até Quedes, onde tinham o acampamento. Ali mesmo se instalaram.74Naquele dia, morreram cerca de três mil estrangeiros, e Jónatas voltou para Jerusalém.
Embaixada a Roma e a Esparta – 1Jónatas, verificando que as circunstâncias lhe eram favoráveis, escolheu alguns homens e enviou-os a Roma para confirmar e renovar a amizade com os romanos. 2Entregou-lhes também cartas semelhantes para os espartanos e outros povos.3Os embaixadores chegaram a Roma, dirigiram-se ao Senado e disseram: «O Sumo Sacerdote Jónatas e o povo judeu enviaram-nos para renovar convosco a amizade e a aliança, tal como existiram outrora.» 4E os romanos deram-lhes cartas para as autoridades de cada país, a fim de que pudessem regressar em paz à Judeia.
5Eis a cópia da carta que Jónatas escreveu aos espartanos: 6«Jónatas, Sumo Sacerdote, o conselho da nação, os sacerdotes e todo o povo judeu aos seus irmãos espartanos, saúde! 7Outrora, Onias, Sumo Sacerdote, recebeu de Areu, vosso rei, uma mensagem em que se dizia que éreis nossos irmãos, como comprova a cópia, aqui anexa. 8Onias acolheu o enviado com honra e recebeu a carta, na qual se fazia referência à aliança e à amizade. 9Nós, embora não tenhamos necessidade dessas vantagens, pois temos para nossa consolação os livros santos, que estão nas nossas mãos, 10resolvemos renovar os laços de fraternidade e amizade convosco, com receio de que nos tornássemos estranhos a vós, porque já decorreu muito tempo, desde que nos enviastes aquela embaixada. 11Sem cessar, nas grandes festas e nos outros dias solenes, lembramo-nos de vós, nos sacrifícios que oferecemos e nas nossas preces, porque é justo e conveniente pensar nos irmãos. 12Alegramo-nos com a vossa prosperidade. 13Quanto a nós, vivemos entre tribulações e guerras incontáveis, que nos fizeram os nossos reis vizinhos. 14Apesar disso, em todas estas guerras, não quisemos ser pesados, nem a vós nem aos outros aliados e amigos.15Temos por auxílio, o socorro do Céu e, com ele, pudemos escapar dos nossos inimigos, que foram humilhados. 16Escolhemos Numénio, filho de Antíoco, e Antípatro, filho de Jasão, e enviámo-los a renovar com os romanos a antiga amizade e aliança. 17Encarregámo-los de passar junto de vós, para vos saudar e entregar, da nossa parte, esta carta, cujo fim é renovar a nossa fraternidade. 18Esperamos que nos respondais favoravelmente.»
19Eis a cópia da carta, outrora enviada a Onias:
20«Areu, rei dos espartanos, ao Sumo Sacerdote Onias, saúde! 21Encontrou-se num escrito, sobre os espartanos e os judeus, que estes povos são irmãos e descendentes de Abraão. 22Agora que sabemos isto, fareis bem em escrever-nos a dizer se gozais de paz. 23Nós também vos escreveremos. Os vossos rebanhos e os vossos haveres são nossos e os nossos são vossos. Enviamo-vos esta mensagem para que sejais informados.»
Campanha de Jónatas e Simão – 24Entretanto, Jónatas soube que os generais de Demétrio tinham chegado com tropas, muito mais numerosas que anteriormente, para o combater. 25Saiu, pois, de Jerusalém, e foi ao seu encontro no país de Hamat, para não lhes dar tempo de invadir o seu próprio país. 26Mandou espiões ao campo dos inimigos, que regressaram com a notícia de que os inimigos se preparavam para atacar naquela noite. 27Ao pôr-do-sol, Jónatas ordenou aos seus que velassem e empunhassem as armas, prontos para entrar em combate durante a noite, e colocou sentinelas ao redor de todo o acampamento. 28Ao saberem que Jónatas e os seus soldados estavam prontos para o combate, os inimigos, tomados de sobressalto e de pavor, fugiram, acendendo fogueiras no acampamento. 29Jónatas e os seus companheiros viram os fogos a arder, mas não perceberam nada até de manhã. 30Perseguiu-os, mas não os apanhou, porque eles tinham atravessado o rio Eleutero.
31Jónatas voltou-se então contra os árabes, chamados zabadeus, derrotou-os e apoderou-se dos seus despojos. 32Reuniu de novo o seu exército e alcançou Damasco, percorrendo toda aquela região. 33Entretanto, Simão pôs-se em marcha e chegou a Ascalon e às fortalezas vizinhas. De lá dirigiu-se a Jope, ocupando-a, 34porque ouvira dizer que os habitantes tinham intenção de entregar a cidadela às tropas de Demétrio. Colocou, pois, ali uma guarnição para a defender.
Obras em Jerusalém – 35De regresso a Jerusalém, Jónatas convocou os anciãos do povo e tomou com eles a decisão de edificar fortalezas na Judeia, 36de erguer muralhas em Jerusalém e de construir um muro alto entre a cidadela e a cidade, para a separar da cidade, a isolar completamente e impedir que os da cidadela vendessem ou comprassem o que quer que fosse. 37Reuniu-se a gente para reconstruir a cidade e, achando-se por terra a muralha que estava sobre a torrente do lado leste, restauraram-na, dando-lhe o nome de Cafenata. 38Simão edificou também Adida, na planície costeira, fortificou-a e pôs nela portas e ferrolhos.
Prisão de Jónatas – 39Por este tempo, Trifon planeava reinar na Ásia, cingir o diadema e tirar a vida ao rei Antíoco. 40Mas receava que Jónatas não lho permitisse e combatesse os seus esforços; por isso, procurou apoderar-se dele para lhe dar a morte. Partiu, pois, para Bet-Chan. 41Jónatas saiu ao seu encontro em Bet-Chan, com um exército de quarenta mil homens escolhidos. 42Vendo que Jónatas se aproximava com um numeroso exército, Trifon receou lançar-lhe a mão. 43Recebeu-o com grandes honras, apresentou-o a todos os seus amigos, ofereceu-lhe presentes e ordenou às suas tropas que lhe obedecessem como a ele próprio. 44Depois disse a Jónatas: «Porque fatigaste todo este povo, uma vez que não estamos em guerra? 45Envia-os de volta para as suas casas e escolhe alguns para te acompanharem e vem comigo a Ptolemaida. Entregar-te-ei a cidade, todas as outras fortalezas, as tropas e todos os funcionários; feito isto, retirar-me-ei, porque foi para isto que vim.» 46Jónatas acreditou nele, fez o que ele lhe disse e licenciou as tropas, que regressaram ao país de Judá. 47Reteve consigo três mil homens, dos quais enviou dois mil à Galileia e conservou mil em sua companhia.
48Mal Jónatas entrou em Ptolemaida, os habitantes fecharam-lhe as portas, prenderam-no e passaram a fio de espada todos os que estavam com ele. 49Por sua vez, Trifon enviou à Galileia e à grande planície o seu exército e a sua cavalaria, para esmagar os que Jónatas para lá enviara. 50Mas estes, ouvindo dizer que Jónatas morrera com todos os seus companheiros, encorajaram-se mutuamente e marcharam em boa ordem, prontos para o combate. 51Os perseguidores, vendo que eles estavam dispostos a defender a sua vida, regressaram. 52Deste modo, os judeus voltaram sãos e salvos à terra de Judá. Choraram Jónatas e os seus companheiros e encheram-se de grande temor. E Israel chorou-o amargamente. 53Então os povos circunvizinhos procuraram oprimi-los, dizendo entre si: 54«Eles não têm ninguém para os comandar nem para os socorrer; agora é o momento de os atacarmos e apagarmos a sua lembrança do meio dos homens.»
Simão sucede a Jónatas – 1Simão foi informado de que Trifon organizara um poderoso exército, para vir à Judeia e devastá-la. 2Vendo o povo amedrontado e espavorido, subiu a Jerusalém e convocou a população. 3E para os animar, falou-lhes nestes termos: «Vós sabeis bem, meus irmãos, o que eu e a casa de meu pai temos feito pelas leis e pelo santuário, as guerras e as dificuldades que temos enfrentado. 4Foi por isso que os meus irmãos morreram pela casa de Israel, ficando eu só. 5Deus me guarde, agora, de poupar a minha vida quando o inimigo nos oprime, porque não sou melhor que os meus irmãos! 6Por isso hei-de vingar o meu povo, o santuário, as vossas esposas e os vossos filhos, uma vez que todas as nações, por ódio, estão coligadas para nos destruir.»
7A estas palavras, os ânimos inflamaram-se 8e todos responderam em alta voz: «Tu és o nosso chefe em lugar de Judas e de Jónatas, teus irmãos; 9combate por nós e nós faremos tudo o que disseres.» 10E Simão reuniu todos os que podiam lutar, apressou-se em terminar os muros de Jerusalém e fortificou-a em volta. 11Enviou Jónatas, filho de Absalão, com um novo exército contra Jope. Jónatas expulsou os habitantes e instalou-se na cidade.
12Trifon, porém, saiu de Ptolemaida com um numeroso exército para entrar na terra de Judá. Trouxe consigo Jónatas, prisioneiro. 13Simão acampou em Adida, em frente da planície. 14Informado de que Simão tinha ocupado o lugar de seu irmão Jónatas e se dispunha para o combater, Trifon enviou-lhe mensageiros, para lhe dizer: 15«Retivemos o teu irmão por causa do dinheiro que deve ao tesouro real, em virtude das funções que desempenhava. 16Envia-nos cem talentos e dois dos seus filhos como reféns, para que, ao ser libertado, não se rebele contra nós, e deixá-lo-emos ir.» 17Simão percebeu que estas palavras eram falsas, mas mandou buscar o dinheiro e os filhos, para não atrair sobre si a hostilidade do povo, que poderia dizer: 18«Não enviou o dinheiro nem os filhos e, por isso, mataram Jónatas.»
19Remeteu, pois, o dinheiro e os filhos, mas Trifon faltou à palavra e não libertou Jónatas. 20Pôs-se logo a caminho para entrar na Judeia e devastá-la, fazendo um desvio por Adora, mas Simão, com as suas tropas, seguia-o sempre, para toda a parte para onde fosse. 21Pela sua parte, os ocupantes da cidadela enviaram mensageiros a Trifon para que se apressasse a ir ter com eles pelo deserto, a fim de lhes fornecer víveres. 22Trifon preparou a cavalaria para partir naquela mesma noite mas, por causa da muita neve que caiu, não pôde ir a Guilead. 23E, quando chegou perto de Bascama, matou Jónatas e sepultou-o ali. 24Depois, retrocedeu e voltou à sua terra.
Jónatas é sepultado em Modin – 25Simão mandou recolher os restos do seu irmão Jónatas e sepultou-os em Modin, cidade dos seus pais.26E todo o Israel fez por ele grande pranto e guardou luto durante muitos dias. 27Sobre o túmulo do seu pai e dos seus irmãos, Simão edificou um monumento grandioso, com pedras polidas nas duas faces. 28Ergueu ali sete pirâmides, umas em frente das outras, para seu pai, sua mãe e seus quatro irmãos. 29Ornamentou-as e cercou-as de altas colunas, sobre as quais, para perpétua memória, colocou armas e, junto delas, navios esculpidos, que poderiam ser vistos por todos os que navegavam no mar. 30Este mausoléu, que construiu em Modin, perdura até ao dia de hoje.
Concessões de Demétrio II aos judeus – 31Trifon, que servia o jovem rei Antíoco com duplicidade, mandou assassiná-lo. 32E reinou em seu lugar, cingindo o diadema da Ásia. E causou grande mal ao país.
33Simão reergueu as praças fortes da Judeia, reforçou-as com torres elevadas, com grandes muros e ferrolhos, e proveu-as de víveres. 34Enviou mensageiros ao rei Demétrio, pedindo-lhe que concedesse ao país a remissão dos tributos, porquanto Trifon submetera-o inteiramente à pilhagem. 35O rei Demétrio escreveu-lhe a seguinte carta:
36«O rei Demétrio a Simão, Sumo Sacerdote e amigo dos reis, aos anciãos e ao povo judeu, saúde! 37Recebemos a coroa de ouro e a palma que vós nos enviastes e estamos dispostos a concluir convosco uma paz sólida e a escrever aos funcionários, para que vos dispensem dos impostos. 38Tudo o que foi decidido em vosso favor, está confirmado, e as fortalezas que construístes são vossas. 39Perdoamo-vos todos os erros e as faltas cometidas até ao dia de hoje. Renunciamos aos direitos da coroa que nos devíeis e, se existem ainda em Jerusalém outros impostos a pagar, não se paguem mais. 40Finalmente, se existem entre vós alguns que sejam aptos para se alistarem na nossa guarda, alistem-se e que a paz reine entre nós.»
41Foi no ano cento e setenta que Israel se libertou do jugo dos gentios, 42e o povo começou a datar os actos e os contratos desde o primeiro ano de Simão, Sumo Sacerdote, chefe do exército e governador dos judeus.
Simão toma a cidadela de Jerusalém – 43Nesta época, Simão veio acampar diante de Guézer e cercou-a. Construiu máquinas de guerra, aproximou-as da cidade, atacou uma torre e apoderou-se dela. 44Os soldados que estavam numa destas máquinas entraram na cidade e causaram ali uma grande confusão, 45de modo que os habitantes, com as esposas e os filhos, apareceram sobre os muros, rasgaram as vestes e, com altos brados, pediram a Simão que lhes concedesse a paz, 46dizendo-lhe: «Não nos trateis conforme as nossas maldades, mas segundo a vossa misericórdia.» 47Simão perdoou-lhes e não prosseguiu o combate, mas expulsou-os da cidade e mandou purificar todos os edifícios em que havia ídolos e, depois, entrou nela ao som de hinos e de cânticos de louvor. 48Purificada a cidade de toda a impureza, instalou nela os habitantes fiéis à lei, fortificou-a e construiu uma morada para si mesmo.
49Os ocupantes da cidadela de Jerusalém, não podendo entrar nem sair para comprar e vender, achavam-se numa grande miséria e muitos deles morreram de fome. 50Suplicaram a Simão que lhes concedesse a paz, e Simão outorgou-lha; mas expulsou-os da cidadela e purificou-a de todas as contaminações. 51E entrou nela, no dia vinte e três do segundo mês, no ano cento e setenta e um, com cânticos e palmas, harpas, címbalos, liras e hinos de louvor, porque um grande inimigo de Israel tinha sido aniquilado. 52Ordenou também que este dia fosse celebrado cada ano, com alegria. Fortificou a montanha do templo, do lado da cidadela, e habitou ali com os seus. 53Finalmente, vendo Simão que o seu filho João era valoroso guerreiro, confiou-lhe o comando de todas as tropas, com residência em Guézer.
Morte de Demétrio II – 1No ano cento e setenta e dois, o rei Demétrio reuniu as suas tropas e entrou na Média, para aí organizar um exército de socorro, a fim de fazer guerra a Trifon. 2Mas Arsaces, rei da Pérsia e da Média, informado de que Demétrio entrara no seu território, enviou um dos seus generais com o encargo de o apanhar vivo. 3Este partiu e derrotou o exército de Demétrio, fazendo-o prisioneiro. Enviou-o a Arsaces, que o encarcerou.
Elogio de Simão – 4Enquanto Simão viveu, reinou a paz na Judeia.
Procurou o bem-estar do seu povo,
o seu governo agradou a todos
e foi grande a sua fama.
5Acrescentou aos seus títulos de glória
a conquista de Jope para porto,
e assim abriu um caminho para as ilhas do mar.
6Alargou as fronteiras do seu país,
estendeu a sua autoridade sobre todo o povo
7e resgatou muitos prisioneiros.
Apoderou-se de Guézer, de Bet-Sur e da cidadela,
que purificou das suas impurezas,
e ninguém ousava opor-lhe resistência.
8Cada um trabalhava em paz a sua terra;
a terra dava as suas colheitas
e as árvores dos campos, os seus frutos.
9Os anciãos assentavam-se nas praças
e falavam da prosperidade do país;
os jovens vestiam-se de ricos vestidos e uniformes militares.
10Abasteceu as cidades de alimentos
e equipou-as com meios de defesa.
A sua fama chegou aos confins da terra.
11Estabeleceu a paz no seu país
e Israel exultou de alegria.
12Cada um descansava à sombra da sua parreira ou da sua figueira,
sem que ninguém o incomodasse.
13Desapareceram do país os seus inimigos
e os reis, naquele tempo,
foram derrotados.
14Protegeu todos os humildes do seu povo,
zelou sempre pela lei
e exterminou todos os ímpios e perversos.
15Deu esplendor ao templo
e enriqueceu o tesouro do santuário.
Renovação da aliança com Esparta e Roma – 16A morte de Jónatas foi bem depressa conhecida em Roma, e até em Esparta, provocando grande pesar. 17Mas, logo que os romanos e os espartanos souberam que o seu irmão se tinha tornado Sumo Sacerdote em seu lugar e governava o país em todas as suas cidades, 18escreveram-lhe em placas de bronze para lhe renovar a amizade e a aliança, outrora concluída com os seus irmãos Judas e Jónatas.
19Estas cartas foram lidas diante da assembleia, em Jerusalém. 20A cópia daquela que enviaram os espartanos é a seguinte:
«Os príncipes e a cidade de Esparta ao Sumo Sacerdote Simão, aos anciãos, aos sacerdotes e ao povo judeu, seu irmão, saúde! 21Os mensageiros que enviastes ao nosso povo contaram-nos a vossa honra e glória, e nós regozijámo-nos com a sua chegada. 22Registámos, como segue, a proposta que fizeram às deliberações do povo: Numénio, filho de Antíoco, e Antípatro, filho de Jasão, vieram ter connosco da parte dos judeus, para renovar a sua antiga amizade por nós. 23O povo resolveu receber honrosamente os mensageiros e depositar uma cópia das suas palavras nos arquivos públicos, para que ficasse na memória do povo de Esparta. E, sobre isto, enviamos uma cópia a Simão, Sumo Sacerdote.»
24Depois de tudo isto, Simão enviou Numénio a Roma, com um grande escudo de ouro, que pesava mil minas, com o fim de renovar a aliança com os romanos.
Simão reconhecido como príncipe do povo – 25Ao ter conhecimento destas coisas, o povo disse: «Que sinal de reconhecimento daremos a Simão e aos seus filhos? 26Tanto ele, como os seus irmãos e a casa de seu pai, mostraram-se valorosos, venceram os inimigos de Israel e asseguraram-lhe a liberdade.» Gravaram, pois, uma inscrição sobre placas de bronze, que colocaram entre as estelas conservadas no monte Sião. 27Eis a cópia dessa inscrição:
«No dia dezoito do mês de Elul, do ano cento e setenta e dois, o terceiro ano do pontificado de Simão, 28na grande assembleia dos sacerdotes, do povo, dos chefes da nação e dos anciãos, tomou-se esta deliberação:
29‘Tendo havido no nosso país guerras contínuas, Simão, filho de Matatias, descendente de Joiarib, e os seus irmãos, expuseram-se ao perigo e resistiram aos inimigos da sua raça para salvar o templo e a lei, elevando o seu povo a uma grande glória. 30Jónatas juntou todo o povo e tornou-se Sumo Sacerdote e, agora, foi reunir-se aos seus antepassados.
31Os inimigos quiseram invadir o país, para o devastar e profanar os lugares santos; 32mas, então, levantou-se Simão. Combateu pela sua nação, gastou uma grande parte dos seus bens para armar os homens do exército e pagar-lhes o soldo. 33Fortificou as cidades da Judeia e Bet-Sur, que se encontra na fronteira, a qual, antes, era arsenal do inimigo, e pôs ali uma guarnição judia. 34Da mesma forma, fortificou Jope, situada na costa, e Guézer, na fronteira de Asdod, outrora povoada de inimigos, na qual colocou uma guarnição de soldados judeus, provendo-os de tudo o que era necessário para a defesa.
35O povo, vendo a fidelidade de Simão e a glória que queria adquirir para a sua gente, escolheu-o para chefe e para Sumo Sacerdote, em virtude de tudo o que tinha feito, pela justiça e fidelidade que guardou à sua pátria e por ter procurado todos os meios para a enaltecer. 36Sob a sua autoridade, os gentios foram exterminados do seu território e expulsos os ocupantes da cidade de David, em Jerusalém, lugar em que tinham construído uma cidadela, da qual saíam para manchar os acessos do templo e profanar gravemente a sua santidade. 37Simão colocou ali uma guarnição judia, fortificou-a, para proteger o país e a cidade, e alteou os muros de Jerusalém. 38E o rei Demétrio confirmou Simão no cargo de Sumo Sacerdote, 39contou-o no número dos seus amigos e demonstrou-lhe uma grande consideração. 40Com efeito, soube que os romanos davam aos judeus o nome de irmãos, de amigos e de aliados e que tinham recebido honrosamente os enviados de Simão. 41Soube também, que os judeus e os seus sacerdotes tinham consentido que Simão se tornasse seu chefe e Sumo Sacerdote, perpetuamente, até à vinda de um profeta fiel, 42o qual tomasse o comando do exército, cuidasse do culto, designasse superintendentes para os trabalhos, as regiões do país, os armamentos, as fortificações, 43que se ocupasse do culto, que fosse obedecido por todos, que no país todos os actos públicos fossem escritos em seu nome e que andasse vestido de púrpura e insígnias de ouro. 44E, finalmente, que não fosse permitido a ninguém, do povo ou dos sacerdotes, rejeitar uma só das suas disposições, contradizer as suas ordens, convocar reuniões no país, sem o seu assentimento, vestir-se de púrpura ou usar fivela de ouro. 45Todo aquele que agisse ou violasse alguma das suas decisões, fosse considerado como réu. 46Aprouve ao povo dar a Simão este poder para que agisse conforme estas disposições. 47Simão aceitou, agradecido, exercer o sumo sacerdócio, chefiar o exército, governar os judeus e os sacerdotes e assumir a autoridade sobre todos’.»
48Convencionou-se que esta inscrição fosse gravada em placas de bronze e colocada em lugar visível, na galeria do templo, 49e que, além disso, uma cópia fosse depositada na dependência do tesouro, à disposição de Simão e dos seus filhos.
Carta de Antíoco VII a Simão – 1Antíoco, filho do rei Demétrio, escreveu, desde as ilhas do mar, uma carta a Simão, sacerdote e chefe dos judeus, e a todo o povo. 2O teor da carta era o seguinte:
«O rei Antíoco a Simão, Sumo Sacerdote e príncipe e ao povo judeu, saúde! 3Alguns traidores apoderaram-se do reino de nossos pais, mas quero reavê-lo e restabelecê-lo como foi outrora. Organizei, pois, um poderoso exército e mandei construir navios de guerra. 4Quero entrar no meu país, para me vingar daqueles que o devastaram e assolaram inúmeras cidades.
5Pela presente carta, confirmo-te todas as isenções, outorgadas pelos meus reais predecessores, e todas as dádivas que eles te fizeram.6Dou-te permissão de cunhar moeda própria, para ser usada no teu país. 7Quero que Jerusalém e os lugares santos gozem de liberdade. Todos os armamentos que mandaste fazer e todas as fortalezas que construíste e que estão em teu poder podes guardá-los. 8Quero que te sejam perdoadas, desde agora e para sempre, as dívidas que deves ou deverás ao tesouro real. 9Quando tivermos entrado na posse do nosso reino, cumular-te-emos de grandes honras, a ti, ao teu povo e ao templo, de maneira que a vossa glória ficará célebre em toda a terra.»
Antíoco VII contra Trifon – 10No ano cento e setenta e quatro, Antíoco entrou no reino dos seus pais, e todas as tropas se lhe juntaram, de modo que foram poucos os que ficaram com Trifon. 11Este, perseguido por Antíoco, refugiou-se em Dor, perto da costa, 12porque sabia que a desgraça o ia atingindo e que o seu exército o abandonava. 13Antíoco cercou Dor com cento e vinte mil homens e oito mil cavaleiros. 14Cercaram a cidade, por mar e por terra, e apertaram o cerco, sem deixar sair ou entrar ninguém.
Embaixada judaica regressa de Roma – 15Nessa ocasião, Numénio e os seus companheiros voltaram de Roma com cartas dirigidas aos reis e aos povos, do seguinte teor:
16«Lúcio, cônsul romano, ao rei Ptolomeu, saúde! 17Os embaixadores enviados por Simão, Sumo Sacerdote, e pelo povo judeu, como amigos e aliados, vieram ter connosco para renovar a antiga amizade e a aliança. 18Trouxeram-nos, ao mesmo tempo, um escudo de ouro de mil minas. 19Pareceu-nos bem, então, escrever aos reis e aos povos, para que não lhes causem dano, nem lhes façam guerra, a eles, às suas cidades ou ao seu país, nem se aliem com os seus inimigos. 20Agradou-nos aceitar o escudo que nos trouxeram. 21Se alguns judeus desertores se refugiaram junto de vós, entregai-os ao Sumo Sacerdote Simão, para que ele os castigue, segundo a sua lei.»
22Idêntica carta foi enviada ao rei Demétrio, a Átalo, a Ariarates, a Arsaces 23e a todos os povos, a Sampsamo, aos espartanos, a Delos, a Mindos, a Sícion, à Cária, a Samos, à Panfília, à Lícia, a Halicarnasso, a Rodes, a Fasélida, a Cós, a Side, a Arado, a Gortina, a Cnido, a Chipre e a Cirene. 24E uma cópia destas foi enviada a Simão, Sumo Sacerdote.
Antíoco VII contra Simão – 25O rei Antíoco apertou o cerco a Dor, construiu máquinas de guerra e cercou Trifon, de modo que ele não podia sair nem entrar. 26Por sua vez, Simão enviou dois mil homens escolhidos, a fim de combaterem ao lado dele, com prata, ouro e muitos equipamentos. 27Porém, o rei não quis aceitar nada, antes revogou todos os tratados feitos, ao princípio, com Simão e tornou-se-lhe hostil.28Enviou-lhe Atenóbio, um dos seus amigos, para lhe comunicar o seguinte:
«Ocupastes Jope e Guézer, cidades do meu reino, e também a cidadela de Jerusalém. 29Assolastes o território, devastastes o país e apoderastes-vos de numerosas localidades do meu reino. 30Portanto, ou me entregais as cidades que ocupastes e os tributos das regiões que conquistastes, fora das fronteiras da Judeia, 31ou então, em troca, pagareis quinhentos talentos de prata por aquelas cidades, e outros quinhentos talentos pelas perdas causadas e pelas rendas das cidades; de contrário, iremos combater contra vós.»
32Atenóbio, amigo do rei, chegou a Jerusalém, e vendo as honras prestadas a Simão, o serviço de mesa com taças de ouro e prata, a sua habitação faustosa, ficou maravilhado. Referiu a Simão as palavras do rei, 33e Simão respondeu: «Não foi uma terra estrangeira que conquistámos, nem uma propriedade que não fosse nossa, mas unicamente a herança dos nossos pais, injustamente usurpada durante algum tempo pelos nossos inimigos. 34Chegou a hora de reivindicarmos a herança dos nossos pais. 35Pelo que toca a Jope e a Guézer, que tu reclamas e que tanto mal fizeram ao nosso povo, devastando a nossa região, estamos dispostos a pagar cem talentos.» Atenóbio nada respondeu, 36mas voltou, furioso, para junto do rei, repetindo-lhe esta resposta e contando-lhe o fausto de Simão e tudo o que tinha visto, pelo que o rei se enfureceu sobremaneira.
O governador Cendebeu incomoda os judeus – 37Por esse tempo, Trifon fugiu num navio para Ortosia. 38O rei nomeou então Cendebeu governador da costa marítima e entregou-lhe tropas de infantaria e de cavalaria, 39ordenando-lhe que marchasse contra a Judeia, reconstruísse Quédron, fortificasse os acessos à cidade e atacasse o povo judeu. Entretanto, o rei foi em perseguição de Trifon.
40Chegado a Jâmnia, Cendebeu começou a importunar o povo judeu, a lançar ataques à Judeia, fazendo grande número de prisioneiros e mortos. 41Construiu Quédron e colocou nela uma guarnição de infantaria e cavalaria, para fazer incursões pela Judeia, como lhe ordenara o rei.
Vitória dos filhos de Simão sobre Cendebeu – 1Subindo João, de Guézer a Jerusalém, veio anunciar a seu pai o que fazia Cendebeu.2Simão chamou, então, os seus dois filhos mais velhos, João e Judas, e disse-lhes: «Eu, os meus irmãos e a casa de meu pai, temos resistido aos inimigos de Israel desde a nossa juventude até ao dia de hoje e tivemos a dita de libertar muitas vezes a nação. 3Mas já estou velho, enquanto vós, graças a Deus, tendes a idade necessária. Tomai, pois, o meu lugar e o de meu irmão, ide combater pela nossa gente, e que o socorro do céu esteja convosco.» 4João recrutou, no país, vinte mil infantes e cavaleiros, os quais marcharam contra Cendebeu e acamparam junto de Modin. 5Levantando-se ao romper da aurora, avançaram pela planície e viram um exército numeroso de infantes e de cavaleiros, que vinha contra eles. Só uma torrente separava os dois exércitos. 6João dispôs os seus homens em frente do inimigo mas, verificando que eles temiam passar o rio, atravessou-o primeiro, e todos lhe seguiram o exemplo. 7Dividiu o exército em duas alas e colocou os cavaleiros no centro da infantaria, porque a cavalaria inimiga era muito numerosa. 8Fizeram soar as trombetas. Cendebeu e os seus homens foram derrotados; muitos deles pereceram ao fio da espada e os que escaparam com vida refugiaram-se na fortaleza. 9Judas, irmão de João, foi ferido, mas João perseguiu o inimigo até Quédron, que Cendebeu tinha reconstruído. 10Muitos fugiram para as torres construídas na campina de Asdod, mas ele incendiou-as e pereceram cerca de dois mil homens. Depois disto, João voltou em paz para a Judeia.
Fim trágico de Simão – 11Ptolomeu, filho de Abubo, fora nomeado comandante da planície de Jericó. Tinha muito ouro e prata, 12porque era genro do Sumo Sacerdote. 13O seu coração ensoberbeceu-se e resolveu tornar-se senhor do país: maquinou, pois, uma traição contra Simão e os seus filhos, para os fazer desaparecer. 14E no décimo primeiro mês, isto é, no mês de Chebat, do ano cento e setenta e sete, quando ele percorria as cidades no interior do país, para zelar os seus interesses, Simão desceu a Jericó com os seus filhos, Matatias e Judas. 15O filho de Abubo recebeu-os perfidamente, numa fortaleza, chamada Doc, que tinha construído. Ofereceu-lhes um grande banquete, mas ocultou nela os seus homens. 16E quando Simão e os seus filhos ficaram ébrios, Ptolomeu e os seus homens levantaram-se, tomaram as suas armas, lançaram-se sobre Simão e mataram-no na sala do banquete, juntamente com os seus dois filhos e alguns dos seus servidores. 17Isto foi uma grande traição que se cometeu em Israel, pagando o bem com o mal.
18Ptolomeu escreveu ao rei, para o informar, pedindo-lhe que lhe enviasse tropas em seu socorro, a fim de entregar nas suas mãos a região e as cidades. 19Enviou outros a Guézer, para que matassem João; e escreveu aos chefes do exército para que se juntassem a ele, pois dar-lhes-ia prata, ouro e presentes. 20Enviou outros emissários para que se apoderassem de Jerusalém e da montanha santa.
21Porém, um homem antecipou-se e foi a Guézer avisar João de que o seu pai e os seus irmãos tinham perecido e que Ptolomeu enviara também assassinos para lhe tirar a vida. 22Ao ouvir esta notícia, João ficou indignado, mandou prender aqueles que vinham para o assassinar e matou-os, pois sabia perfeitamente quais eram as suas intenções.
23As outras façanhas de João, as suas guerras, os feitos que realizou com singular valor e a reedificação das muralhas, 24tudo isso está escrito nos Anais do seu pontificado, desde o tempo em que se tornou Sumo Sacerdote, depois do seu pai Simão.
O 2.° Livro dos Macabeus não é, como facilmente se poderia supor, a continuação do primeiro, nem tem o mesmo autor. De comum entre os dois existe apenas o clima de perseguição à fé, orquestrada igualmente pelos Selêucidas, embora narrada de um modo menos histórico e mais edificante. Mas convém ter em conta o que se disse no início da Introdução a 1 Macabeus, quanto ao seu nome e à sua classificação como livro bíblico.
AUTOR
O autor, que terá escrito no Egipto, pretende edificar a fé dos judeus deste país, também perseguidos por Ptolomeu. Com um estilo vivo e uma tendência para exagerar a caracterização das personagens – pois quer apresentá-las como heróis na fé a um povo que está a sofrer por causa dela – pretende mostrar que a perseguição é apenas um castigo justo e pedagógico, merecido pelos pecados cometidos, para convidar à conversão de vida e à fidelidade à aliança.
CONTEÚDO E DIVISÃO
Na sua forma actual, o livro poderá resumir-se no esquema seguinte:
MENSAGEM
Dado o objectivo da obra, a lei – como expressão da aliança – e o templo são os pontos de referência da fé, a necessitar de revigoramento para não se deixar absorver pela pressão da nova cultura. Por isso, ao lado daqueles que, por debilidade ou oportunismo sócio-político, renegam a fé, o autor coloca os que se refugiam em Deus e vão para o campo de batalha, apoiados nas armas da oração, do jejum e da leitura da Bíblia.
Neste quadro de fé no Deus da aliança, que protege os que morrem por ela em vez de a renegar, surgem alguns ensinamentos desenvolvidos depois no cenário da revelação. É o caso dos anjos, como agentes de Deus para executar o seu projecto (2,21; 3,24-26; 10,29; 11,6-8; 15,23), do valor da oração dos vivos para conseguir de Deus o perdão dos pecados dos defuntos (12,43-45), bem como do valor da intercessão dos «santos» que estão na outra vida, em favor dos que ainda peregrinam na terra (15,12-16); e ainda a questão da ressurreição dos fiéis (7,9.14.23.28-29.36; 12,43-45; 14,46) e a retribuição depois da morte, tanto para os fiéis como para os que fizeram mal ao povo, pois Deus dará a cada um segundo o que tiver merecido.
Primeira Carta – 1«Aos nossos irmãos judeus que estão no Egipto, saúde. Os irmãos judeus residentes em Jerusalém e no país de Judá desejam-vos paz e bem-estar. 2Deus vos cubra de bens, e que Ele se lembre da sua aliança com Abraão, Isaac e Jacob, seus fiéis servidores. 3Que Ele disponha o vosso espírito à adoração e à observância dos mandamentos, com um coração ardente e ânimo generoso.4Que Ele abra o vosso coração à sua lei e aos seus preceitos e que vos conceda a paz! 5Que Ele atenda as vossas súplicas, vos seja misericordioso e não vos abandone nas tribulações. 6Nós, aqui, não cessamos de rezar por vós. 7No reinado de Demétrio, no ano cento e sessenta e nove, nós, os judeus, escrevemo-vos no meio de grande tribulação e aflição, em que nos encontrávamos, desde o dia em que Jasão e os seus companheiros abandonaram a terra santa e o reino. 8A porta do templo foi incendiada e derramado o sangue inocente; mas nós suplicámos ao Senhor e Ele atendeu-nos; oferecemos o sacrifício e a flor da farinha, acendemos as lâmpadas e colocámos os pães na sua presença. 9Celebrai, portanto, agora, a festa das Tendas, no mês de Quisleu. Datada no ano cento e oitenta e oito.»
Segunda Carta – 10«Os habitantes de Jerusalém e da Judeia, o Senado e Judas, saúdam Aristóbulo, preceptor do rei Ptolomeu, da linhagem dos sacerdotes ungidos, assim como os judeus do Egipto, e desejam-lhes saúde e prosperidade! 11Libertados por Deus de grandes perigos, nós lhe damos solenes acções de graças, porque é nosso defensor contra o rei. 12Mas Deus aniquilou aqueles que tinham atacado a cidade santa. 13Com efeito, quando esse chefe chegou à Pérsia com um exército aparentemente irresistível, pereceu no templo de Naneia, vítima de um ardil dos sacerdotes da deusa.
14Antíoco, sob pretexto de desposar a deusa, chegou com os seus amigos para se apoderar das riquezas, a título de dote. 15Então os sacerdotes apresentaram-lhas, e ele próprio, com alguns dos seus, entrou no recinto sagrado, enquanto eles fechavam as portas. 16Quando Antíoco entrou no interior, abriram uma porta secreta na abóbada e esmagaram o príncipe com uma chuva de pedras. Esquartejaram os acompanhantes, cortaram-lhes as cabeças, lançando-as aos que estavam do lado de fora. 17Louvado seja o nosso Deus em todas as coisas, porque entregou os ímpios à morte.
18Devendo nós celebrar, no dia vinte e cinco de Quisleu, a purificação do templo, julgámos oportuno levá-lo ao vosso conhecimento, a fim de que também celebreis a festa das Tendas e a comemoração do fogo, que apareceu quando Neemias ofereceu o sacrifício, após a reconstrução do templo e do altar.
19Na verdade, quando os nossos pais foram levados para a Pérsia, os sacerdotes de então, tementes a Deus, tomaram secretamente o fogo sagrado do altar e esconderam-no no fundo de um poço seco, onde o deixaram tão oculto que ninguém sabia do lugar onde ele estava. 20Passaram muitos anos e, quando aprouve a Deus, Neemias, salvo pelo rei da Pérsia, mandou buscar o fogo aos descendentes dos sacerdotes que o tinham escondido. Mas, segundo a narração que eles nos deram, não encontraram o fogo, mas um líquido espesso.
21Então, Neemias ordenou-lhes que tirassem a água e a trouxessem. Uma vez preparada a matéria do sacrifício, Neemias disse aos sacerdotes que aspergissem, com a água, a lenha e as vítimas ali colocadas. 22A ordem foi executada, e, pouco depois, o Sol, que a princípio estava escondido, começou a brilhar; então, acendeu-se um grande fogo que maravilhou todos os espectadores. 23Enquanto se consumava o sacrifício, os sacerdotes puseram-se a rezar, juntamente com todos. Jónatas entoava e os outros, incluindo Neemias, uniam a sua voz à dele. 24Eis a oração:
30Entretanto, os sacerdotes cantavam hinos.
31Quando se consumou o sacrifício, Neemias mandou que se espalhasse o líquido restante sobre as lajes. 32Feito isto, uma chama cintilou, mas consumiu-se enquanto o fogo, que se erguia no altar, continuava a arder.
33O acontecimento foi logo divulgado, e contaram ao rei da Pérsia que, no lugar onde os sacerdotes levados cativos tinham escondido o fogo sagrado, aparecera água, com a qual Neemias e os seus companheiros obtiveram o fogo purificador das oferendas. 34Logo que se certificou do acontecido, ordenou o rei que se murasse o lugar e o considerassem sagrado.
35O rei recebeu muitos presentes e repartiu-os por aqueles a quem queria ser mais agradável. 36Os companheiros de Neemias chamaram a esse líquido ‘neftar’, que quer dizer purificação, mas a maioria deu-lhe o nome de ‘nafta.’»
Como Jeremias escondeu o tabernáculo, a Arca e o altar dos perfumes – 1«Está escrito nos documentos do profeta Jeremias que foi ele quem ordenou aos cativos que tomassem o fogo, como se acaba de contar; 2e que o profeta, dando-lhes o livro da Lei, lhes recomendou que não se esquecessem dos mandamentos do Senhor e que não se deixassem seduzir, vendo os ídolos de ouro e prata ou os seus ornamentos. 3Exortou-os, entre outros avisos, a que não afastassem a lei do seu coração.
4No mesmo escrito se mencionava também como o profeta, por revelação divina, tinha desejado fazer-se acompanhar pela Arca e pelo tabernáculo, logo que chegasse à montanha, à qual tinha subido Moisés, para contemplar a herança de Deus. 5Chegado ao monte, Jeremias descobriu uma ampla gruta, na qual mandou depositar a Arca, o tabernáculo e o altar dos perfumes, tapando, a seguir, a entrada. 6Alguns daqueles que o tinham acompanhado, voltaram para marcar o caminho com sinais, mas não o conseguiram. 7Quando Jeremias soube, repreendeu-os, dizendo-lhes: ‘Este lugar ficará desconhecido, até que Deus reúna o seu povo e use com ele de misericórdia. 8Então o Senhor revelará tudo isto e aparecerá a glória do Senhor como uma densa nuvem, semelhante à que apareceu a Moisés, bem como a Salomão, quando este rezou para que o lugar recebesse uma consagração gloriosa.’
9Estava também relatado como este sábio rei ofereceu o sacrifício da dedicação e da conclusão do templo. 10Do mesmo modo que Moisés, rezando ao Senhor, conseguiu que o fogo descesse do céu e consumisse as ofertas, também Salomão se pôs a rezar e o fogo desceu do alto para queimar os holocaustos. 11Moisés disse: ‘Por não se ter comido, o sacrifício pelo pecado foi consumido.’ 12Também Salomão celebrou durante oito dias a dedicação.
13Tudo isto se refere nos escritos e nas memórias do tempo de Neemias, e como ele formou uma biblioteca, reunindo tudo o que dizia respeito aos reis e aos profetas, às obras de David e às cartas dos reis, relativas às ofertas. 14Do mesmo modo, Judas reuniu todos os livros dispersos por causa das guerras que nos sobrevieram, e esta colecção está em nosso poder. 15Por conseguinte, se tendes necessidade de um desses livros, enviai-nos alguém que possa ser portador.
16Como vamos celebrar a festa da purificação do templo, resolvemos escrever-vos. Seria muito bom que também celebrásseis estas festas.17Foi Deus quem salvou todo o seu povo, quem deu a todos a herança, o reino, o sacerdócio e a santificação, 18como tinha prometido na Lei. Este Deus, em quem esperamos, sem dúvida não tardará a ter piedade de nós e de toda a terra, e nos congregará de todas as partes, no solo sagrado. Porque Ele livrou-nos de grandes perigos e purificou o templo.»
Prefácio – 19Os acontecimentos que tiveram lugar no tempo de Judas Macabeu e de seus irmãos – a purificação do templo sagrado e a dedicação do altar, 20assim como as guerras sustentadas contra Antíoco Epifânio e contra o seu filho Eupátor, 21os sinais celestes aparecidos a favor dos que pelejaram valorosamente pelo judaísmo e que, apesar do seu número reduzido, se tornaram senhores de todo o país e puseram em fuga as hordas bárbaras, 22recuperaram o templo, famoso em todo o mundo, libertando a cidade e restabelecendo as leis em vias de abolição – tudo isso graças ao Senhor que lhes foi misericordioso, 23é o que Jasão de Cirene narra em cinco livros, que nós vamos resumir num só livro.
24Considerando a multidão dos livros e a dificuldade que, em vista da abundância dos assuntos, experimentam aqueles que desejam dedicar-se ao estudo das narrativas históricas, 25procuramos agradar aos que apenas as desejam ler, facilitar aos que procuram conservá-las na memória, e ser úteis a todos em geral.
26Para nós, que empreendemos este trabalho de resumo, não foi tarefa fácil, antes, custou-nos suores e vigílias. 27No entanto, como aquele que prepara um festim, procurando satisfazer o gosto dos outros, se entrega a um trabalho penoso, assim nós assumimos este encargo para obter gratidão de muitos. 28E, deixando ao autor o cuidado de narrar detalhadamente os assuntos, nós esforçámo-nos por expô-los em forma resumida.
29Assim como, na edificação de uma casa nova, compete ao arquitecto preocupar-se com o conjunto da construção, e só aquele que está encarregado dos frescos e das pinturas é que se ocupa com a decoração, da mesma forma – parece-me – é o que nos cabe a nós. 30O autor de uma história tem de aprofundar tudo, analisar tudo, examinar todos os aspectos, 31mas o que resume deve, ao contrário, condensar a narrativa e evitar as particularidades na exposição dos factos.
32Agora, após tão longo exórdio, comecemos a nossa narração, porque seria absurdo ser difuso antes da história, para depois ser breve ao narrar a mesma história.
Rivalidades entre Simão e Onias III – 1No tempo em que a cidade santa gozava de perfeita paz e as leis se observavam com exactidão, por causa da piedade do Sumo Sacerdote Onias e da sua luta contra o mal, 2o templo era respeitado, mesmo pelos reis estrangeiros. Estes honravam o santuário e enriqueciam-no com os mais ricos presentes. 3Assim, Seleuco, rei da Ásia, custeava, com suas rendas pessoais, todas as despesas necessárias à liturgia dos sacrifícios.
4Mas, um certo Simão, do clã de Bilga, nomeado intendente do templo, entrou em desacordo com o Sumo Sacerdote por causa da fiscalização do mercado público. 5Como não pudesse vencer a resistência de Onias, foi procurar Apolónio de Társis que, nessa época, governava a Celessíria e a Fenícia. 6Declarou-lhe que o tesouro do templo estava cheio de indizíveis riquezas, cujo número era incalculável, sem nada terem a ver com os gastos dos sacrifícios, e que ele encontraria meio de fazer entrar tudo isso no erário real.
7Indo ter com o rei, Apolónio falou-lhe das riquezas que lhe tinham sido referidas. Este tomou a decisão de enviar o seu intendente Heliodoro com a ordem de se apoderar dessas riquezas. 8Heliodoro pôs-se imediatamente a caminho, sob o pretexto de visitar as cidades da Celessíria e da Fenícia mas, na realidade, para executar a ordem do rei. 9Tendo chegado a Jerusalém, foi amigavelmente recebido pelo Sumo Sacerdote e pela cidade, a quem transmitiu as informações recebidas e comunicou o fim da sua visita, perguntando-lhe se tudo isso correspondia à realidade. 10O Sumo Sacerdote fez-lhe ver que se tratava de depósitos das viúvas e dos órfãos 11e de uma quantia que pertencia a Hircano, filho de Tobias, varão muito eminente, contrariamente às calúnias feitas pelo ímpio Simão, e que a soma total do dinheiro era de quatrocentos talentos de prata e duzentos de ouro. 12Era completamente impossível defraudar os que tinham depositado confiança na santidade do lugar e no carácter sagrado e inviolável do templo, venerado em toda a terra.
Heliodoro tenta saquear o templo 13Heliodoro, porém, em virtude das ordens do rei, respondeu que estas riquezas deviam ser transportadas necessariamente para o tesouro real. 14E, no dia por ele fixado, entrou com a intenção de se apoderar dessas riquezas.
A partir dessa hora, espalhou-se por toda a cidade uma grande consternação. 15Revestidos com as vestes sacerdotais e prostrados diante do altar, os sacerdotes suplicavam àquele que está no céu e que fez a lei sobre os depósitos, que os conservasse intactos para aqueles que os tinham depositado. 16Ninguém podia olhar para o rosto do Sumo Sacerdote sem se sentir compungido, porque o seu aspecto e a cor do seu semblante manifestavam a angústia da sua alma. 17O temor que o tinha tolhido, agitava-lhe o corpo com um tremor, que mostrava o sofrimento íntimo do seu coração. 18Diante da profanação que ameaçava o templo, o povo saía em tropel das casas a fim de se juntar à prece comum. 19As mulheres, cingidas de saco até à altura dos seios, enchiam as ruas; as donzelas, geralmente retidas em casa, corriam, umas para as portas, outras para as muralhas, outras olhavam pelas janelas. 20Todas erguiam as mãos para o céu e oravam. 21Causava dó observar toda a confusão deste povo abatido, e a angústia em que jazia o Sumo Sacerdote. 22Todos imploravam a protecção do Deus omnipotente, para que conservasse invioláveis os depósitos aos seus depositantes.
Castigo de Heliodoro – 23Heliodoro, por sua vez, estava disposto a consumar o seu propósito. 24Encontrava-se ele, com os seus homens armados, junto do tesouro, quando o Senhor dos espíritos e rei de absoluto poder, de tal forma se manifestou a todos os que tinham ousado entrar no templo, que eles desfaleceram de espanto, atemorizados diante da majestade de Deus. 25Viram, montado num cavalo ricamente ajaezado e acometendo furiosamente, um cavaleiro de terrível aspecto que atirava as patas dianteiras do cavalo sobre Heliodoro.
O cavaleiro parecia ter uma armadura de ouro. 26Ao mesmo tempo apareceram outros dois jovens fortes, cheios de majestade, ricamente vestidos, os quais, colocando-se um a cada lado de Heliodoro, o açoitavam sem cessar e descarregavam sobre ele repetidos golpes. 27Heliodoro caiu imediatamente por terra e foi envolvido por espessas trevas; os seus companheiros ergueram-no e depositaram-no numa maca. 28E ele, que pouco antes, com uma escolta numerosa e guardas pessoais, entrava no tesouro, era agora levado, incapaz de se ajudar a si mesmo, manifestando-se visivelmente o poder de Deus. 29Com efeito, ele encontrava-se estendido e ferido pela virtude de Deus, sem fala e sem esperança alguma de saúde. 30Os habitantes de Jerusalém bendiziam o Senhor que tinha glorificado o seu templo. O santuário, pouco antes cheio de confusão e de tumulto, transbordava de alegria e regozijo, graças à intervenção do Omnipotente.
31Então, alguns dos companheiros de Heliodoro suplicaram a Onias que invocasse o Altíssimo para que lhe restituísse a vida, prestes, na verdade, a apagar-se. 32O Sumo Sacerdote, temendo que o rei suspeitasse que os judeus tivessem organizado um atentado contra Heliodoro, ofereceu um sacrifício pela sua cura. 33E, enquanto o pontífice oferecia o sacrifício de expiação, os mesmos jovens apareceram a Heliodoro, vestidos com as mesmas vestes. Aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Sê grato ao Sumo Sacerdote Onias, porque é em atenção a ele que o Senhor te dá a vida. 34Confessa diante de todos o seu grande poder, tu que foste castigado por Deus.» Ditas estas palavras, desapareceram.
Conversão de Heliodoro – 35Depois de oferecer um sacrifício ao Senhor, de fazer abundantes votos ao que lhe tinha poupado a vida e de agradecer a Onias, Heliodoro regressou com as suas tropas para junto do rei. 36Dava testemunho perante todos dos prodígios operados pelo grande Deus, diante dos seus olhos.
37Como o rei lhe perguntasse qual o homem que julgava pudesse enviar, mais uma vez, a Jerusalém, Heliodoro respondeu: 38«Se tens algum inimigo, ou alguém que conspire contra ti, envia-o lá. Se conseguir escapar, regressará bem castigado porque, na verdade, naquele lugar há uma força divina. 39O que habita no Céu está presente naquele templo. Fere e aniquila os que entram nele com más intenções.»
40Foi isto, em suma, o que se passou a respeito de Heliodoro e do tesouro sagrado, que foi preservado.
Intrigas de Simão – 1Simão, delator do tesouro e da sua pátria, caluniava Onias, afirmando ser ele quem tinha instigado Heliodoro a fazer o que fez, sendo, portanto, o autor desses males. 2Chamava traidor ao benfeitor da cidade, ao protector dos seus concidadãos, ao fervoroso defensor das leis. 3Este ódio ia tão longe que alguns partidários de Simão chegaram a cometer homicídios. 4Considerando Onias o perigo de tais rivalidades e vendo o governador da Celessíria, Apolónio, filho de Menesteu, secundar os malignos desígnios de Simão, 5apresentou-se ao rei, não para acusar os seus concidadãos, mas unicamente com o fim de velar pelo interesse público e privado de todo o seu povo. 6Via muito bem que, sem uma intervenção do rei, seria impossível estabelecer a paz e pôr termo às loucuras de Simão.
Jasão introduz o helenismo (1 Mac 1,10-15) – 7Mas depois da morte de Seleuco, tendo subido ao trono Antíoco, de sobrenome Epifânio, Jasão, irmão de Onias, começou a ambicionar o cargo de Sumo Sacerdote.
8Numa entrevista com o rei, prometeu-lhe trezentos e sessenta talentos de prata e oitenta talentos de outras rendas, 9juntamente com outros cento e cinquenta talentos, se lhe fosse dada autorização para fundar um ginásio e uma escola para os jovens, e para inscrever os moradores de Jerusalém como cidadãos de Antioquia.
10Com a aprovação real e a obtenção do poder, Jasão arrastou os seus concidadãos para o helenismo. 11Aboliu os privilégios obtidos do poder real por João, pai de Eupólemo, que foi enviado aos romanos para concluir um pacto de aliança e de amizade, e introduziu ímpios costumes, revogando as leis nacionais. 12Teve o atrevimento de erigir um ginásio junto da própria acrópole, e de obrigar os jovens das mais nobres famílias a usar o pétaso. 13Por causa da inaudita perversidade do ímpio Jasão, que nem era Sumo Sacerdote, o helenismo obteve tal sucesso e os costumes pagãos tão grande actualidade, 14que os sacerdotes descuidavam o serviço do altar, menosprezavam o templo, negligenciavam os sacrifícios, corriam, fascinados pelo lançamento do disco, a tomar parte na ginástica e nos jogos proibidos. 15Não faziam caso das honras pátrias; apreciavam mais as glórias helénicas. 16Por esta razão, sobreveio-lhes uma grande calamidade, porque aqueles mesmos, cuja forma de vida invejavam e a quem queriam imitar em tudo, voltaram-se contra eles e tornaram-se seus inimigos e opressores.
17O seguinte facto mostrará que violar as leis divinas não é coisa de pouca importância. 18Ao celebrarem-se em Tiro os jogos quinquenais, com a assistência do rei, 19o ímpio Jasão enviou, de Jerusalém, um grupo de habitantes de Antioquia, portadores de trezentas dracmas de prata para o sacrifício em honra de Hércules. Mas os que as levavam acharam inconveniente gastá-las nos sacrifícios e julgaram ser melhor empregá-las noutras despesas. 20A vontade de Jasão era que as dracmas fossem destinadas ao sacrifício a Hércules mas, a instância dos portadores, foram destinadas à construção de navios trirremes.
Antíoco Epifânio em Jerusalém 21Tendo sido enviado ao Egipto, Apolónio, filho de Menesteu, por ocasião da entronização do rei Ptolomeu Filométor, Antíoco veio a saber que este rei se tornara seu inimigo, e procurou pôr-se em segurança. Chegado a Jope, dirigiu-se a Jerusalém,22onde foi recebido magnificamente por Jasão e por toda a cidade, fazendo a sua entrada à luz de archotes e de aclamações. Dali partiu para a Fenícia com o seu exército.
Menelau substitui Jasão – 23Passados três anos, Jasão enviou Menelau, irmão de Simão, acima mencionado, para levar dinheiro ao rei e tratar de certos negócios urgentes; 24mas, uma vez admitido à presença do rei, Menelau lisonjeou-o, exaltando a grandeza do seu poder, e, oferecendo-lhe trezentos talentos a mais do que Jasão, obteve para si o sumo sacerdócio. 25Assim, com as credenciais do rei, voltou aquele homem, que nada tinha que o fizesse digno do sacerdócio mas, pelo contrário, sentimentos de tirano cruel e de fera selvagem. 26Deste modo, Jasão, que tinha suplantado o seu irmão, foi por sua vez suplantado por outro e forçado a fugir para a terra dos amonitas. 27Mas Menelau, uma vez na posse do poder, não teve a preocupação de entregar ao rei o dinheiro que lhe tinha prometido, 28apesar das reclamações de Sóstrato, governador da acrópole, encarregado da cobrança dos impostos; por este motivo, ambos foram intimados a comparecer diante do rei.29Menelau designou para o substituir, como Sumo Sacerdote, seu irmão Lisímaco; Sóstrato deixou Crates, chefe dos cipriotas.
Onias assassinado – 30Entretanto, os habitantes de Tarso e de Malos revoltaram-se, porque a sua cidade fora entregue a Antioquides, concubina do rei. 31Partiu, pois, o rei a toda a pressa, a fim de os apaziguar, deixando Andrónico, um dos dignitários, encarregado do governo.32Menelau julgou a ocasião propícia e reconciliou-se com Andrónico, oferecendo-lhe certos objectos de ouro, roubados ao templo; outros vendeu-os em Tiro e nas cidades vizinhas.
33Quando teve a certeza de tudo isto, Onias, que se encontrava retirado no território inviolável de Dafne, perto de Antioquia, repreendeu-o.34Mas Menelau chamou à parte Andrónico e pediu-lhe que matasse Onias. Andrónico foi ter com ele, enganou-o com astúcia, deu-lhe garantias que confirmou com juramento, persuadiu-o a deixar o seu asilo e, no momento em que ele saiu, matou-o sem medo do castigo.
35Não só os judeus mas também muitos estrangeiros ficaram indignados e consternados com esta morte injusta 36e, quando o rei voltou das cidades da Cilícia, tanto os judeus da cidade, como os gregos, contrários à violência, foram queixar-se do iníquo assassinato de Onias. 37Antíoco ficou profundamente abatido e, movido de compaixão, chorou, recordando a sabedoria e a grande moderação de Onias. 38E, num acesso de cólera violenta, mandou despojar imediatamente Andrónico da sua púrpura e rasgar-lhe as vestes, fazendo-o depois conduzir por toda a cidade, até ao lugar onde ele tinha assassinado sacrilegamente Onias. Ali foi executado aquele criminoso, dando-lhe o Senhor o merecido castigo.
A morte de Lisímaco – 39Ora, em Jerusalém, Lisímaco, aconselhado por Menelau, cometeu muitos roubos sacrílegos; divulgados estes factos, o povo amotinou-se contra ele, porque muitos objectos de ouro tinham desaparecido. 40Exaltada e enfurecida a multidão, Lisímaco armou perto de três mil homens sob o comando de um certo Aurano, homem avançado em idade e não menos em crueldade, e começou a cometer violências.
41Mas o povo, ao ver que Lisímaco os atacava, uns pegaram em pedras, outros em paus, alguns em cinza, e, confusamente, arremessaram tudo contra os homens de Lisímaco. 42Deste modo, muitos ficaram feridos, alguns foram mortos e os restantes fugiram; o próprio sacrílego foi morto junto do tesouro.
Menelau é absolvido – 43Por todas estas desordens, foi instaurado um processo contra Menelau. 44Tendo o rei chegado a Tiro, três enviados da assembleia dos anciãos apresentaram-lhe a acusação. 45Mas Menelau, vendo-se perdido, prometeu grande soma de dinheiro a Ptolomeu, filho de Dorímenes, para que lhe granjeasse o favor do rei. 46Com efeito, Ptolomeu, levando o rei para debaixo do peristilo, como se fosse para espairecer, fê-lo mudar de ideias. 47Deste modo, Menelau, embora responsável por todo o mal, foi absolvido pelo rei de todas as acusações que pesavam sobre ele, e condenados à morte os infelizes que, num tribunal, mesmo que fosse dos citas, teriam sido julgados inocentes. 48Assim, os que tinham sustentado os interesses da cidade, do povo e dos objectos sagrados, foram castigados imediatamente, contra toda a justiça. 49Até os próprios habitantes de Tiro, horrorizados com este crime, lhes deram magnífica sepultura. 50Entretanto, Menelau, devido à avidez dos governantes, permanecia no poder e crescia em malícia, convertido em feroz perseguidor dos seus concidadãos.
Segunda campanha do Egipto 1Por este tempo, Antíoco organizou uma segunda expedição ao Egipto. 2Aconteceu que em toda a cidade, por espaço de quase quarenta dias, apareceram, correndo pelos ares, cavaleiros com túnicas douradas e armados de lanças, formando3esquadrões alinhados em ordem de batalha, ataques e choques corpo a corpo, movimento de escudos, floresta de lanças, espadas desembainhadas, arremesso de dardos, armaduras resplandecentes de ouro e couraças de todo o género. 4Portanto, todos rezavam para que tais aparições fossem bom presságio.
Repressão de Antíoco Epifânio 5Espalhada a falsa notícia da morte de Antíoco, Jasão tomou consigo mil homens e atacou a cidade, de surpresa. Vencidos os que defendiam a muralha, ele apoderou-se da cidade e Menelau fugiu para a fortaleza. 6Mas Jasão matou sem piedade os seus próprios concidadãos, esquecido de que uma vitória ganha sobre compatriotas é a maior das desgraças, agindo como se alcançasse um troféu dos seus inimigos e não dos seus concidadãos.
7Apesar disso, não conseguiu usurpar o poder e, por fim, recebeu o opróbrio como prémio da sua traição e teve de fugir de novo para o território dos amonitas. 8O fim da sua perversa vida foi este: acusado junto de Aretas, rei dos árabes, fugiu de cidade em cidade, e, perseguido por todos, detestado como violador das leis, desprezado como carrasco da sua pátria e dos seus concidadãos, foi desterrado para o Egipto.9Deste modo, aquele que expulsara tanta gente da sua própria pátria, morreu desterrado dela, fugindo para a Lacedemónia, com a esperança de ali encontrar refúgio, a título de parentesco. 10E aquele que tinha deixado tanta gente sem sepultura não foi chorado por ninguém, nem recebeu honras fúnebres, nem na sua própria terra nem na terra estranha.
11Quando a notícia desses acontecimentos chegou aos ouvidos do rei, ele suspeitou que a Judeia queria revoltar-se. E trazendo o exército do Egipto, cheio de fúria, conquistou a cidade pela força das armas, 12e ordenou aos soldados que matassem sem piedade aqueles que caíssem nas suas mãos e degolassem os que se refugiassem nas casas.
13Assim, foram mortos jovens e velhos, e pereceram homens, mulheres e crianças, e foram massacradas as donzelas e os meninos. 14Em três dias, foram mortos oitenta mil, quarenta mil foram feitos prisioneiros, e não foi menor o número dos que foram vendidos como escravos.
Pilhagem do templo (1 Mac 1,21-24) 15Não satisfeito com isto, o rei atreveu-se a entrar no templo, o mais santo de toda a terra, guiado por Menelau, um traidor às leis e à pátria. 16Tomou com as mãos impuras os vasos sagrados e com elas se apoderou das oferendas, depositadas pelos reis anteriores, para ornamento, honra e glória do templo.
17Antíoco, com a alma cheia de orgulho, não percebia que, se o Senhor se irritara momentaneamente, era por causa dos pecados da cidade; daí esta indiferença pelo templo. 18Porque se os judeus não fossem culpados de muitos delitos, ele, a exemplo de Heliodoro, enviado pelo rei Seleuco para inspeccionar o tesouro, teria sido açoitado, logo que chegou, e expulso por causa da sua audácia.
19Na verdade, Deus não escolheu o povo por causa do templo, mas o templo por causa do povo; 20por isso, o templo, depois de ter participado dos males do povo, teve, a seguir, parte com ele nos bens divinos e, abandonado no tempo da cólera, foi restaurado em toda a sua glória, por ocasião da reconciliação com o grande Soberano. 21Em suma, Antíoco, tendo roubado ao templo mil e oitocentos talentos, regressou, sem demora, a Antioquia. Com o espírito exaltado, julgava, na sua soberba, poder navegar sobre a terra e caminhar sobre o mar.22Mas deixou ali governadores com a incumbência de vexar o povo, a saber: em Jerusalém, Filipe, da Frígia, mais bárbaro ainda que o seu amo; 23no monte Garizim, Andrónico e, para além destes, Menelau, que a todos excedeu em maldade contra os seus concidadãos.
Intervenção de Apolónio (1 Mac 1,29-35) – 24Antíoco enviou o chefe dos mísios, Apolónio, à frente de um poderoso exército de vinte e dois mil homens, com a ordem de matar todos os adultos e de vender as mulheres e as crianças. 25Chegado a Jerusalém e fingindo intenções pacíficas, Apolónio esperou até ao dia santo do sábado. Então, enquanto os judeus observavam o descanso, Apolónio ordenou às suas tropas que pegassem nas armas. 26Todos os que saíram para ir à cerimónia foram massacrados e, percorrendo a cidade com os soldados, ele próprio matou grande número de pessoas.
27Porém, Judas Macabeu retirou-se com outros nove para o deserto, e vivia com os seus nas montanhas como animais selvagens, alimentando-se apenas de ervas, para não se contaminarem.
Implementação de cultos pagãos (1 Mac 1,41-64) – 1Pouco tempo depois, um velho ateniense foi enviado pelo rei para forçar os judeus a abandonar a religião dos antepassados, proibindo-lhes viver segundo as leis de Deus, 2*com ordem de profanar o templo de Jerusalém, dedicá-lo a Júpiter Olímpico, e consagrar o monte Garizim, segundo a prática dos habitantes do lugar, a Júpiter Hospitaleiro. 3Grave e insuportável foi para todos esta avalanche de mal. 4O templo foi teatro da incontinência e das orgias dos gentios, que se divertiam ali com as meretrizes, uniam-se às mulheres nos átrios sagrados, introduzindo nele coisas proibidas. 5O altar estava coberto de vítimas impuras, interditas pela lei. 6Não se observavam os sábados nem se celebravam as antigas festas, e ninguém se podia declarar judeu.
7Em cada mês, no aniversário do rei, realizava-se um sacrifício; os judeus eram violentamente forçados a tomar parte no banquete ritual e, por ocasião das festas em honra de Dioniso, deviam forçosamente acompanhar o cortejo de Dioniso, coroados com hera. 8Por instigação dos Ptolomeus, foi publicado um decreto que obrigava as cidades helénicas dos arredores a tratar os judeus do mesmo modo e levá-los a participar nos banquetes rituais, 9com a ordem de matar os que se recusassem a adoptar os costumes gentios. Podiam-se, pois, prever as aflições que os aguardavam.
10Duas mulheres foram acusadas de circuncidarem os filhos e, com eles pendurados aos peitos, foram arrastadas publicamente pela cidade e precipitadas do alto das muralhas. 11Alguns tinham-se retirado para as cavernas vizinhas, a fim de aí celebrarem secretamente o dia de sábado. Denunciados a Filipe, foram todos queimados, porque não ousaram defender-se por respeito à santidade do dia.
Sentido teológico da perseguição – 12Suplico aos que lerem este livro que não se escandalizem com estes tristes acontecimentos, mas que considerem que estas coisas aconteceram, não para a ruína, mas para a correcção da nossa raça; 13porque é sinal de grande benevolência não deixar muito tempo impunes os pecadores, mas aplicar-lhes o castigo sem demora. 14O Senhor tem paciência com as outras nações, antes de as castigar, até que elas tenham enchido a medida das suas iniquidades; mas não age assim connosco, 15com receio de ter que nos punir mais tarde, quando tivermos pecado demasiadamente. 16Desta forma, nunca retira de nós a sua misericórdia e não abandona o seu povo quando o aflige com adversidades. 17Dissemos tudo isto unicamente a título de lembrança. Agora prossigamos a nossa narração.
Martírio de Eleázar – 18A Eleázar, varão de idade avançada e de bela aparência, um dos primeiros doutores da Lei, abrindo-lhe a boca à força, tentavam obrigá-lo a comer carne de porco. 19Mas ele, preferindo morrer com honra a viver na infâmia, voluntariamente caminhava para o suplício, 20depois de cuspir a carne, como devem fazer os que têm a coragem de rejeitar o que não é permitido comer, mesmo à custa da própria vida. 21Ora, os encarregados deste ímpio banquete proibido pela lei, que, desde há muito tempo, mantinham relações de amizade com ele, tomaram-no à parte e rogaram-lhe que mandasse trazer as carnes permitidas, por ele mesmo preparadas, e as comesse como se fossem carnes do sacrifício, conforme ordenara o rei. 22Fazendo assim, seria preservado da morte. Usavam com ele desta espécie de humanidade, em virtude da antiga amizade que lhe tinham. 23Mas Eleázar, tomando uma bela resolução, digna da sua idade, da autoridade que lhe conferia a sua velhice, do prestígio que lhe outorgavam os seus cabelos brancos, da vida íntegra que levava desde a infância, digna, sobretudo, das sagradas leis estabelecidas por Deus, preferiu ser conduzido à morte.
24«Não é próprio da minha idade – respondeu ele – usar de tal fingimento, não suceda que muitos jovens, julgando que Eleázar, aos noventa anos, se tenha passado à vida dos gentios, 25pelo meu gesto de hipocrisia e por amor a um pouco de vida, se deixem arrastar pelo meu exemplo; isto seria a desonra e a vergonha da minha velhice. 26Mesmo que eu me livrasse agora dos castigos dos homens, não poderia escapar, vivo ou morto, das mãos do Omnipotente. 27Por isso, morrendo valorosamente, mostrar-me-ei digno da minha velhice 28e deixarei aos jovens um nobre exemplo, se morrer corajosamente pelas nossas santas e veneráveis leis.»
Ditas estas palavras, dirigiu-se para o suplício. 29Aqueles que o levavam transformaram em violência a humanidade que pouco antes lhe tinham mostrado, julgando insensatas as suas palavras. 30E quando estava prestes a morrer sob os golpes que sobre ele descarregavam, ele exclamou entre suspiros: «O Senhor, que tem a ciência santíssima, vê bem que, podendo eu livrar-me da morte, sofro no meu corpo os tormentos cruéis dos açoites, mas suporto-os com alegria, porque é a Ele que eu temo.» 31Desta maneira passou à outra vida, deixando com a sua morte, não só aos jovens mas também a toda a gente, um exemplo de fortaleza e de coragem.
Martírio dos sete irmãos – 1Aconteceu também que um dia foram presos sete irmãos com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de azorrague e de nervos de boi, quis obrigar a comer carnes de porco, proibidas pela lei. 2Um deles, tomou a palavra e falou assim: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos a antes morrer do que violar as leis dos nossos pais.» 3O rei, irritado, ordenou que aquecessem ao fogo sertãs e caldeirões. 4Logo que ficaram em brasa, ordenou que cortassem a língua ao que primeiro falara, lhe arrancassem a pele da cabeça e lhe cortassem também as extremidades das mãos e dos pés, na presença dos irmãos e da mãe. 5Mutilado de todos os seus membros, o rei mandou aproximá-lo do fogo e, vivo ainda, assá-lo na sertã. Enquanto o cheiro da panela se espalhava ao longe, os outros, com a mãe, animavam-se a morrer corajosamente, dizendo: 6«Deus, o Senhor, nos vê e, na verdade, Ele terá compaixão de nós, como diz claramente Moisés no seu cântico de admoestação: Ele terá piedade dos seus servidores.»
7Morto, deste modo, o primeiro, conduziram o segundo ao suplício. Arrancaram-lhe a pele da cabeça com os cabelos e perguntaram-lhe: «Comes carne de porco, ou preferes que o teu corpo seja torturado, membro por membro?» 8Ele respondeu no idioma dos seus pais: «Não farei tal coisa!» E então padeceu os mesmos tormentos que o primeiro. 9Prestes a dar o último suspiro, disse: «Ó malvado, tu arrebatas-nos a vida presente, mas o rei do universo há-de ressuscitar-nos para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis.»
10Depois deste, torturaram o terceiro, o qual, mal lhe pediram a língua, deitou-a logo de fora e estendeu as mãos corajosamente. 11E disse, cheio de confiança: «Do Céu recebi estes membros, mas agora menosprezo-os por amor das leis de Deus, mas espero recebê-los dele, de novo, um dia.» 12O próprio rei e os que o rodeavam ficaram admirados com o heroísmo deste jovem, que nenhum caso fazia dos sofrimentos.
13Morto também este, aplicaram os mesmos suplícios ao quarto, 14o qual, prestes a expirar, disse: «É uma felicidade perecer à mão dos homens, com a esperança de que Deus nos ressuscitará; mas a tua ressurreição não será para a vida.»
15Arrastaram, em seguida, o quinto e torturaram-no; 16mas ele, cravando os olhos no rei, disse-lhe: «Embora mortal, tens poder sobre os homens e fazes o que queres. Mas não penses que Deus abandonou o nosso povo! 17Espera, e verás a grandeza do seu poder e como Ele te castigará a ti e à tua descendência.»
18Depois deste, foi conduzido o sexto que, antes de morrer, disse: «Não te iludas, pois se nós mesmos merecemos estes sofrimentos, é porque pecámos contra o nosso Deus e por isso recebemos estes tormentos terríveis. 19Mas não julgues que ficarás impune, depois de teres ousado combater contra Deus.»
20Particularmente admirável e digna de grandes elogios foi a mãe que, num dia só, viu perecer os seus sete filhos e suportou essa dor com serenidade, porque punha a sua esperança no Senhor. 21Ela exortava cada um no seu idioma materno e, cheia de nobres sentimentos, juntava uma coragem varonil à ternura de mulher. 22Dizia-lhes: «Não sei como aparecestes nas minhas entranhas, porque não fui eu que vos dei a alma nem a vida, nem fui eu que formei os vossos membros. 23Mas o Criador do mundo, autor do nascimento do homem e origem de todas as coisas, restituir-vos-á, na sua misericórdia, tanto o espírito como a vida, se agora vos sacrificardes a vós mesmos por amor das suas leis.»
24Mas Antíoco, julgando que ela se ria dele e o insultava, começou a exortar o mais jovem, o que restava, e não só com palavras mas até com juramento, lhe prometia, se abandonasse as tradições dos seus antepassados, torná-lo rico e feliz, tratá-lo como amigo e confiar-lhe honrosos cargos. 25Como o jovem não lhe prestasse atenção, o rei mandou à mãe que se aproximasse e aconselhasse o filho a salvar a sua vida. 26E, depois de ter insistido com ela muito tempo, ela consentiu em persuadir o filho. 27Inclinou-se sobre ele e, zombando do cruel tirano, disse-lhe na língua materna: «Meu filho, tem compaixão de mim que te trouxe nove meses no seio, que te amamentei durante três anos, que te criei, eduquei e alimentei até agora. 28Suplico-te, meu filho, que contemples o céu e a terra. Reflecte bem: o que vês, Deus o criou do nada, assim como a todos os homens. 29Não temas, portanto, este carrasco, mas sê digno dos teus irmãos e aceita a morte, para que, no dia da misericórdia, eu te encontre no meio deles.»
30Logo que ela acabou de falar, o jovem disse: «Que esperais? Não obedecerei às ordens do rei, mas somente aos mandamentos da Lei, dada a nossos pais por intermédio de Moisés. 31Mas tu, que és o inventor desta perseguição contra os hebreus, não escaparás à mão de Deus. 32Quanto a nós, é por causa dos nossos pecados que padecemos. 33Mas, se para nos punir e corrigir, o Deus vivo e Senhor nosso se irou por um momento contra nós, Ele há-de reconciliar-se de novo com os seus servos. 34Tu, porém, ímpio, o mais infame dos homens, não te exaltes sem razão com vãs esperanças, enfurecido na tua cólera contra os servos de Deus, 35porque ainda não escapaste ao julgamento do Deus omnipotente, que tudo vê! 36Os meus irmãos, após terem suportado um breve tormento, participam agora da vida eterna, em virtude do sinal da aliança, mas tu sofrerás o justo castigo do teu orgulho, pelo julgamento de Deus.
37A exemplo dos meus irmãos, entrego o meu corpo e a minha vida em defesa das leis dos nossos pais e peço a Deus que, quanto antes, se mostre propício ao seu povo, e que tu, no meio dos sofrimentos e das provações, tenhas de confessar que só Ele é o único Deus. 38Em mim e nos meus irmãos se aplacará a cólera do Omnipotente que se desencadeou justamente sobre toda a nossa raça.»
39Então o rei, furioso, descarregou sobre ele a sua ira com maior crueldade que sobre os outros, enraivecido por ter zombado dele. 40Morreu, pois, também ele, purificado de toda a mancha e inteiramente confiado no Senhor. 41Finalmente, depois dos filhos, foi também morta a mãe.
42Terminamos por aqui a nossa narração referente aos banquetes rituais e a estas horríveis crueldades.
Judas Macabeu organiza a resistência – 1Entretanto, Judas Macabeu e os companheiros, entrando secretamente nas aldeias, convocavam os seus parentes e os que tinham permanecido fiéis ao judaísmo, chegando a juntar, assim, uma força de aproximadamente seis mil homens. 2Suplicavam ao Senhor que olhasse para o povo desdenhado por todos, que se compadecesse do templo profanado pelos ímpios, 3que tivesse compaixão da cidade devastada e quase totalmente arrasada, que escutasse a voz do sangue derramado que a Ele clamava, 4que se lembrasse da iníqua morte das crianças inocentes e vingasse as blasfémias proferidas contra o seu nome.
5Judas Macabeu tornou-se o chefe do seu exército e os gentios viram-se incapazes de lhe resistir, porque a cólera de Deus se tinha convertido em misericórdia. 6Atacava de surpresa as cidades e as aldeias e incendiava-as; ocupava as posições estratégicas, vencia e punha em fuga a não poucos inimigos. 7Era principalmente à noite que empreendia estas expedições, e a fama do seu valor espalhava-se por toda a parte.
Derrotas de Nicanor e de Górgias (1 Mac 3,38-4,27) – 8Vendo Judas tornar-se mais forte dia a dia e alcançar cada vez mais vitórias, Filipe escreveu ao governador da Celessíria e da Fenícia, Ptolomeu, para que defendesse os interesses do rei. 9Este imediatamente designou Nicanor, filho de Pátroclo e um dos primeiros amigos do rei, e enviou-o à Judeia com uns vinte mil homens de todas as nações, para exterminarem toda a raça judia. Também Górgias, experimentado na arte da guerra, se juntou a ele. 10Nicanor esperava obter, com a venda dos prisioneiros judeus que fossem capturados, os dois mil talentos que o rei devia como tributo aos romanos. 11Assim, enviou, sem perda de tempo, convite às cidades do litoral para que viessem comprar judeus, oferecendo noventa escravos por um talento. Não suspeitava que o castigo do Omnipotente iria cair sobre ele.
12Logo que Judas soube da vinda de Nicanor, participou a sua chegada aos judeus que tinha consigo. 13E, de repente, alguns deles, por sua falta de confiança na justiça de Deus, fugiram e dispersaram-se; 14outros vendiam o que lhes restava, pedindo ao Senhor que os livrasse do ímpio Nicanor, que já os tinha vendido ainda antes de os ter nas mãos. 15Se não fosse por eles, que o fizesse ao menos em consideração da aliança estabelecida com os seus pais, e pelo seu santo e glorioso nome, que eles invocavam.
16Macabeu reuniu então ao redor de si os seus homens, em número de seis mil, exortou-os a que não se deixassem intimidar pelos inimigos, nem tivessem medo daquela multidão que os vinha atacar injustamente; pelo contrário, combatessem com valentia e 17pensassem na indigna profanação infligida por eles ao templo, na humilhação imposta à cidade devastada e na ruína das instituições dos seus antepassados.18«Estas gentes, dizia ele, confiam nas suas armas e na sua audácia, mas nós pomos a nossa segurança no Deus omnipotente, que pode, com um simples aceno, desbaratar tanto os que nos atacam, como o universo inteiro.» 19Lembrou-lhes a protecção divina que Deus tinha dispensado a seus pais, como por exemplo, os cento e oitenta e cinco mil homens do exército de Senaquerib que tinham perecido 20e, também, a batalha contra os gálatas, na Babilónia, na qual oito mil judeus tiveram que lutar ao lado de quatro mil macedónios. Como estes se encontrassem em situação difícil, os oito mil judeus mataram cento e vinte mil inimigos, mediante o auxílio que lhes foi dado do Céu, e alcançaram grandes bens.
21Depois de ter animado os seus companheiros e de os ter preparado para morrer pelas leis e pela pátria, dividiu o exército em quatro corpos,22pondo à frente de três deles os seus irmãos Simão, José e Jónatas, chefiando cada qual mil e quinhentos homens. 23Mandou a Eleázar que lesse o livro sagrado e, dando-lhes por palavra de ordem «socorro de Deus», ele mesmo se pôs à frente do primeiro corpo e atacou Nicanor.24Com efeito, graças à ajuda do Omnipotente, mataram mais de nove mil inimigos, feriram e mutilaram a maior parte dos soldados de Nicanor, que se puseram em fuga. 25Apoderaram-se do dinheiro dos que tinham vindo para os comprar e perseguiram por largo espaço os inimigos, até que tiveram de retroceder, por falta de tempo.
26Era véspera de sábado e, por isso, desistiram de os perseguir. 27Recolheram as armas e os despojos dos inimigos e celebraram o sábado, bendizendo o Senhor e glorificando-o por tê-los livrado naquele dia, derramando sobre eles como que as primícias da sua misericórdia.28Passado o sábado, deram parte dos despojos aos que tinham sofrido perseguição, às viúvas e aos órfãos, e dividiram o resto entre eles e os seus filhos. 29Feito isto, rezaram em comum, implorando ao Senhor misericordioso que se reconciliasse plenamente com os seus servos.
Derrotas de Timóteo e de Báquides – 30Nos combates travados com os soldados de Timóteo e de Báquides, mataram-lhes mais de vinte mil e apoderaram-se de várias praças fortes e de muitos despojos, que dividiram em duas partes iguais: uma para si mesmos, outra para os perseguidos, as viúvas, os órfãos e os anciãos. 31As armas, diligentemente recolhidas, foram escondidas em lugares seguros, e levaram para Jerusalém o resto dos despojos. 32Mataram o chefe dos guardas de Timóteo, um dos homens mais perversos, que tinha feito muito mal aos judeus. 33E quando celebravam as festas da vitória, em Jerusalém, queimaram os que tinham incendiado as portas do templo, os quais se tinham refugiado junto com Calístenes numa casa, infligindo-lhes, assim, o justo castigo do seu sacrilégio.
34O malvado Nicanor – que mandara vir milhares de negociantes para lhes vender os judeus – 35humilhado por aqueles que desprezava, graças ao auxílio do Senhor, despojou-se das suas ricas vestes e, atravessando sozinho o interior do país como um fugitivo, chegou a Antioquia, profundamente abatido pela perda do seu exército. 36E aquele que, antes, tinha prometido pagar o tributo aos romanos com o produto da venda dos cativos de Jerusalém, agora apregoava que os judeus tinham um protector e, por isso, se tornavam invulneráveis, porque observavam as leis estabelecidas por Ele.
Morte de Antíoco Epifânio (1,11-17; 1 Mac 6,1-17) – 1Nesta mesma ocasião, Antíoco voltava da Pérsia, coberto de vergonha, 2pois, entrando na cidade de Persépolis com o propósito de saquear o templo e ocupar a cidade, o povo revoltou-se e pegou em armas para se defender. Com isso, Antíoco viu-se forçado pelos habitantes dessa região a empreender uma retirada humilhante. 3Achando-se perto de Ecbátana, soube da derrota de Nicanor e do exército de Timóteo. 4Num acesso de fúria, resolveu imediatamente desforrar-se nos judeus do mal que lhe tinham feito aqueles que o tinham obrigado a fugir. Por isso, ordenou ao cocheiro que andasse sem parar, a fim de conseguir, o mais depressa possível, o que desejava; na realidade, a sentença do Céu já tinha caído sobre ele. Na sua presunção, tinha dito: «Assim que chegar, farei de Jerusalém o cemitério dos judeus.»
5Mas o Senhor Deus de Israel, que tudo vê, feriu-o com um mal incurável. Mal acabara de pronunciar estas palavras, foi assaltado por dores atrozes nas entranhas. 6E, na verdade, bem o merecia, pois ele mesmo rasgara as entranhas de outros com inauditos tormentos! 7Apesar disso, não desistiu da sua arrogância; pelo contrário, cheio de soberba, lançava contra os judeus o fogo da sua cólera e ordenava que se apressasse a marcha, quando, repentinamente, caiu do carro arrastado pela violência da corrida e, na queda fatal, quebrou todos os membros.8O homem que pouco antes, com a sua arrogância, julgava poder dominar as próprias ondas do mar e pesar as montanhas no prato da sua balança, estendido agora sobre a terra, era levado numa liteira, manifestando assim aos olhos de todos o poder de Deus. 9Chegou a tal ponto que dos olhos do ímpio saíam vermes e as carnes caíam aos pedaços entre dores atrozes; e o mau cheiro da sua podridão era tal que enchia o ar e empestava todo o campo. 10Aquele que, pouco antes, sonhava tocar com as próprias mãos nos astros do céu, agora ninguém o podia suportar, por causa do mau cheiro que exalava!
11Derrubado, pois, da sua extrema vaidade e torturado por Deus com constantes sofrimentos, começou a perder o orgulho e a compreender melhor o seu estado. 12Incapaz de suportar o seu mau cheiro, disse: «Um simples mortal deve submeter-se a Deus e não pretender igualar-se a Ele.» 13Este malvado rezava ao Senhor, de quem não haveria de receber misericórdia, 14e pretendia dar liberdade à cidade santa, para a qual antes se encaminhava, a fim de a arrasar e fazer dela um cemitério. 15Dizia, também, que trataria como atenienses esses mesmos judeus que antes julgara indignos de sepultura e bons para serem atirados, com os seus filhos, às aves de rapina e aos animais selvagens.16Ao templo que antes despojara, prometia agora orná-lo com preciosas ofertas, devolver-lhe multiplicados os vasos sagrados e prover, com as suas próprias rendas, a todas as despesas com os sacrifícios. 17Finalmente, ele mesmo se tornaria judeu e percorreria todos os lugares habitados para proclamar o poder de Deus!
Carta de Antíoco aos judeus – 18Mas as suas dores não se atenuavam, porque o justo castigo de Deus pesava sobre ele. Então, perdida toda a esperança, escreveu aos judeus uma carta, em forma de súplica, do seguinte teor:
19«Aos dedicados cidadãos judeus, saúde, bem estar e felicidade, da parte de Antíoco, rei e chefe do exército. 20Se vós e os vossos filhos gozais de saúde e se vos sucedem todas as coisas como desejais, dou graças a Deus, em quem ponho a minha esperança. 21Quanto a mim, prostrado pela doença, lembro-me com prazer dos vossos sentimentos de respeito e de benevolência para comigo. Ao voltar das regiões da Pérsia, surpreendido por uma doença cruel, julguei necessário olhar pela segurança de todos. 22Não é que desespere do meu estado, ao contrário, tenho a firme esperança de escapar desta doença.
23Mas lembro-me que meu pai designava sempre o seu sucessor, cada vez que partia em expedição às províncias do planalto. 24Queria que no caso de uma desgraça ou má notícia, os habitantes do país não se perturbassem, uma vez que, de antemão, sabiam a quem pertencia o mando. 25Sei, além disso, que os príncipes que me rodeiam e os vizinhos do meu reino estão atentos, à espera do que possa suceder.
Por isso, já designei, como rei, o meu filho Antíoco, ao qual, noutras ocasiões, confiei e recomendei muitos de vós, quando partia para as províncias do planalto. A ele escrevi a carta que segue. 26Rogo-vos, portanto, e peço que, em memória dos meus benefícios para convosco, tanto gerais, como particulares, tenhais para com o meu filho a mesma benevolência que para comigo, 27pois estou convencido de que ele seguirá as minhas intenções e usará para convosco de moderação e condescendência.»
28Enfim, ferido mortalmente, este homicida e blasfemador, do mesmo modo que tinha tratado a tantos outros, acabou a sua vida, nas montanhas dum país estrangeiro, com uma morte infeliz. 29Filipe, seu amigo de infância, trasladou-lhe o corpo mas, temendo o filho de Antíoco, partiu para junto de Ptolomeu Filométor, no Egipto.
Purificação do templo e festa da Dedicação (1 Mac 4,36-61) 1Macabeu e os seus companheiros, sob a protecção do Senhor, recuperaram o templo e a cidade. 2Destruíram os altares que os gentios tinham edificado nas praças públicas, assim como os troncos sagrados. 3Depois de terem purificado o templo, erigiram um novo altar; com o fogo saído da pederneira, ofereceram sacrifícios, após dois anos de interrupção; queimaram o incenso, acenderam as lâmpadas e recolocaram os pães da oferenda. 4Feitas estas coisas, prostraram-se por terra e rogaram ao Senhor que os livrasse de semelhantes calamidades; mas se eles recaíssem nas ofensas, que os corrigisse com benignidade e não os entregasse nas mãos das nações ímpias e bárbaras.
5No mesmo dia do aniversário da profanação do templo pelos estrangeiros, isto é, no dia vinte e cinco do mês de Quisleu, fez-se a sua purificação. 6Celebraram esta festa com grande regozijo, por espaço de oito dias, à semelhança da festa das Tendas, recordando que, pouco antes, tinham passado esta solenidade das Tendas nas montanhas e nas cavernas, como animais selvagens. 7Por esse motivo, levavam ramalhetes, ramos verdejantes e palmas em honra daquele que lhes tinha concedido a dita de purificar o seu lugar santo. 8Decretaram, por um édito público, que toda a nação judia celebrasse cada ano esta festa, na mesma altura.
III. CAMPANHAS MILITARES DE JUDAS MACABEU (10,9-15,36)
Início do Reino de Antíoco Eupátor – 9Acabámos de narrar as circunstâncias da morte de Antíoco, chamado Epifânio. 10Agora referiremos os acontecimentos de Antíoco Eupátor, filho do ímpio Antíoco, resumindo os males causados pelas guerras. 11Quando começou a reinar, este príncipe entregou os negócios do reino a um certo Lísias, governador militar da Celessíria e da Fenícia. 12Ora, Ptolomeu, chamado Macron, resolvera mostrar-se justo para com os judeus, tendo em vista a perseguição movida contra eles, e procurou governá-los pacificamente,13mas foi denunciado a Eupátor pelos amigos do rei. E como, por outro lado, lhe chamavam traidor, por ter abandonado Chipre, que lhe tinha confiado Filométor, e por se ter posto ao serviço de Antíoco Epifânio, ao ver que não podia exercer com honra o seu alto posto, desesperado, envenenou-se e morreu.
Górgias e as fortalezas de Idumeia (1 Mac 5,1-8) – 14Górgias, nomeado chefe do exército daquelas províncias, assalariava tropas estrangeiras e aproveitava todas as ocasiões para importunar os judeus. 15Ao mesmo tempo, os idumeus, senhores de várias fortalezas importantes, molestavam os judeus e, acolhendo os judeus expulsos de Jerusalém, mantinham um contínuo estado de guerra. 16Então, Macabeu e os seus companheiros, depois de terem rezado e invocado o auxílio de Deus, assaltaram as fortalezas da Idumeia. 17Atacaram-nas com coragem e apoderaram-se delas; repeliram os que combatiam sobre as muralhas e mataram os que caíam nas suas mãos, pelo menos vinte mil homens. 18Uns nove mil fugitivos procuraram abrigo em duas fortalezas, apetrechadas para aguentar um assédio.
19Macabeu deixou Simão, José e Zaqueu com bastantes homens para os combater, e dirigiu, em pessoa, a luta onde era mais urgente. 20Os companheiros de Simão, ávidos de dinheiro, deixaram-se subornar por alguns dos que se achavam nas torres da cidadela e, por setenta mil dracmas, favoreceram a fuga de um certo número. 21Ouvindo estas notícias, Macabeu acusou-os diante da assembleia dos chefes do exército, por terem vendido os seus irmãos a troco de dinheiro, dando liberdade aos inimigos. 22Mandou executá-los como traidores e, em seguida, apoderou-se das duas cidadelas. 23Esta empresa por ele mesmo dirigida foi coroada de feliz êxito, e matou mais de vinte mil homens nas duas fortalezas.
Vitórias de Judas sobre Timóteo – 24Timóteo, que antes fora vencido pelos judeus, juntou numerosas tropas estrangeiras e reuniu numerosa cavalaria vinda da Ásia; marchou em direcção à Judeia, com a intenção de a conquistar pelas armas. 25Ao mesmo tempo que Timóteo se aproximava, Macabeu e os seus companheiros cobriram a cabeça com terra, cingiram os rins com cilícios 26e, prostrados aos pés do altar, rogaram a Deus que tivesse piedade deles, mostrando-se inimigo dos seus inimigos e adversário dos seus adversários, conforme a promessa da lei. 27Terminada a oração, empunharam as armas, retiraram-se para longe da cidade e acamparam diante do inimigo.
28Ao raiar da aurora, os dois exércitos travaram combate, contando uns, como penhor do êxito da vitória, além da sua valentia, com o socorro do Senhor; os outros foram para a batalha, apoiados apenas no seu próprio esforço. 29No auge da luta, os inimigos viram aparecer no céu cinco magníficos guerreiros, montados em cavalos com freios de ouro, que se colocaram à frente dos judeus. 30Dois deles colocaram-se de um e de outro lado do Macabeu, protegiam-no com as suas armas, tornando-o invulnerável. Ao mesmo tempo, lançavam dardos e raios sobre os inimigos, que, feridos de cegueira, sucumbiam cheios de espanto. 31Foram, assim, mortos vinte mil e quinhentos soldados de infantaria e seiscentos cavaleiros.
32Timóteo fugiu para uma praça forte, chamada Guézer, cujo governador era Quereias. 33Macabeu e os que se achavam com ele, cheios de entusiasmo, assediaram-na durante quatro dias. 34Os que nela se encontravam, confiados na fortaleza da praça, blasfemavam incessantemente e proferiam palavras injuriosas. 35Porém, ao amanhecer o quinto dia, um grupo de vinte jovens do exército de Macabeu, inflamados de cólera por causa dessas blasfémias, subiram corajosamente à muralha e mataram todos os que se lhes opunham. 36Outros subiram igualmente o muro, atearam fogo às torres, onde queimaram vivos os blasfemadores; arrombadas as portas, entrou o resto do exército e apoderou-se da cidade. 37Mataram Timóteo, oculto numa cisterna, seu irmão Quereias e Apolófanes. 38Após esta façanha, cantaram hinos e cânticos ao Senhor, que tinha realizado grandes prodígios a favor de Israel, dando-lhes a vitória.
Primeira expedição de Lísias (1 Mac 4,28-35) – 1Mas pouco tempo depois, Lísias, tutor e parente do rei, regente do reino, sentindo muito pesar pelo que tinha acontecido, 2reuniu aproximadamente oitenta mil homens e toda a cavalaria e dirigiu-se contra os judeus. Estava resolvido a transformar Jerusalém numa cidade grega, 3a submeter o templo a um tributo como os templos pagãos e a pôr à venda, cada ano, a dignidade de Sumo Sacerdote. 4Não reflectia no poder de Deus, mas confiava presunçosamente na sua numerosa infantaria, nos seus milhares de cavaleiros e nos seus oitenta elefantes. 5Tendo entrado na Judeia, aproximou-se de Bet-Sur, que é uma praça forte situada a cinco estádios de Jerusalém, e atacou-a.
6Porém, logo que Macabeu e os que estavam com ele souberam que Lísias sitiava as suas fortalezas, oraram ao Senhor juntamente com o povo, entre suspiros e lágrimas, para que Ele se dignasse enviar um anjo bom, a fim de salvar Israel. 7O próprio Macabeu foi o primeiro a pegar em armas e exortou os demais a exporem-se com ele ao perigo, para socorrer os seus irmãos. Avançaram todos com ânimo resoluto.8Estavam ainda muito perto de Jerusalém, quando apareceu diante deles um cavaleiro vestido de branco, brandindo as suas armas de ouro.9Então, bendisseram todos juntos ao Senhor e, cheios de coragem, dispuseram-se a atacar não só os homens e os animais ferozes, mas até as muralhas de ferro. 10Avançaram, pois, em ordem de batalha, com este auxiliar enviado do Céu pela misericórdia do Senhor. 11E como leões, lançaram-se sobre os inimigos; mataram onze mil de infantaria e seiscentos cavaleiros e puseram em fuga todos os outros. 12A maior parte deles, feridos e sem armas, pôs-se a salvo. O próprio Lísias salvou-se, fugindo vergonhosamente.
Paz com os judeus (1 Mac 6,57-61) – 13Como não lhe faltava talento, Lísias reflectiu na derrota e concluiu que os hebreus eram invencíveis, porque o Deus poderoso combatia com eles. 14Enviou-lhes uma proposta em condições justas, prometendo-lhes persuadir o rei a tornar-se amigo deles. 15Macabeu aceitou todas as propostas de Lísias, tendo sobretudo em conta a utilidade pública. Efectivamente, tudo o que Macabeu propôs por escrito a Lísias, a favor dos judeus, o rei lho concedeu.
16A carta que Lísias escreveu aos judeus era do seguinte teor:
17«Lísias ao povo judeu, saúde! João e Absalão, vossos mensageiros, entregaram-me as vossas propostas e rogaram-me que as aceitasse.18Expus, portanto, ao rei tudo o que devia comunicar-lhe, e ele concordou com tudo, na medida do possível. 19Se vós, pois, permanecerdes fiéis ao estado, continuarei, doravante, a obter-vos favores. 20Eu incumbi os vossos mensageiros e os meus de tratarem convosco as cláusulas do acordo e seus pormenores. 21Passai bem. Aos vinte e quatro do mês de Dióscoro, do ano cento e quarenta e oito.»
22Era este o conteúdo da carta do rei:
«O rei Antíoco a seu irmão Lísias, saúde! 23Tendo partido o nosso pai para junto dos deuses, desejamos que os povos que pertencem ao nosso reino vivam em paz e possam dedicar-se tranquilamente aos seus negócios. 24Soubemos, no entanto, que os judeus resistem em adoptar os costumes gregos, conforme a decisão do nosso pai, mas preferem conservar os seus costumes e pedem a nossa permissão, para que possam viver segundo a sua lei. 25Querendo, pois, que este povo viva igualmente em paz, decretamos que o templo lhes seja restituído, a fim de que vivam segundo as leis dos seus antepassados. 26Farás bem em lhes enviar mensageiros para concluir a paz com eles, de modo que, conhecendo as nossas intenções, fiquem tranquilos e voltem sem receio aos seus afazeres.»
27A carta do rei ao povo judeu era do seguinte teor:
«O rei Antíoco ao conselho dos anciãos e aos demais judeus, saúde! 28Fazemos votos que estejais de saúde! Nós estamos bem. 29Contou-nos Menelau que desejais regressar para junto dos vossos. 30A todos os que o façam até ao dia trinta do mês de Xântico, concedemos-lhes autorização e segurança. 31Permito também aos judeus o uso das suas próprias iguarias e os seus costumes, como outrora, e ninguém de entre eles será molestado pelas transgressões passadas. 32Ordenei a Menelau que vos confirme tudo isto. 33Passai bem. Ano cento e quarenta e oito, no dia quinze do mês de Xântico.»
34Também os romanos enviaram aos judeus uma carta, nestes termos:
«Quinto Mémio e Tito Mânio, legados romanos, ao povo judeu, saúde! 35Concedemos-vos todas as coisas que Lísias, parente do rei, vos outorgou. 36Quanto ao que ele julgou necessário ser submetido ao rei, enviai-nos alguém sem demora, a fim de resolvermos conforme vos seja mais vantajoso, porque vamos para Antioquia. 37Apressai-vos, pois, a enviar-nos mensageiros, para que saibamos bem quais são os vossos desejos. 38Passai bem! Ano cento e quarenta e oito, no dia quinze do mês de Xântico.»
Judas em Jope e Jâmnia – 1Concluídos estes tratados, Lísias voltou para junto do rei, e os judeus dedicaram-se aos trabalhos dos campos.2Mas os chefes militares locais, como Timóteo, Apolónio, filho de Geneu, Jerónimo, Demofonte e Nicanor, chefe dos cipriotas, não os deixavam viver em paz e em repouso. 3Por outro lado, os habitantes de Jope praticaram o seguinte atentado: convidaram os seus vizinhos judeus a subir com as suas mulheres e filhos para as barcas, preparadas por eles, como se não houvesse inimizade alguma entre uns e outros, 4e agiram, seguindo uma decisão votada pela cidade. Os judeus, condescendentes e sem nada suspeitarem, anuíram; mas, quando chegaram ao alto mar, foram afogados em número de, pelo menos, duzentas pessoas.
5Quando Judas soube do crime praticado contra os seus compatriotas, convocou os seus homens. 6Depois de ter invocado a Deus, justo juiz, marchou contra os assassinos dos seus irmãos, e de noite ateou fogo ao porto, incendiou as embarcações e passou ao fio da espada os que ali se tinham refugiado. 7 Como a cidade estivesse fechada, afastou-se, mas com a intenção de voltar a exterminar todos os habitantes de Jope. 8Informado de que os habitantes de Jâmnia queriam tratar do mesmo modo os judeus que viviam com eles, 9atacou-os naquela mesma noite, incendiou o porto e queimou as embarcações. Podia observar-se o clarão do fogo desde Jerusalém, que dista dali duzentos e quarenta estádios.
Expedição em Guilead (1 Mac 5,9-54) 10Percorridos já nove estádios no seu avanço contra Timóteo, os árabes atacaram-no em número de cinco mil soldados de infantaria e quinhentos cavalos. 11Travou-se um violento combate mas, com a ajuda de Deus, os soldados de Judas venceram-nos, e os árabes, vencidos, pediram a paz, comprometendo-se a dar-lhes gado e a auxiliá-los em tudo. 12Convencido de que, na verdade, eles lhe poderiam ser úteis, Judas concedeu-lhes a paz e, concluída esta, regressaram às suas tendas.
13Depois disto, Judas atacou uma cidade forte, chamada Caspin, cercada de muralhas e habitada por diferentes povos. 14Confiados na firmeza dos seus muros e na abundância das suas provisões, os sitiados provocavam as tropas de Judas, lançando-lhes injúrias, blasfémias e palavras ofensivas. 15Os de Judas, invocando o grande Soberano do mundo que, no tempo de Josué, derrubou os muros de Jericó sem aríetes nem máquinas de guerra, assaltaram furiosamente as muralhas. 16Uma vez senhores da cidade pela vontade de Deus, praticaram uma indescritível carnificina, a ponto de uma lagoa vizinha, com a largura de dois estádios, parecer ter ficado cheia com sangue derramado.
Batalha de Carnion (1 Mac 5,37-44) 17Depois de uma caminhada de setecentos e cinquenta estádios, chegaram a Cáraca, onde habitavam judeus chamados tobianeus. 18Mas não encontraram ali Timóteo, que se tinha retirado daquela região sem ter conseguido nada, deixando numa fortaleza uma guarnição muito forte. 19Dositeu e Sosípatro, comandantes das tropas de Macabeu, foram atacar esse ponto fortificado e mataram todos os homens que Timóteo ali tinha deixado, isto é, mais de dez mil. 20Entretanto, Macabeu dividiu o seu exército em batalhões, pôs aqueles comandantes à frente deles e avançou contra Timóteo, que estava rodeado de cento e vinte mil infantes e dois mil e quinhentos cavaleiros. 21Logo que teve conhecimento da chegada de Judas, Timóteo mandou as mulheres, as crianças e as bagagens para uma fortaleza chamada Carnion, porque era inexpugnável e de acesso muito difícil, por causa dos desfiladeiros.
22Quando apareceu o primeiro batalhão de Judas, o terror apoderou-se dos inimigos, porque aquele que vê todas as coisas manifestou-se aos seus olhos, e fugiram em todas as direcções, ferindo-se mutuamente uns aos outros e trespassando-se com as próprias espadas. 23Judas perseguiu encarniçadamente estes malfeitores, castigando e matando trinta mil homens. 24O mesmo Timóteo caiu nas mãos dos homens de Dositeu e de Sosípatro, aos quais pediu com grande astúcia que lhe poupassem a vida, porque tinha em seu poder muitos pais e irmãos de judeus que, se ele fosse morto, seriam executados como represália. 25Dada a sua palavra com toda a segurança de que libertaria os prisioneiros sem lhes fazer mal, soltaram-no, para salvar os seus irmãos. 26Feito isto, Judas partiu para Carnion e para o templo de Atergates e matou vinte e cinco mil homens.
Tomada de Efron e Citópolis (1 Mac 5,45-54) – 27Depois desta perseguição e matança, Judas conduziu as tropas contra Efron, cidade forte onde habitava Lísias e uma multidão de gente de todas as nações. Jovens valentes, colocados em frente da muralha, defendiam-na com coragem; dentro dela havia grande provisão de máquinas e de projécteis. 28Os judeus invocaram o Soberano que tem o poder de aniquilar as forças dos inimigos, tomaram a cidade e mataram vinte e cinco mil homens. 29Dali partiram para a cidade de Citópolis, que dista seiscentos estádios de Jerusalém. 30Mas os judeus que nela habitavam atestaram que os habitantes de Citópolis tinham usado de benevolência e os tinham tratado com deferência, no tempo da perseguição. 31Judas e os seus agradeceram-lhes e exortaram-nos a serem benévolos para com os da sua raça; em seguida entraram em Jerusalém, porque se aproximava a festa das Semanas.
Campanha contra Górgias – 32Passada a festa de Pentecostes, Judas avançou contra Górgias, comandante militar da Idumeia, 33que saiu ao encontro dele com três mil infantes e quatrocentos cavaleiros. 34Travou-_-se uma batalha, na qual pereceram alguns judeus. 35Dositeu, um dos cavaleiros de Bacenor, muito corajoso, agarrou Górgias pelo manto e arrastava-o à força, para o capturar vivo, mas precipitou-se sobre ele um cavaleiro da Trácia e decepou-lhe um ombro; deste modo, Górgias fugiu para Marecha. 36As tropas de Esdris, que combatiam há muito tempo, já estavam fatigadas. Então, Judas invocou o Senhor para que as protegesse e dirigisse o combate. 37E começando a entoar cantos de guerra na língua pátria, caiu de surpresa sobre os soldados de Górgias e pô-los em fuga.
Sacrifício pelos mortos – 38Depois, reunindo Judas o seu exército, alcançou a cidade de Adulam e, chegado o sétimo dia da semana, purificaram-se segundo o costume e celebraram ali o sábado. 39No dia seguinte, Judas e os seus companheiros foram levantar os corpos dos mortos, para os depositar na sepultura, ao lado dos seus pais. 40Então, sob a túnica dos que tinham tombado, encontraram objectos consagrados aos ídolos de Jâmnia, proibidos aos judeus pela lei, e todos reconheceram que fora esta a causa da sua morte. 41Bendisseram, pois, a mão do Senhor, justo juiz, que faz aparecer as coisas ocultas, 42e puseram-se em oração, para lhe implorar perdão completo pelo pecado cometido.
O nobre Judas convocou a multidão e exortava-a a evitar qualquer transgressão, tendo diante dos olhos o mal que tinha sucedido aos que, pouco antes, tinham morrido por causa dos pecados. 43E mandou fazer uma colecta, recolhendo cerca de duas mil dracmas, que enviou a Jerusalém, para que se oferecesse um sacrifício pelo pecado, agindo digna e santamente ao pensar na ressurreição; 44porque, se não esperasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. 45E acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente. Era este um pensamento santo e piedoso. Por isso pediu um sacrifício expiatório, para que os mortos fossem livres das suas faltas.
Campanha de Antíoco V e de Lísias – 1No ano cento e quarenta e nove, os que estavam com Judas souberam que Antíoco Eupátor marchava contra a Judeia com um considerável exército, 2acompanhado de Lísias, seu tutor e regente do reino. Cada um comandava tropas gregas, em número de cento e dez mil infantes, cinco mil e trezentos cavaleiros, vinte e dois elefantes e trezentos carros armados de foices.3Menelau juntou-se também a eles e, com grande astúcia, exortava Antíoco, não para salvar a sua pátria, mas esperando ser confirmado no poder. 4Mas o Rei dos reis excitou a cólera de Antíoco contra este celerado e, tendo-o Lísias acusado de ser a causa de todos estes males, o rei mandou conduzi-lo a Bereia para que fosse morto, segundo o costume do país. 5Ora, havia ali uma torre de cinquenta côvados, cheia de cinza e munida de uma máquina giratória, inclinada para a cinza de todos os lados; 6com ela lançavam à cinza o culpado de roubo sacrílego ou de outros horrendos crimes, para o matar. 7Foi nesse suplício que morreu Menelau, o prevaricador, que, assim, ficou privado de sepultura.8E isto foi justo, porque ele tinha cometido muitos pecados contra o altar, cujo fogo e cinzas são sagrados. Por isso, foi na cinza que encontrou a morte.
Oração e vitória dos judeus perto de Modin – 9Entretanto, o rei prosseguia a sua marcha, maquinando os mais bárbaros planos, para tratar os judeus pior do que fizera o seu pai. 10Sabendo disto, Judas mandou ao povo que invocasse o Senhor, noite e dia, para que então, mais do que nunca, Ele viesse em socorro daqueles que estavam ameaçados de perder a lei, a pátria e o santo templo; 11e que não permitisse que o povo, pouco antes libertado, fosse subjugado novamente pelas nações ímpias. 12Rezaram todos juntos e invocaram a misericórdia do Senhor, entre lágrimas e jejuns, prostrados em terra, por espaço de três dias consecutivos; Judas exortou-os a que estivessem preparados.13Depois de consultar os anciãos, decidiram não esperar que o exército do rei entrasse na Judeia e se apoderasse da cidade, mas sair logo e, com o auxílio de Deus, travar a batalha decisiva.
14Entregou, pois, a sorte das armas ao Criador do mundo e encorajou os seus companheiros a lutar valorosamente até à morte, em defesa das leis, do templo, da cidade, da pátria e da nação. Fez acampar o seu exército perto de Modin. 15Depois de ter dado aos seus homens por palavra de ordem «Vitória de Deus», tomou consigo os jovens mais corajosos das suas tropas e atacou de noite o acampamento do rei, matando cerca de dois mil homens e o maior dos elefantes, com o guerreiro que ia em cima. 16Por fim, espalharam pelo campo o terror e a confusão, e retiraram-se, triunfantes. 17Ao raiar do dia, tudo estava acabado, graças à protecção de Deus.
Antíoco faz a paz com os judeus (1 Mac 6,55-63) – 18O rei, perante a audácia dos judeus, tentou apoderar-se das fortificações por meio de estratagemas. 19Partiu, a fim de sitiar Bet-Sur, praça forte dos judeus, mas foi repelido e derrotado e viu-se cada vez mais enfraquecido.20Judas reabastecia os sitiados. 21Rodoco, combatente no exército dos judeus, revelou os segredos da defesa aos inimigos. Mas, apanhado, foi preso e metido no cárcere. 22Pela segunda vez, o rei iniciou negociações com os habitantes de Bet-Sur e, feitas as pazes com eles, retirou-se. Atacou o exército de Judas, mas foi vencido. 23Soube, então, que Filipe, a quem deixara em Antioquia como encarregado dos negócios do reino, se revoltara, e ficou apreensivo. Propôs aos judeus que aceitassem as suas condições, jurando atender as suas justas petições. Reconciliados, ofereceu um sacrifício, presenteou o templo e mostrou-se benévolo para com a cidade. 24Acolheu com agrado o Macabeu e nomeou Hegemónides general e governador da região, desde Ptolemaida até à terra de Gerra. 25Mas quando o rei se dirigiu a Ptolemaida, os habitantes estavam descontentes com este tratado e, indignados, queriam anular os decretos promulgados. 26Lísias subiu, então, à tribuna, defendeu-os como pôde, persuadiu e apaziguou o povo, levando-o a melhores sentimentos. Depois, regressou a Antioquia. E assim aconteceu a vinda e a retirada do rei.
Intervenção do Sumo Sacerdote Alcimo (1 Mac 7,8-38) – 1Três anos mais tarde, Judas e os seus amigos souberam que Demétrio, filho de Seleuco, tinha desembarcado em Trípoli da Fenícia com um poderoso exército e uma grande esquadra; 2soube, também, que o país caíra nas suas mãos e que tinha dado a morte a Antíoco e ao seu tutor Lísias.
3Entretanto, um certo Alcimo, outrora Sumo Sacerdote, mas voluntariamente contaminado por ocasião da introdução dos costumes pagãos, considerando que já não lhe restava nenhuma esperança de salvação, nem possibilidade de jamais se aproximar do altar, 4foi ter com o rei Demétrio, no ano cento e cinquenta e um. Presenteou-o com uma coroa de ouro, uma palma, além de alguns ramos de oliveira, que eram oferecidos no templo. Naquele dia, contudo, não lhe disse nada.
5Mas aproveitou a ocasião propícia para executar a sua maldade, quando foi chamado ao conselho por Demétrio e interrogado sobre as disposições e intentos dos judeus. Então respondeu ele:
6«Aqueles judeus, que se chamam hassideus, à frente dos quais se encontra Judas Macabeu, fomentam a guerra e a sedição e impedem que o reino goze de paz. 7E eu mesmo, despojado da minha dignidade hereditária, quero dizer, do sumo sacerdócio, vim agora aqui,8primeiramente por ser fiel aos interesses do rei e, depois, para zelar pelo bem dos meus compatriotas, pois, pela temeridade dos que citei, toda a nossa nação se encontra em grande miséria. 9Quando fores informado de todas estas coisas, ó rei, pela benevolência que testemunhas a todos, toma as medidas necessárias, para a salvação do nosso país e da nossa raça ameaçada. 10Enquanto Judas estiver vivo, é impossível que ali haja paz.»
11Dito isto, os restantes amigos do rei, hostis à causa de Judas, acenderam ainda mais a cólera de Demétrio. 12Este designou imediatamente Nicanor, ex-comandante do corpo de elefantes, e promoveu-o a governador militar da Judeia, ordenando-lhe 13que partisse para matar Judas, dispersar as suas tropas e instalar Alcimo como sacerdote do grande templo. 14Então, os gentios, que por temor a Judas tinham fugido da Judeia, agruparam-se ao lado de Nicanor, imaginando que a miséria e as perdas dos judeus seriam para eles prosperidade.
Nicanor faz-se amigo de Judas – 15Os judeus, ao ouvirem falar da expedição de Nicanor e do ataque dos gentios, cobriram a cabeça de pó e rezaram àquele que estabeleceu o seu povo para sempre e, em todo o tempo, de modo visível, defendeu a sua herança. 16Às ordens do seu chefe, o exército avançou imediatamente e encontrou o inimigo perto da aldeia de Dessau. 17Simão, irmão de Judas, tinha começado o combate com Nicanor, mas sofreu um pequeno revés com a repentina chegada de novos inimigos. 18Contudo, Nicanor, conhecendo a coragem dos homens de Judas e a grandeza de ânimo com que eles se atiravam ao combate pela pátria, temeu expor a sua sorte à decisão da batalha.
19Assim, enviou à frente Possidónio, Teódoto e Matatias, para apresentar e receber propostas de paz. 20Essas propostas de paz foram por muito tempo examinadas; o general comunicou-as às tropas e foram aceites por todos. 21Fixaram um dia para que os chefes conferenciassem secretamente. De um lado e do outro, avançou um carro e trouxeram uma cadeira de honra para cada um. 22Judas colocou homens armados em lugares estratégicos, prontos para qualquer eventualidade, se os adversários cometessem alguma perfídia.
A conferência dos chefes foi satisfatória. 23Nicanor passou a residir em Jerusalém, sem perturbar ninguém e despediu aquela multidão de tropas que tinha trazido consigo. 24Procurava constantemente a companhia de Judas, com uma amizade sincera. 25Insistiu para que ele se casasse e tivesse filhos. Judas casou-se, gozou de tranquilidade e teve vida feliz.
Renascimento das hostilidades 26Verificando Alcimo os sentimentos recíprocos de ambos os chefes, investigou as cláusulas do tratado e dirigiu-se a Demétrio, acusando Nicanor de conjuração contra o estado, porque tinha designado para seu sucessor Judas, o inimigo do reino.27O rei, exasperado e provocado pelas calúnias deste malvado, escreveu a Nicanor, dizendo-lhe que estava descontente com os tratados feitos, e ordenou-lhe que enviasse o Macabeu preso, o mais depressa possível, para Antioquia.
28Recebendo esta notícia, Nicanor ficou consternado e triste por ter de violar o tratado feito, sem que tivesse recebido qualquer agravo. 29Mas, não podendo contrariar as ordens do rei, procurava ocasião de executar ardilosamente a ordem recebida. 30Reparando Macabeu que Nicanor se mostrava mais rude para com a sua pessoa, e que as suas relações não eram tão amigáveis como de costume, pensou que este procedimento era mau presságio. Reunindo, pois, um grupo numeroso dos seus partidários, ocultou-se de Nicanor.
31Logo que percebeu que tinha sido vencido pela habilidade de Judas, dirigiu-se ao grande e sublime templo, onde os sacerdotes ofereciam o sacrifício, e ordenou-lhes que lhe entregassem esse homem. 32Os sacerdotes, porém, juraram-lhe que nada sabiam do paradeiro do homem que procurava. 33Então, estendendo a mão para o templo, jurou: «Se não me entregardes Judas preso, arrasarei este templo de Deus, destruirei o altar e no mesmo lugar edificarei um magnífico templo a Baco.» 34E dito isto, retirou-se. Os sacerdotes, então, ergueram as mãos ao céu e invocaram aquele que sempre pelejou pelo seu povo, dizendo:
Suicídio de Razis – 37Aconteceu também que Razis, um dos anciãos de Jerusalém, foi denunciado a Nicanor. Era um homem dedicado aos seus concidadãos, de grande reputação, ao qual chamavam pai dos judeus, por causa da sua benevolência. 38Anteriormente, por ocasião da resistência ao paganismo, fora acusado de judaísmo e, pelo judaísmo, expusera o seu corpo e a sua vida com toda a coragem. 39Nicanor, que pretendia dar prova da sua hostilidade para com os judeus, enviou mais de quinhentos homens, a fim de o prender. 40Julgava que, prendendo-o, causaria aos judeus um gravíssimo dano. 41Mas, no momento em que os soldados se iam apoderar da torre da casa e forçar a entrada, e dada a ordem de atear fogo e incendiar as portas, Razis, estando para ser preso, feriu-se com a espada, 42preferindo morrer nobremente a cair nas mãos dos ímpios e receber ultrajes indignos da sua nobreza. 43Mas, como na precipitação com que se feriu, a ferida não fosse mortal e os soldados invadissem já a casa, resolutamente correu para cima do muro e, com coragem, precipitou-se de modo a cair sobre eles;44estes afastaram-se com rapidez e Razis caiu no espaço deixado vazio. 45E como ainda respirasse, cheio de ardor, ergueu-se e, embora o seu sangue jorrasse como uma fonte das suas terríveis feridas, atravessou a multidão a correr. Subiu para uma rocha escarpada 46e, já exausto, arrancou as entranhas com as próprias mãos, e lançou-as sobre os inimigos, pedindo àquele que manda na vida e no espírito que lhas restituísse um dia. E acabou a vida desta maneira.
Ataque de Nicanor – 1Nicanor, ao ser informado de que Judas e os seus aliados se encontravam nas fronteiras da Samaria, resolveu atacá-los, com toda a segurança, no dia de sábado. 2Os judeus que eram obrigados a segui-lo admoestaram-no, dizendo: «Não procedas tão ferozmente nem com tanta selvajaria, mas respeita o dia escolhido e especialmente santificado por aquele que tudo vê.»
3Mas aquele homem, três vezes celerado, perguntou se existia no Céu algum soberano que tivesse mandado celebrar o dia de sábado. 4E eles responderam-lhe: «Sim, foi o Senhor vivo e Soberano, que está no Céu, quem ordenou a celebração do sétimo dia.» 5Ele replicou: «Pois eu também sou soberano sobre a terra e ordeno que se tomem as armas e se executem as ordens do rei.» Mas não pôde executar o seu desígnio criminoso.
Exortação e sonho de Judas – 6Enquanto Nicanor, no auge do seu orgulho, pensava erigir um troféu comum com os despojos de Judas e dos seus companheiros, 7o Macabeu esperava sempre, com inteira confiança, que o Senhor o assistiria com o seu auxílio. 8E exortava os seus a que não temessem o ataque dos gentios, que se lembrassem dos auxílios já obtidos do Céu e que esperassem que, também agora, o Omnipotente lhes ia conceder a vitória. 9Encorajou-os, lendo-lhes testemunhos da Lei e dos Profetas, lembrou-lhes os combates que outrora tinham sustentado, dando-lhes com isto novo ardor. 10Depois de lhes ter reanimado a coragem, fez-lhes ver a perfídia dos gentios e a violação dos seus juramentos.
11Assim, armou cada um deles não com a protecção das lanças e dos escudos, mas com a confiança das suas alentadoras palavras. E sobretudo, alegrou-os, contando-lhes uma visão digna de toda a fé. 12Eis a visão que tivera: Onias, que tinha sido Sumo Sacerdote, homem nobre e bom, modesto no seu aspecto, de carácter ameno, distinto na sua linguagem e exercitado desde menino na prática de todas as virtudes, com as mãos levantadas, orava por toda a comunidade dos judeus. 13Apareceu-lhe também outro varão com os cabelos todos brancos, de aparência muito venerável e aureolado de admirável e magnífica majestade. 14Dirigindo-lhe a palavra, Onias disse: «Eis o amigo dos seus irmãos, aquele que reza muito pelo povo e pela cidade santa, Jeremias, profeta de Deus.» 15E Jeremias, estendendo a mão, entregou a Judas uma espada de ouro e, ao dar-lha, disse: 16«Toma esta santa espada, dom de Deus, com a qual triunfarás dos inimigos.»
Derrota e morte de Nicanor (1 Mac 7,39-50) – 17Alentados com estas palavras de Judas, capazes de dar vigor e levar até ao heroísmo as almas dos jovens, os judeus decidiram não acampar, mas atacar de frente e combater vigorosamente os inimigos, a fim de decidir a causa, porque a cidade, a religião e o templo estavam em perigo. 18Não lhes causavam preocupação as mulheres, as crianças, os seus irmãos e os seus parentes. A primeira e principal inquietação que tinham era a purificação do templo.
19Não era menor a ansiedade dos que tinham ficado na cidade, inquietos pela luta que se ia travar fora, na planície. 20E quando todos aguardavam já a batalha decisiva, prestes a iniciar-se, e os inimigos se aproximavam em ordem de batalha, os elefantes, colocados em lugares convenientes, e a cavalaria disposta nas alas, 21o Macabeu, ao ver esta multidão imensa, o aparato de armas tão diversas e o aspecto temível dos elefantes, ergueu as mãos ao céu e invocou o Senhor, que opera prodígios. Sabia muito bem que não é pela força das armas que se obtém a vitória, senão que Deus a outorga aos que Ele julga dignos dela. 22Então invocou o Senhor desta maneira:
25As tropas de Nicanor avançavam ao som das trombetas e de hinos guerreiros. 26Mas as de Judas travaram a batalha com os inimigos entre invocações e orações. 27Enquanto pelejavam com as mãos, oravam ao Senhor com o coração e, assim, mataram nada menos que trinta e cinco mil homens, sentindo-se cheios de alegria e de vigor com aquela manifestação de Deus. 28Quando, concluída a batalha, regressavam felizes, reconheceram Nicanor prostrado com a sua armadura.
29Então, entre gritos e alvoroço, louvaram ao Senhor na língua dos seus pais. 30Judas, que se consagrara de corpo e alma à defesa dos seus concidadãos e conservava para com os seus compatriotas o amor da sua juventude, ordenou que cortassem a cabeça, a mão e o braço de Nicanor, e os levassem para Jerusalém.
31Chegado à cidade, convocou os seus concidadãos e os sacerdotes diante do altar, e mandou chamar também os que se encontravam na cidadela. 32Mostrou-lhes a cabeça do ímpio Nicanor e a mão que este maldito tinha insolentemente levantado contra a morada Santa do Omnipotente. 33Depois, mandou cortar em pedaços a língua do ímpio para a lançar às aves e suspender diante do templo o braço, como paga da sua insensatez. 34E todos, levantando os olhos ao céu, louvaram o Senhor glorioso, dizendo: «Bendito seja aquele que preservou a sua morada de toda a impureza.»
35Judas suspendeu, também, a cabeça de Nicanor à entrada da cidadela, como sinal palpável e evidente para todos da protecção do Senhor.36De comum acordo, foi estabelecido que, futuramente, este dia não seria esquecido e devia ser celebrado no dia treze do décimo segundo mês – chamado Adar em língua aramaica – no dia anterior ao dia de Mardoqueu.
37Estes foram os acontecimentos relativos a Nicanor; e, porque, a partir deste dia, Jerusalém permaneceu em poder dos hebreus, terminarei também com isto a minha narração. 38Se ela está felizmente concebida e ordenada, era este o meu desejo; mas se está imperfeita e medíocre, foi o que pude fazer.
39Assim como é nocivo beber somente vinho ou somente água, mas agradável e verdadeiramente proveitoso é beber vinho misturado com água, assim também a disposição agradável do relato é o que causa prazer aos ouvidos do leitor. E, com isto, termino.
A questão da autoria do livro de Job está muito ligada aos modos e momentos segundo os quais se terá processado a formação deste conjunto literário. Definir a identidade de um autor por detrás da variedade literária que existe no livro, e que mais adiante analisaremos, não será fácil. É provável, no entanto, que o seu autor principal tenha sido um israelita, certamente bom conhecedor do pensamento hebraico tradicional; daí os contínuos paralelismos literários e doutrinais entre este livro e outros da Bíblia. Por outro lado, também conhecia as grandes preocupações do pensamento humanista nos países vizinhos da Bíblia. A síntese entre estes dois pólos está muito bem conseguida.
NOME E DATA
A personagem central desta história é que parece não ser uma figura hebraica. O nome de Job só aparece neste livro, em Ez 14,14.20 e Tg 5,11, como uma figura lendária do passado, situado nos tempos patriarcais e dotado de grande sabedoria. O autor israelita aproveitou tal figura para elaborar esta obra, do género sapiencial. Isto denota apreço pela sabedoria universal ou a vontade de reconhecer todos os valores, onde quer que eles se encontrem.
A data do livro é outra difícil questão. Grande parte dos estudiosos situa-o após o Exílio, baseando-se quer na dúvida corajosa face às categorias do pensamento religioso tradicional, quer em certas influências aramaicas sobre o hebraico em que o livro está escrito, quer numa certa abertura ao mundo exterior a Israel, para contrariar o ambiente xenófobo que se vivia em Jerusalém, depois do Exílio (séc. V a.C.), testemunhado em Esdras e Neemias. Mas há quem pense que o livro poderia ser bastante mais antigo. Argumentos: alguns aspectos linguísticos e o tema, que já tinha raízes em realizações muito anteriores nas literaturas do Médio Oriente Antigo.
LIVRO, TEMA E TEXTO
O livro de Job constitui, no contexto da Bíblia, um dado bem característico e original. Em primeiro lugar, porque enfrenta a questão da experiência religiosa pessoal como um objecto de reflexão e porque o faz com uma profundidade humana e um dramatismo dignos do melhor humanismo e da mais requintada arte literária; em segundo lugar, porque nem representa muito directamente a linguagem teológica mais característica do Antigo Testamento.
O facto é que este livro se impôs como um dos mais elevados momentos literários da Bíblia; e, para a História da teologia, da filosofia e da cultura, até aos dias de hoje, ficou a ser um verdadeiro marco miliário da tomada de consciência dos dramas da experiência humana.
A importância que este livro assumiu na Bíblia e nas religiões bíblicas – Judaísmo e Cristianismo – veio-lhe também, em grande parte, do facto de nele se exprimir um dos temas máximos da cultura e da literatura humanistas do Médio Oriente Antigo. É a questão do sofrimento e das suas repercussões, quer directamente na experiência de quem sofre, quer indirectamente na interacção que se produz entre as concepções morais e outras categorias religiosas fundamentais, tais como sofrimento e doença, pecado e castigo, santidade e felicidade. Enfim, é o problema de saber se existe alguma correlação justa ou lógica entre a maneira honesta como se vive e a maneira como a vida nos corre. Nos tempos bíblicos mais antigos, o Egipto, a Mesopotâmia e Canaã deixaram-nos exímios exemplos literários deste esforço de reflexão. É entre eles que o livro de Job encontra a sua base e se destaca como valor de primeira grandeza.
A maior parte do livro está escrita num hebraico de grande qualidade literária, que levanta, pelo seu estilo e vocabulário originais, algumas dificuldades de tradução. É natural que os simples leitores de uma Bíblia o notem ao comparar várias traduções e verificar como estas assinalam dificuldades de tradução de vários termos e passagens. Muito se tem estudado sobre ele e muito há ainda a estudar até se poder atingir a melhor compreensão, tanto do vocabulário como das subtilezas de construção sintáctica.
GÉNERO LITERÁRIO, ESTRUTURA E FORMAÇÃO
Do ponto de vista literário, o livro de Job apresenta-se dividido em duas secções principais, que se notam bem pela forma, pelo estilo e pelas ideias. A secção inicial e a final, ambas escritas em prosa, apresentam-nos a personagem central do livro, a figura de Job. É o que, no esquema proposto mais adiante, se chama prólogo e epílogo biográficos. No prólogo, Job aparece bem situado numa vida honesta e simultaneamente feliz; mas, depois, passa por experiências de desgraça que levantam a questão de saber se ele era, de facto, ou se continuou ou não a ser honesto; no epílogo, a sua situação aparece, por fim, inteiramente restaurada.
Esta evolução na acção dá importância à segunda secção do livro, que constitui a sua maior parte. Toda ela é uma discussão acesa sobre os problemas suscitados pelo aparecimento do sofrimento e de grandes desgraças na vida de um homem que não tinha culpa nem pecado. Esta parte em poesia é o essencial do livro, embora assente na situação de vida descrita pelo texto em prosa. O modelo literário é inspirado possivelmente nas discussões que se faziam nos ambientes culturais da época. Cada amigo apresenta um tipo de argumentação, e a discussão decorre, sem que Job, apesar do seu estado de sofrimento, se mostre desfalecido. Até para esclarecer as relações com Deus é utilizado o mesmo esquema. Numa intervenção final, Deus responde a todas as discussões anteriores. O livro apresenta-se, assim, como um autêntico tribunal de consciência, para o qual o próprio Deus é citado e onde toma assento.
Muitos estudiosos pensam que estas duas secções podem não ser da mesma época nem ter sido escritas pelo mesmo autor. A primeira é mais popular; a segunda é claramente mais complexa e profunda. Além disso, a parte designada como “Discurso de Eliú” (32-37) apresenta claros indícios de ter sido acrescentada posteriormente, quanto mais não seja porque ele não aparece na lista dos amigos que, segundo a narrativa inicial, foram ter com Job para o consolar. Estes aspectos da formação e da estrutura do livro são indícios de que a sua redacção pode ter tido uma história razoavelmente complexa.
DIVISÃO E CONTEÚDO
Propomos o esquema seguinte:
Os números VI, VII e VIII podiam constituir uma roda dialogal final, mas dotada de um espírito razoavelmente diferente dos três primeiros debates. Por isso, o elogio da sabedoria (28) poderia estar a servir de separador e transição.
TEOLOGIA
O livro de Job é essencialmente uma obra de reflexão e meditação; é mesmo um espaço para levantar questões ainda hoje dramáticas. Chamar teologia ao seu pensamento pode até fazer crer que ali se apresenta uma catequese ortodoxa e tranquila. E não é o caso. No entanto, podemos servir-nos da palavra teologia, enquanto aqui é focado um conjunto de problemas, cuja solução acaba por ir desembocar, em última análise, na concepção que se tem sobre Deus.
Por um lado, em Job rejeita-se um sistema de pensamento religioso: as posições moralistas e tradicionais da equivalência entre o sofrimento de uma pessoa e algum pecado por ela cometido. É o pensamento maioritariamente defendido pelos amigos de Job, com alguns matizes de diferença entre cada um deles. Por outro lado, o pensamento religioso do livro parece aproximar-se da nova consciência de Job, de onde emergem verdades já bastante evidentes para ele, mas que o deixam ainda muito inseguro e mesmo escandalizado. Mas nem todas as suas ideias são confirmadas, após a contemplação da sabedoria (28), o discurso de Eliú (32-37) e a intervenção final de Deus. Se as teses da religiosidade tradicional e popular sofrem uma forte contestação, também as novas sensações iniciais de Job chegam ao fim algo esbatidas. Job empreende uma reflexão amadurecida e profunda.
Em suma, neste livro recusa-se que a causalidade de todo o sofrimento deva ser atribuída, seja ao homem, seja a Deus. A ética e o ciclo da vida com os seus percursos naturais de sofrimento e morte são dois processos coexistentes, mas autónomos. Pretender misturá-los é simplista e inútil. A justiça e a acção de Deus não se podem medir com as regras de equivalência que são normais em justiça distributiva. Eis um dos mais marcantes contributos do livro de Job para esta importante questão do humanismo e da experiência religiosa. A sua atitude básica perante o sofrimento não é de moral legalista, nem é pietista, nem expiacionista. É uma atitude de corajoso acolhimento do real; é contemplativa e verificadora; é um caminho de sabedoria. É, por conseguinte, um espaço de transformação de si mesmo e dos factos. É ainda acolhimento do Deus invisível nas experiências humanas de paraíso e de deserto (19,25-26; 1 Cor 13,12).
Homem justo e temente a Deus 1Havia, na terra de Uce, um homem chamado Job. Era um homem íntegro e recto, que temia a Deus e se afastava do mal. 2Tinha sete filhos e três filhas. 3Possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois, quinhentas jumentas e uma grande quantidade de escravos. Este homem era o mais importante de todos os homens do Oriente.
4Os seus filhos costumavam ir, cada dia, à casa uns dos outros, para fazerem banquetes, e mandavam convidar as suas três irmãs para comerem e beberem com eles. 5Quando acabava a série dos dias de festim, Job mandava chamar os filhos para os purificar e, levantando-se na manhã seguinte, oferecia um holocausto por cada um deles, porque, dizia ele: «Talvez os meus filhos tenham pecado, ofendendo a Deus no seu coração.» Assim fazia Job todas as vezes.
As primeiras provações – 6Um dia em que os filhos de Deus se apresentavam diante do Senhor, o acusador, Satan, foi também junto com eles. 7O Senhor disse-lhe: «Donde vens tu?» Satan respondeu: «Venho de dar uma volta ao mundo e percorrê-lo todo.» 8O Senhor disse-lhe: «Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: homem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal.» 9Satan respondeu ao Senhor: «Porventura Job teme a Deus desinteressadamente? 10Não rodeaste Tu com uma cerca protectora a sua pessoa, a sua casa e todos os seus bens? Abençoaste o trabalho das suas mãos, e os seus rebanhos cobrem toda a região. 11Mas se estenderes a tua mão e tocares nos seus bens, verás que te amaldiçoará, mesmo na tua frente.» 12Então, o Senhor disse a Satan: «Pois bem, tudo o que ele possui deixo-o em teu poder, mas não estendas a tua mão contra a sua pessoa.» E Satan saiu da presença do Senhor.
13Ora, um dia em que os filhos e filhas de Job estavam à mesa e bebiam vinho na casa do irmão mais velho, 14um mensageiro foi dizer a Job: «Os bois lavravam e as jumentas pastavam perto deles. 15De repente, apareceram os sabeus, roubaram tudo e passaram os servos a fio de espada. Só escapei eu para te trazer a notícia.» 16Estava ainda este a falar, quando chegou outro e disse: «Um fogo terrível caiu do céu; queimou e reduziu a cinzas ovelhas e pastores. Só escapei eu para te trazer a notícia.»
17Falava ainda este, e eis que chegou outro e disse: «Os caldeus, divididos em três grupos, lançaram-se sobre os camelos e levaram-nos, depois de terem passado os servos a fio de espada. Só eu consegui escapar, para te trazer a notícia.»
18Ainda este não acabara de falar, e eis que entrou outro e disse: «Os teus filhos e as tuas filhas estavam a comer e a beber vinho na casa do irmão mais velho 19quando, de repente, um furacão se levantou do outro lado do deserto e abalou os quatro cantos da casa, que desabou sobre os jovens. Morreram todos. Só eu consegui escapar, para te trazer a notícia.»
Fidelidade de Job – 20Então, Job levantou-se, rasgou as vestes e rapou a cabeça. Depois, prostrado por terra em adoração, 21disse:
22Em tudo isto, Job não cometeu pecado, nem proferiu contra Deus nenhuma insensatez.
Novas provações – 1E aconteceu que um dia em que os filhos de Deus se foram apresentar diante do Senhor, Satan apareceu também junto com eles na presença do Senhor. 2O Senhor perguntou-lhe: «Donde vens tu?» Satan respondeu: «Venho de dar a volta ao mundo e percorrê-lo todo.» 3O Senhor disse-lhe: «Reparaste no meu servo Job? Não há ninguém como ele na terra: homem íntegro, recto, que teme a Deus e se afasta do mal; ele persevera na sua integridade, apesar de me teres incitado contra ele, para o aniquilar sem motivo.» 4Satan respondeu: «Pele por pele! O homem dará tudo o que tem para salvar a própria vida. 5Mas experimenta estender a tua mão, toca nos seus ossos e na sua carne e verás como ele te amaldiçoará, mesmo na tua frente.» 6O Senhor disse a Satan: «Pois bem, aí tens Job ao alcance da tua mão; mas poupa-lhe a vida.»
7Satan retirou-se da presença do Senhor e atingiu Job com uma lepra maligna, desde a planta dos pés até ao alto da cabeça. 8E Job pegou num caco de telha para se raspar com ele e ficava sentado sobre a cinza.
9A sua mulher disse-lhe: «Persistes ainda na tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre de uma vez!» 10Respondeu-lhe Job: «Falas como uma insensata. Se recebemos os bens da mão de Deus, não aceitaremos também os males?» Com tudo isto, Job não pecou pelas suas palavras.
Os três amigos de Job – 11Três amigos de Job – Elifaz de Teman, Bildad de Chua e Sofar de Naamá – ao saberem das desgraças que lhe tinham sucedido, partiram cada um da sua terra e combinaram juntar-se, a fim de compartilharem a sua dor e o consolarem. 12E quando de longe levantaram os olhos, não o reconheceram; puseram-se então a chorar, rasgaram as suas vestes e espalharam pó sobre as suas cabeças. 13Ficaram sentados no chão, ao lado dele, sete dias e sete noites, sem lhe dizer palavra, pois viram que a sua dor era demasiado grande.
Job: a infelicidade de ter nascido
1Por fim, Job abriu a boca e amaldiçoou o dia do seu nascimento.
2Tomou a palavra e disse:
3«Desapareça o dia em que nasci e a noite em que foi dito:
‘Foi concebido um varão!’
4Converta-se esse dia em trevas!
Deus, lá do alto, não se preocupe com ele
nem a luz o venha iluminar.
5Apoderem-se dele as trevas e a escuridão.
Que as nuvens o envolvam
e os eclipses o apavorem!
6Que a sombra domine essa noite;
não se mencione entre os dias do ano
nem se conte entre os meses!
7Seja estéril essa noite
e não se ouçam nela brados de alegria.
8Amaldiçoem-na os que abominam o dia
e estão prontos a despertar Leviatan!
9Escureçam as estrelas da sua madrugada;
que em vão espere a luz do dia,
nem possa ver abrirem-se as pálpebras da aurora,
10já que não me fechou a saída do ventre
nem afastou a miséria dos meus olhos!
11Porque não morri no seio da minha mãe
ou não pereci ao sair das suas entranhas?
12Porque encontrei joelhos que me acolheram
e seios que me amamentaram?
13Estaria agora deitado em paz,
dormiria e teria repouso
14com os reis e os grandes da terra,
que constroem mausoléus para si;
15com os príncipes que amontoam ouro
e enchem de dinheiro as suas casas.
16Ou como um aborto escondido,
eu não teria existido,
como um feto que não viu a luz do dia.
17Ali, os maus cessam as suas perversidades,
ali, repousam os que esgotaram as suas forças.
18Ali, estão tranquilos os cativos,
que já não ouvem a voz do guarda.
19Ali, estão juntos os pequenos e os grandes,
e o escravo fica livre do seu senhor.
20Por que razão foi dada luz ao infeliz,
e vida àqueles para quem só há amargura?
21Esses esperam a morte que não vem
e a procuram mais do que um tesouro;
22esses saltariam de júbilo
e se alegrariam por chegar ao sepulcro.
23Porque vive um homem cujo caminho foi barrado
e a quem Deus cerca por todos os lados?
24Em lugar de pão, engulo os meus soluços,
e os meus gemidos derramam-se como a água.
25Todos os meus temores caíram sobre mim
e aquilo que eu temia veio atingir-me.
26Não tenho paz nem descanso,
os tormentos impedem-me o repouso.»
Elifaz: Deus corrige
1Elifaz de Teman tomou a palavra e disse:
2«Se alguém te falasse, irias suportar?
Mas quem poderá conter as palavras?
3Tu, antes, exortaste a muita gente,
fortaleceste muitas mãos débeis.
4As tuas palavras eram o apoio dos vacilantes
e fortalecias os joelhos trémulos.
5Mas, agora que te toca a ti, desfaleces?
Agora que és atingido, perturbas-te?
6Não é a tua piedade a tua confiança,
e a integridade da tua vida, a tua segurança?
7Lembra-te disto: qual o inocente que já pereceu?
Ou quando foram exterminados os justos?
8Sempre vi que os que praticam a iniquidade
e semeiam a maldade colhem os seus frutos.
9A um sopro de Deus, perecem,
destruídos pelo furor da sua indignação.
10Ruge o leão e o seu rugido é abafado;
os dentes dos leõezinhos são quebrados.
11O leão morreu porque não tinha presa,
e os filhotes da leoa dispersaram-se.
12Escutei em segredo uma palavra,
e o meu ouvido percebeu o seu murmúrio.
13Na confusão das visões da noite,
quando os homens dormem num sono profundo,
14o medo e o terror apoderaram-se de mim
e sacudiram todos os meus ossos;
15um sopro perpassou pelo meu rosto
e arrepiaram-se-me todos os pêlos do corpo!
16Estava alguém diante de mim,
uma figura silenciosa cujo rosto não reconheci;
mas ouvi uma voz que dizia:
17‘Pode um homem ser justo na presença de Deus,
ou um mortal ser puro diante do seu Criador?’
18Ele não confia nem nos seus próprios servos,
e até mesmo nos seus anjos encontra defeitos;
19quanto mais nos que habitam moradas de barro
e cujo suporte é o pó da terra!
20São esmagados como um verme,
e aniquilados da noite para a manhã.
Desaparecem para sempre sem deixar memória.
21Eis que já foi arrancada a corda da sua tenda;
morrem sem terem conhecido a sabedoria.»
A sorte do insensato
1«Chama para ver se te respondem;
a qual dos santos te dirigirás?
2A ira mata o insensato,
e a inveja mata o imbecil.
3Vi o insensato lançar raízes,
mas a sua morada foi logo amaldiçoada.
4Os seus filhos são privados de qualquer socorro,
são pisados à porta sem que ninguém os defenda.
5Os famintos devoram as suas colheitas
e até entre os espinhos as recolhem;
os ambiciosos absorvem-lhe as riquezas.
6Pois a maldade não nasce do chão,
a iniquidade não brota da terra.
7É do homem que vem a iniquidade
como do fogo saem as chispas a voar.
8Por isso, voltar-me-ei para Deus
e nas suas mãos porei a minha causa.
9Ele fez grandes e insondáveis coisas,
maravilhas incalculáveis;
10Ele derrama a chuva sobre a terra
e envia as águas sobre os campos;
11ajuda a levantar os humilhados
e dá segurança aos que estão aflitos;
12desfaz os projectos dos maus,
e as mãos deles não executam os seus planos;
13apanha os sábios nas suas próprias redes
e frustra os desígnios dos astutos;
14em pleno dia encontram as trevas
e, como se fosse de noite,
andam às apalpadelas ao meio-dia.
15Protege o fraco da espada afiada da língua deles
e o pobre da mão do poderoso.
16O infeliz recobra a sua esperança,
e é fechada a boca dos malvados.
17Feliz o homem a quem Deus corrige!
Não desprezes a lição do Todo-Poderoso.
18Ele é quem faz a ferida e quem a cura;
Ele fere e cura com as suas mãos.
19Seis vezes te salvará da angústia,
e, na sétima, o mal não te atingirá.
20Em tempo de fome, preservar-te-á da morte
e, em tempo de guerra, dos golpes da espada.
21Preservar-te-á do açoite da língua,
e não temerás quando vier a ruína.
22Rir-te-ás da devastação e da fome,
e não temerás os animais ferozes.
23Farás aliança com as pedras do campo,
e os animais selvagens viverão em paz contigo.
24Dentro da tua tenda conhecerás a paz,
e visitarás os teus apriscos, onde nada falta.
25Verás multiplicar-se a tua descendência
e os teus rebentos crescer como a erva dos campos.
26Descerás, amadurecido, ao sepulcro,
como um feixe de trigo maduro, a seu tempo.
27Foi isto o que observámos e confirmámos.
Presta atenção e tira proveito.»
Job: queixas contra os amigos
1Então Job tomou a palavra e disse:
2«Ah! Se eu pudesse pesar a minha aflição
e pôr na balança o meu infortúnio!
3Este pesaria mais do que a areia dos mares!
Por isso, as minhas palavras se descontrolam;
4pois as setas do Todo-Poderoso vêm contra mim
e o meu espírito absorve o veneno delas.
O terror do Senhor assedia-me.
5Porventura zurra o asno montês diante da erva?
Ou muge o touro junto da sua forragem?
6Come-se um manjar insípido, sem sal?
Ou que gosto pode haver numa clara de ovo?
7Por isso a minha alma recusa estar tranquila;
está perturbada pela enfermidade do meu corpo.
8Quem me dera se realizasse a minha petição
e que Deus me concedesse o que espero!
9Prouvera que Deus me esmagasse,
deixasse cair a sua mão e me destruísse.
10Isso seria uma consolação para mim
e exultaria no meio dos meus tormentos,
porque não reneguei as palavras do Santo.
11Quais são as minhas forças para resistir?
Que objectivo me prolongaria o desejo de viver?
12Será que eu tenho a fortaleza das pedras,
e será de bronze a minha carne?
13Não encontro nenhum socorro,
e o sucesso está fora do meu alcance.
14O desalentado precisa da compreensão de um amigo,
se não, abandona o temor do Poderoso.
15Os meus irmãos atraiçoaram-me como uma torrente,
como as águas das torrentes desapareceram,
16tornando-se turvas pelo degelo
e arrastando consigo a neve.
17No tempo da seca, elas desaparecem,
ao vir o calor, extinguem-se no seu leito.
18As caravanas desviam-se da sua rota,
avançam no deserto e desaparecem;
19as caravanas de Teman espreitavam
e os mercadores de Sabá esperavam por elas;
20confundidos na sua esperança,
chegaram ao lugar e ficaram desiludidos.
21Assim fostes vós, nesta hora, para mim.
À vista do meu infortúnio atemorizais-vos.
22Porventura eu vos disse: ‘Trazei-me
e dai-me dos vossos bens,
23livrai-me do poder do inimigo,
e resgatai-me da mão dos opressores?
24Ensinai-me e eu escutarei em silêncio,
mostrai-me em que é que eu errei.’
25Como são eficazes as palavras verdadeiras!
Mas em que podereis vós censurar-me?
26Pretendeis censurar-me por palavras ditas?
Palavras desesperadas leva-as o vento.
27Seríeis capazes de leiloar um órfão,
de vender o vosso amigo!
28Agora, peço-vos, olhai para mim;
face a face, assim, não poderei mentir.
29Vinde, pois, não sejais injustos.
Vinde, estou inocente em tudo isto!
30Haverá porventura falsidade na minha língua?
O meu paladar não saberá discernir o que não presta?»
Dificuldades na vida do homem
1«A vida do homem sobre a terra, não é ela uma luta?
Não são os seus dias como os de um assalariado?
2Como um escravo suspira pela sombra,
e o jornaleiro espera o seu salário,
3assim eu tive por quinhão meses de sofrimento,
e couberam-me em sorte noites cheias de dor.
4Se me deito, digo: ‘Quando chegará o dia?’
Se me levanto: ‘Quando virá a tarde?’
E encho-me de angústia até chegar a noite.
5A minha carne cobre-se de podridão e imundície,
a minha pele está gretada e supura.
6Os meus dias passam mais rápido que a lançadeira
e desaparecem sem deixar esperança.
7Lembra-te de que a minha vida é um sopro,
e os meus olhos não voltarão a ver a felicidade.
8Os olhos de quem me via não mais me verão,
os teus olhos procurar-me-ão e eu já não existirei.
9Como a nuvem que passa e desaparece,
assim o que desce ao sepulcro não se erguerá.
10Não voltará outra vez à sua casa;
o seu lar não mais o reconhecerá.
11Por isso, não reprimirei a minha língua,
falarei da angústia do meu espírito,
queixar-me-ei da amargura da minha alma:
12acaso sou eu o mar ou um monstro marinho,
para que te ponhas de guarda contra mim?
13Se eu disser: ‘Estarei confortado no meu leito,
e a minha cama aliviará o meu sofrimento’,
14então, Tu enches-me de sonhos aterradores,
e de visões horrorosas.
15Preferia morrer estrangulado;
antes a morte que os meus tormentos!
16Sucumbo, não viverei mais;
deixai-me, que os meus dias são apenas um sopro.
17Que é o homem, para lhe dares importância
e fixares nele a tua atenção,
18para que o observes todas as manhãs
e o proves a cada instante?
19Quando afastarás de mim o teu olhar,
e deixarás que eu engula a minha saliva?
20Que pecado cometi contra ti,
ó juiz dos homens?
Porque me tomas por teu alvo,
quando nem a mim mesmo me posso suportar?
21Porque não retiras o meu pecado
e não apagas a minha culpa?
Eis que vou dormir no pó;
procurar-me-ás e já não existirei.»
Bildad: as faltas e o castigo
1Bildad de Chua tomou a palavra e disse:
2«Até quando dirás semelhantes coisas?
As palavras da tua boca são como um furacão.
3Acaso tornará Deus torto o que é direito,
e o Todo-Poderoso subverterá a justiça?
4Se os teus filhos pecaram contra Ele,
Ele entregou-os ao poder da sua iniquidade.
5Mas, se recorreres a Deus
e implorares ao Todo-Poderoso,
6se fores puro e recto,
desde agora Ele velará sobre ti,
e restabelecerá a tua morada com justiça.
7A tua condição anterior parecerá modesta
diante da grandeza da tua condição futura.
8Interroga as gerações passadas
e considera a experiência dos antepassados.
9Pois somos de ontem e nada sabemos;
a nossa vida sobre a terra passa como uma sombra;
10eles instruir-te-ão e falarão contigo,
e tirarão sentenças do seu coração.
11Acaso pode brotar o papiro fora do pântano,
e o junco crescer sem água?
12Ainda verde, sem que a mão o toque,
ele seca antes das outras ervas.
13Esta é a sorte dos que esquecem a Deus.
A esperança do ímpio desvanecer-se-á.
14A sua esperança ser-lhe-á arrancada;
a sua segurança é uma teia de aranha.
15Ele apoia-se numa casa que se desmorona,
numa morada que não tem consistência.
16Parece uma planta viçosa, ao sol,
que estende os seus ramos no jardim.
17As suas raízes multiplicam-se por entre as pedras,
e vive no meio de penhascos.
18Mas, se é arrancado do seu lugar,
este renegá-lo-á dizendo: ‘Nunca te vi.’
19Esta é a sorte que o espera,
e outros rebentos germinarão do solo.
20Porém, Deus não abandona o homem íntegro,
nem dá a mão aos malvados.
21Ele encherá a tua boca de sorrisos,
e de júbilo os teus lábios.
22Os teus inimigos ficarão cobertos de vergonha,
e a tenda dos maus não subsistirá.»