1.Toda a sabedoria vem do Senhor Deus, ela sempr
e esteve com ele. Ela existe antes de todos os séculos.
2.Quem pode contar os grãos de areia do mar, as gotas de chuva, os dias do tempo? Quem pode medir a altura do céu, a extensão da terra, a profundidade do abismo?
3.Quem pode penetrar a sabedoria divina, anterior a tudo?
4.A sabedoria foi criada antes de todas as coisas, a inteligência prudente existe antes dos séculos!
5.O verbo de Deus nos céus é fonte de sabedoria, seus caminhos são os mandamentos eternos.
6.A quem foi revelada a raiz da sabedoria? Quem pode discernir os seus artifícios?
7.A quem foi mostrada e revelada a ciência da sabedoria? Quem pode compreender a multiplicidade de seus caminhos?
8.Somente o Altíssimo, criador onipotente, rei poderoso e infinitamente temível, Deus dominador, sentado no seu trono;
9.foi ele quem a criou no Espírito Santo, quem a viu, numerada e medida;
10.ele a espargiu em todas as suas obras, sobre toda a carne, à medida que a repartiu, e deu-a àqueles que a amavam.
11.O temor do Senhor é uma glória, um motivo de glória, uma fonte de alegria, uma coroa de regozijo.
12.O temor do Senhor alegra o coração. Ele nos dá alegria, regozijo e longa vida.
13.Quem teme o Senhor sentir-se-á bem no instante derradeiro, no dia da morte será abençoado.
14.O amor de Deus é uma sabedoria digna de ser honrada.
15.Aqueles a quem ela se mostra, amam-na logo que a vêem, logo que reconhecem os prodígios que realiza.
16.O temor do Senhor é o início da sabedoria. Ela foi criada com os homens fiéis no seio de sua mãe, ela caminha com as mulheres de escol, vemo-la na companhia dos justos e dos fiéis.
17.O temor ao Senhor é a religião da ciência.
18.Essa religião guarda e santifica o coração; ela lhe traz satisfação e alegria.
19.Aquele que teme ao Senhor achar-se-á confortado, no dia da morte será abençoado.
20.O temor ao Senhor é a plenitude da sabedoria, a plenitude de seus frutos, (para aquele que a possui)
21.ela enche toda a sua casa com os bens que produz, e seus celeiros com seus tesouros.
22.O temor do Senhor é a coroa da sabedoria: dá uma plenitude de paz e de frutos de salvação.
23.Ele a viu e numerou-a; ora, um e outra são um dom de Deus.
24.A sabedoria distribui a ciência e a prudente inteligência; eleva à glória aqueles que a possuem.
25.O temor do Senhor é a raiz da sabedoria, seus ramos são de longa duração.
26.A inteligência e a religião da ciência se acham nos tesouros da sabedoria, mas a sabedoria é abominada pelos pecadores.
27.O temor ao Senhor expulsa o pecado,
28.pois aquele que não tem esse temor não poderá tornar-se justo. A violência de sua paixão causará sua ruína.
29.O homem paciente esperará até um determinado tempo, após o qual a alegria lhe será restituída.
30.O homem de bom senso guarda suas palavras; muitos falarão, em voz alta, de sua prudência.
31.O sentido da instrução está encerrado nos celeiros da sabedoria.
32.Mas o culto de Deus é abominado pelo pecador.
33.Meu filho, tu que desejas ardentemente a sabedoria, sê justo e Deus ta concederá.
34.Pois o temor do Senhor é sabedoria e instrução, e o que lhe é agradável
35.é fidelidade e doçura; ele encherá os celeiros daqueles (que as possuem).
36.Não sejas rebelde ao temor do Senhor, não vás a ele com um coração fingido.
37.Não sejas hipócrita diante dos homens, e que teus lábios não sejam motivo de queda.
38.Vela sobre eles para que não caias, e não atraias sobre tua alma a desonra;
39.e para que Deus, revelando teus segredos, não te destrua no meio da assembléia,
40.por te teres aproximado do Senhor sorrateiramente, com o coração cheio de astúcia e engano.
Sir 2
Constância na provação
1Meu filho, se entrares para o serviço de Deus,
prepara a tua alma para a provação.
2Endireita o teu coração e sê constante,
não te perturbes no tempo do infortúnio.
3Conserva-te unido a Ele e não te separes,
para teres bom êxito no teu momento derradeiro.
4Aceita tudo o que te acontecer
e tem paciência nas vicissitudes da tua humilhação,
5porque no fogo se prova o ouro
e os eleitos de Deus, no cadinho da humilhação.
Nas doenças e na pobreza, confia nele.
6Confia em Deus e Ele te salvará,
endireita os teus caminhos e espera nele.
Confiança no Senhor
7Vós que temeis o Senhor,
esperai na sua misericórdia,
e não vos afasteis, para não cairdes.
8Vós que temeis o Senhor, confiai nele,
a vossa recompensa não vos faltará.
9Vós, que temeis o Senhor,
contai com a prosperidade,
a alegria eterna e a misericórdia,
pois a sua recompensa é um dom eterno e jubiloso.
10Considerai as gerações antigas e vede:
quem confiou no Senhor e foi confundido?
Quem perseverou no temor do Senhor e foi abandonado?
Quem o invocou e se sentiu desprezado?
11Porque o Senhor é compassivo e misericordioso,
perdoa os pecados e salva no tempo da aflição.
12Ai do coração débil, e das mãos desfalecidas,
e do pecador que segue dois caminhos!
13Ai do coração fraco, pois não acredita;
por isso não terá protecção!
14Ai de vós que perdestes a perseverança:
que fareis, quando o Senhor vos pedir contas?
15Os que temem o Senhor
não desobedecem às suas palavras,
e os que o amam permanecem no seu caminho.
16Os que temem o Senhor
procuram agradar-lhe,
e os que o amam saciam-se com a sua Lei.
17Os que temem o Senhor
preparam os seus corações,
e humilham-se na sua presença e dizem:
18«Lancemo-nos nas mãos do Senhor
e não nas mãos dos homens,
pois a sua misericórdia é igual à sua grandeza.»
Sir 3
Deveres para com os pais
1Ouvi, filhos, os conselhos do vosso pai,
procedei em conformidade, para serdes salvos.
2Porque o Senhor glorifica o pai acima dos filhos
e estabelece sobre eles a autoridade da mãe.
3O que honra o pai
alcança o perdão dos pecados,
4e quem honra a sua mãe
é semelhante ao que acumula tesouros.
5Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos
e será ouvido no dia da sua oração.
6Quem glorifica o pai gozará de longa vida
e quem obedece ao Senhor consolará a sua mãe.
7Quem teme o Senhor honrará seu pai
e servirá, como a seus senhores,
aqueles que lhe deram a vida.
8Honra teu pai com palavras e acções,
para que desça sobre ti a sua bênção.
9A bênção do pai fortalece a casa dos filhos,
e a maldição da mãe arrasa-a até aos alicerces.
10Não te glories com a desonra de teu pai,
pois a sua desonra não poderia ser glória para ti.
11A glória de um homem vem da honra de seu pai,
e é vergonha para os filhos uma mãe desonrada.
12Filho, ampara o teu pai na velhice,
não o desgostes durante a sua vida;
13mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente,
não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças.
14A caridade que exerceres com o teu pai não será esquecida,
e ser-te-á considerada, em reparação de teus pecados.
15No dia da aflição, o Senhor há-de lembrar-se de ti,
os teus pecados hão-de dissolver-se como o gelo em pleno sol.
16É um blasfemador o que desampara o seu pai,
e é amaldiçoado pelo Senhor aquele que irrita a sua mãe.
Mansidão e humildade
17Filho, pratica as tuas obras com doçura,
e serás mais amado do que o homem generoso.
18Quanto maior fores, mais te deverás humilhar,
e encontrarás benevolência diante de Deus.
19Muitos são os homens altivos e soberbos,
mas é aos humildes que Deus revela os seus segredos.
20Pois é grande o poder do Senhor,
mas é pelos humildes que Ele é glorificado.
Contra a vã curiosidade
21Não procures o que excede a tua capacidade,
nem tentes compreender o que está acima das tuas forças.
22Aplica-te àquilo que te for ordenado,
e não te ocupes em coisas impenetráveis.
23Não te obstines em busca daquilo que te ultrapassa,
pois já te foi mostrado mais do que o espírito humano pode compreender.
24Porque o preconceito extraviou a muitos
e as suposições perversas desviaram os seus pensamentos.
25Sem a pupila, falta-te a luz;
se te falta a ciência, não procures persuadir.
Coração mau e coração bom
26Um coração duro acabará na desdita.
Aquele que ama o perigo nele perecerá.
27Um coração perverso será oprimido com dores,
e o pecador amontoará pecado sobre pecado.
28Não há cura para a infelicidade dos soberbos,
porque a planta do pecado neles ganhou raízes.
29O coração do sábio medita nos provérbios,
e um ouvido atento eis o que o sábio deseja.
30A água apaga o fogo ardente,
e a esmola expia o pecado.
31Quem retribui com favores prepara o seu futuro;
achará amparo, no dia da sua infelicidade.
Sir 4
As obras de misericórdia
1Filho, não tires a vida ao pobre,
não faças esperar os olhos dos indigentes.
2Não desprezes aquele que tem fome,
nem irrites o pobre na sua necessidade.
3Não aflijas o coração do infeliz,
nem recuses a esmola àquele que está na miséria.
4Não rejeites o pedinte em aflição,
nem voltes a cara ao pobre.
5Não afastes os teus olhos do indigente,
nem dês ocasião a ninguém para te amaldiçoar.
6Porque se te amaldiçoa na amargura da sua alma,
aquele que o criou ouvirá a sua oração.
7Mostra-te afável na assembleia;
diante de um grande, curva a tua cabeça.
8Presta ouvidos ao pobre, de boa vontade,
responde-lhe com mansidão e afabilidade.
9Livra o oprimido da mão do opressor,
não sejas fraco quando fizeres justiça.
10Sê para os órfãos como um pai,
e como um marido, para as suas mães;
e serás como um filho do Altíssimo,
que te quererá mais do que a tua própria mãe.
Vantagens da sabedoria
11A sabedoria engrandece os seus filhos,
toma sob a sua protecção aqueles que a buscam.
12Aquele que a ama, ama a vida,
e os que madrugam por ela ficarão cheios de alegria.
13Aquele que a possuir terá a glória por herança,
e o Senhor abençoará o lugar onde ele entrar.
14Os que a servem prestam culto ao Santo,
e os que a amam são amados pelo Senhor.
15Aquele que a ouve julgará as nações,
e o que lhe presta atenção permanecerá em segurança.
16O que nela confia há-de recebê-la em herança,
e a sua posteridade beneficiará da sua posse.
17Ao princípio, ela poderá conduzi-lo por caminhos sinuosos;
incutir-lhe-á temor e tremor,
atormentá-lo-á com a sua disciplina;
antes de confiar nele, pô-lo-á à prova com os seus preceitos.
18Então, virá a ele pelo caminho direito,
fá-lo-á feliz, e desvendar-lhe-á os seus segredos.
19Porém, se ele se transviar, ela há-de abandoná-lo,
e entregá-lo-á nas mãos da desgraça.
Franqueza no falar
20Está atento às ocasiões, evita o mal,
e não te envergonhes de ti mesmo.
21Pois há uma vergonha que conduz ao pecado,
e uma vergonha que é glória e graça.
22Não sejas parcial em teu prejuízo,
nem tenhas hesitações que te ponham em perigo.
23Não retenhas a palavra, quando ela é necessária,
nem escondas a tua sabedoria, por vanglória.
24Pois é pelo discurso que se reconhece a sabedoria,
e pela palavra a instrução.
25Não contradigas a verdade,
mas reflecte sobre a tua ignorância.
26Não te envergonhes de confessar os teus pecados,
e não te oponhas à corrente de um rio.
27Não te submetas a um insensato,
nem sejas parcial a favor do poderoso.
28Combate pela verdade até à morte,
e o Senhor Deus combaterá por ti.
29Não sejas arrogante no falar,
preguiçoso e negligente nas tuas acções.
30Não sejas como um leão na tua casa,
caprichoso e cruel com os teus servos.
31Que a tua mão não esteja aberta para receber
e fechada para dar aos outros.
Sir 5
Não abusar da misericórdia de Deus
1Não te fies nas tuas riquezas,
e não digas: «Tenho suficiente para mim.»
2Não sigas os teus desejos e a tua força,
indo atrás das paixões do coração.
3Não digas: «Quem terá poder sobre mim?»,
porque o Senhor te punirá certamente.
4Não digas: «Pequei, e que me aconteceu de mal?»,
porque o Senhor é lento em castigar.
5Não vivas confiado no perdão,
acumulando pecado sobre pecado.
6Não digas: «A misericórdia do Senhor é grande,
Ele terá compaixão da multidão dos meus pecados!»,
porque nele a misericórdia e a ira caminham juntas;
e o seu furor cairá sobre os pecadores.
7Não tardes em te converter ao Senhor,
não adies, de dia para dia,
porque a ira do Senhor virá de repente,
e Ele te fará perecer no dia do castigo.
8Não confies em riquezas injustas,
pois de nada te servirão no dia da desventura.
Sabedoria no falar
9Não te voltes a todos os ventos,
e não andes por todos os caminhos;
assim se comporta o pecador de linguagem dúplice.
10Sê firme nas tuas convicções,
e uma só seja a tua palavra.
11Sê atento no escutar,
e lento no responder.
12Se tu possuis a ciência, responde ao teu próximo,
se não a possuis, põe a mão sobre a boca.
13Tanto a glória como a desonra estão na conversa,
e a língua do homem é a sua ruína.
14Não te mostres intriguista,
nem calunies com a tua língua,
porque, se para o ladrão existe a desonra,
para o simulador, uma pesada condenação.
15Evita as faltas, tanto nas coisas grandes como nas pequenas,
e, de amigo, não te convertas em inimigo.
Sir 6
Perigos de orgulho
1Pois a má reputação produz vergonha e ignomínia;
assim acontece com o pecador de palavra dúplice.
2Não te entregues ao excesso da tua paixão,
não suceda que a tua força vital se abata como um touro.
3Devorarias as tuas folhas e destruirias os teus frutos,
para depois ficares como uma árvore seca.
4Uma paixão má perde aquele que a possui;
torna-o motivo de alegria para os seus inimigos.
A verdadeira amizade
5Palavras amáveis multiplicam os amigos,
a linguagem afável atrai muitas respostas agradáveis.
6Procura estar de bem com muitos,
mas escolhe para conselheiro um entre mil.
7Se queres ter um amigo, põe-no primeiro à prova,
não confies nele muito depressa.
8Com efeito, há amigos de ocasião,
que não são fiéis no dia da tribulação.
9Há amigo que se torna inimigo,
que desvendará as tuas fraquezas, para tua vergonha.
10Há amigo que só o é para a mesa,
e que deixará de o ser no dia da desgraça;
11na tua prosperidade mostra-se igual a ti,
dirigindo-se com à vontade aos teus servos;
12mas, se te colhe o infortúnio, volta-se contra ti,
e oculta-se da tua presença.
13Afasta-te daqueles que são teus inimigos,
e está alerta com os teus amigos.
O verdadeiro amigo é um tesouro
14Um amigo fiel é uma poderosa protecção;
quem o encontrou, descobriu um tesouro.
15Nada se pode comparar a um amigo fiel,
e nada se iguala ao seu valor.
16Um amigo fiel é um bálsamo de vida;
os que temem o Senhor acharão tal amigo.
17O que teme o Senhor terá também boas amizades,
porque o seu amigo será semelhante a ele.
Para adquirir a sabedoria
18Filho, recebe a instrução desde a tua juventude,
e adquirirás uma sabedoria que durará até à velhice.
19Vai ao encontro da sabedoria como quem lavra e semeia,
e espera pacientemente os seus bons frutos,
porque terás um pouco de fadiga em seu cultivo,
mas em breve comerás dos seus produtos.
20Como é áspera e austera para os ignorantes!
O insensato não permanecerá junto dela.
21Ela ser-lhe-á pesada como uma pedra de provação,
e não tardará em desfazer-se dela.
22A sabedoria é fiel ao seu nome,
não é a um grande número que ela se manifesta.
23Ouve, filho, aceita o meu parecer,
não rejeites a minha advertência.
24Mete os teus pés nos seus grilhões,
e o teu pescoço nas suas correntes.
25Inclina o teu ombro e carrega-a,
não te aborreças com as suas cadeias.
26Aproxima-te dela com todo o teu coração,
guarda os seus caminhos com todas as tuas forças.
27Segue-lhe os passos, procura-a
e ela se dará a conhecer;
possuindo-a, não a deixes mais,
28pois acharás nela, finalmente, o teu repouso,
e transformar-se-á para ti em alegria.
29Então, os seus grilhões serão para ti robusta protecção,
e as suas cadeias, um manto de glória.
30O seu jugo será um ornamento de ouro,
e os seus laços, cordões de púrpura.
31Hás-de revestir-te dela como de um manto de glória,
como luzente diadema a cingirás.
32Filho, se quiseres, serás instruído;
se aplicares o teu espírito, tornar-te-ás hábil.
33Se a ouvires de boa vontade, receberás a doutrina,
se prestares atenção, serás sábio.
34Frequenta a assembleia dos anciãos;
se encontrares algum sábio, faz-te amigo dele.
35Ouve de bom grado toda a palavra que vem de Deus,
e não te escapem as máximas sensatas.
36Se vires alguém sensato, madruga e vai ter com ele,
e desgastem os teus pés o limiar da sua porta.
37Fixa a tua atenção nos preceitos de Deus,
medita continuamente os seus mandamentos.
Ele mesmo fortificará o teu coração,
e ser-te-á concedida a sabedoria que desejas.
Sir 7
Contra a ambição e a mentira
1Não pratiques o mal,
e o mal não se apoderará de ti.
2Afasta-te da injustiça,
e ela se desviará de ti.
3Filho, não semeies nos sulcos da injustiça,
para não colheres sete vezes mais injustiça.
4Não peças ao Senhor o poder,
nem ao rei um lugar de destaque.
5Não pretendas passar por justo diante do Senhor,
nem por sábio diante do rei.
6Não procures ser juiz,
se não consegues extirpar a injustiça,
sem te atemorizares diante de um homem poderoso,
e te expores a pecar contra a equidade.
7Não ofendas a população de uma cidade inteira,
e não te rebaixes diante da multidão.
8Não acrescentes um segundo pecado,
porque, nem por causa de um só, ficarás impune.
9Não digas: «Deus há-de olhar à quantidade das minhas ofertas,
e quando eu oferecer dádivas ao Deus Altíssimo, Ele as aceitará».
10Não sejas fraco na oração,
nem mesquinho ao dar esmola.
11Não escarneças do homem que está na aflição,
porque há alguém que humilha e exalta.
12Não inventes mentiras contra o teu irmão,
nem o faças contra o teu amigo.
13Cuida em não dizeres mentira alguma,
pois o costume de mentir é coisa má.
14Não sejas falador na assembleia dos anciãos,
nem repitas as palavras na tua petição.
15Não aborreças as tarefas penosas,
nem o trabalho do campo, instituído pelo Altíssimo.
16Não te alistes no número dos pecadores;
lembra-te de que a ira não tardará.
17Humilha profundamente o teu espírito,
porque o fogo e o verme serão o castigo do ímpio.
18Não troques um amigo por dinheiro,
nem um irmão verdadeiro pelo ouro de Ofir.
Deveres do pai de família
19Não te afastes da mulher sensata e virtuosa,
pois a graça da sua modéstia vale mais que o ouro.
20Não maltrates o servo que trabalha honestamente,
nem o operário que se empenha totalmente.
21Ama o servo inteligente,
não lhe recuses a liberdade.
22Tens rebanhos? Cuida deles;
se te forem úteis, conserva-os.
23Tens filhos? Educa-os,
acostuma-os à obediência, desde a infância.
24Tens filhas? Cuida do seu aspecto
e não lhes mostres um rosto demasiado jovial.
25Casa a tua filha, e terás concluído uma boa tarefa,
dando-a a um homem sensato.
26Tens uma mulher segundo o teu coração?
Não a repudies. E não confies na que é detestável.
27Honra o teu pai de todo o teu coração,
não esqueças os gemidos da tua mãe.
28Lembra-te de que foram eles que te geraram.
Como lhes retribuirás o que por ti fizeram?
Deveres para com os sacerdotes
29Teme ao Senhor com toda a tua alma,
e venera os seus sacerdotes.
30Ama com todas as tuas forças aquele que te criou,
e não abandones os seus ministros.
31Teme ao Senhor e honra o sacerdote,
dá-lhe a sua parte como te foi prescrito:
as primícias, o sacrifício de reparação, o dom das espáduas,
o sacrifício de santificação e as primícias das coisas santas.
Deveres para com os pobres
32Estende a tua mão ao pobre,
a fim de que a tua bênção seja perfeita.
33Dá de boa vontade a todos os vivos,
Sir 8
Regras sociais
1Não litigues com um homem poderoso,
não suceda que lhe caias nas mãos.
2Não contendas com um homem rico,
para que ele não ponha contra ti o seu peso;
de facto, o ouro tem perdido a muitos
e seduzido o coração de reis.
3Não litigues com o palrador,
e não meterás mais lenha na sua fogueira.
4Não convivas com um homem mal educado,
não aconteça que fale mal dos teus antepassados.
5Não desprezes o homem que se arrepende do seu erro,
lembra-te de que todos merecemos castigo.
6Não desprezes uma pessoa idosa,
porque também nós envelheceremos.
7Não te alegres com a morte de alguém;
lembra-te de que todos morreremos.
8Não desprezes as sugestões dos sábios,
mas dedica-te ao estudo das suas sentenças;
porque é deles que receberás a educação
e aprenderás a arte de bem servir os poderosos.
9Não desprezes os ensinamentos dos mais velhos,
pois eles os aprenderam dos seus pais,
e é deles que adquirirás a doutrina
e a arte de responder oportunamente.
10Não acendas os carvões dos pecadores,
para não seres queimado no fogo das suas chamas.
11Não te exaltes diante de um insolente,
não aconteça que ele arme ciladas às tuas palavras.
12Não emprestes dinheiro a quem é mais poderoso do que tu,
e, se lho emprestares, faz de conta que o perdeste.
13Não fiques por fiador em mais do que podem as tuas posses.
Se o fizeres, considera-te obrigado a pagar.
14Não litigues contra um juiz,
porque serás julgado conforme a sua posição.
15Em viagem, não te metas com um homem temerário,
não aconteça que ele faça recair sobre ti os seus delitos,
pois ele só age segundo o seu capricho,
e perecerás com ele por causa da sua loucura.
16Não tenhas rixas com um homem irascível,
nem caminhes com ele por lugares desertos,
porque para ele de nada vale o sangue,
e matar-te-á, quando te achares sem socorro.
17Não te aconselhes com loucos,
porque não sabem guardar segredo.
18Diante dum estranho,
não faças nada que deva ficar em segredo,
19Não abras o teu coração a qualquer pessoa,porque não sabes o que ele poderá imaginar.
e não procures obter o seu beneplácito.
e não recuses o teu benefício a um morto.
34Não fujas dos que choram,
35Não sejas preguiçoso em visitar um doente,e faz companhia aos que estão aflitos.
porque é assim que lhe cativarás o afecto.
36Em todas as tuas obras, lembra-te do teu fim,
e jamais haverás de pecar.
Sir 9
Prudência com as mulheres
1Não tenhas ciúmes da mulher que amas,
para não a instruíres a agir mal contra ti.
2Não te entregues a uma mulher,
a ponto de ela vir a dominar-te.
3Não vás ao encontro de uma mulher leviana,
para não caíres nas suas ciladas.
4Não andes muito com uma bailarina,
para não seres seduzido por suas artimanhas.
5Não detenhas o teu olhar sobre uma donzela,
para não vires a ser punido com ela.
6Nunca te entregues às prostitutas,
para não perderes o teu património.
7Não deixes errar os olhos pelas ruas da cidade,
nem vagueies por seus lugares solitários.
8Afasta os teus olhos de uma mulher elegante,
e não olhes com insistência para a formosura alheia;
muitos pereceram por causa da beleza feminina,
e por ela se acende o fogo do desejo.
9Não te sentes nunca com uma mulher casada,
nem bebas com ela bebidas inebriantes,
não aconteça que o teu coração se apaixone por ela,
e que, na tua paixão, resvales para a perdição.
Com os amigos
10Não abandones um velho amigo,
porque o novo não será como ele.
Vinho novo, amigo novo;
se o deixares envelhecer, bebê-lo-ás com prazer.
11Não invejes o êxito do pecador,
pois não sabes qual será a sua ruína.
12Não te alegres com a satisfação dos ímpios;
lembra-te de que serão punidos
antes de irem para a morada dos mortos.
13Afasta-te do homem que tem o poder de matar
e assim não saberás o que é temer a morte.
Mas, se te aproximares dele, não cometas falta,
não aconteça que ele te tire a vida.
Fica sabendo que caminhas entre armadilhas,
e andas no alto das muralhas da cidade.
14Tanto quanto possível, procura o teu próximo,
e aconselha-te com os sábios.
15A tua conversação seja com os sensatos,
e todo o teu discurso seja conforme à lei do Altíssimo.
16Homens virtuosos sejam os teus comensais,
e a tua glória, o temor do Senhor.
17O artista é louvado pela obra das suas mãos,
o príncipe do povo, pela sabedoria dos seus discursos.
18É coisa terrível na cidade o homem linguareiro,
e o homem precipitado no falar torna-se odioso.
Sir 10
Os governantes
1O juiz sábio educa o seu povo,
e o governo do homem sensato será estável.
2Tal o chefe do povo, tais os seus ministros;
tal o governador da cidade, tais os seus habitantes.
3O rei imprudente será a ruína do seu povo,
e a cidade será construída graças à inteligência dos governantes.
4O governo do mundo está nas mãos do Senhor.
Ele suscitará, no tempo oportuno, o homem que convém.
5O sucesso de um homem está nas mãos do Senhor.
É Ele que confere ao legislador a sua glória.
O orgulho
6Esquece as injúrias recebidas do teu próximo,
e nada faças num movimento de violência.
7A soberba é abominável ao Senhor e aos homens,
e um e outros têm horror à injustiça.
8Um reino é transferido de um povo para outro,
por causa das injustiças, da violência e das riquezas,
pois nada é mais iníquo que o avarento,
que é capaz de vender até a própria alma.
9Porque se ensoberbece quem é terra e cinza,
quem, ainda vivo, tem os intestinos cheios de podridão?
10A doença prolongada ri-se do médico;
assim, o que hoje é rei, amanhã morrerá.
11Quando o homem morrer,
terá por herança répteis, feras e vermes.
12O princípio do orgulho do homem é afastar-se do Senhor,
e ter o seu coração longe do Criador;
13porque o princípio do orgulho é o pecado,
e aquele que o possui difunde abominação.
Por isso é que o Senhor lhe infligiu tremendos golpes,
e o destruiu completamente.
14O Senhor derruba os tronos dos poderosos
e no seu lugar faz sentar os modestos.
15O Senhor arranca as raízes das nações
e planta os humildes em lugar deles.
16O Senhor destruiu o território das nações,
e arruinou-as até aos alicerces.
17Ele as extirpou e as destruiu,
e apagou a sua memória da face da terra.
18O orgulho não foi criado para os homens,
nem a ira para os nascidos de mulher.
O temor de Deus é a verdadeira glória
19Raça honrada, qual é?
– A raça humana.
Qual é a raça honrada?
– A dos que temem o Senhor.
20Raça desprezível, qual é?
– A raça humana.
Qual é a raça desprezível?
– A dos transgressores da Lei.
21O temor do Senhor é o princípio de um bom acolhimento,
a teimosia e o orgulho são o princípio da rejeição de Deus.
22Rico, considerado ou pobre,
a sua glória está no temor do Senhor.
23Não é justo desprezar um pobre inteligente,
nem convém enaltecer o pecador.
24O grande, o magistrado e o poderoso são enaltecidos,
mas ninguém é tão grande como aquele que teme o Senhor.
A glória do pobre e do rico
25Os homens livres sujeitar-se-ão a um servo sábio,
e o homem conhecedor não se queixa disso.
26Não te gabes de ser sábio, ao fazeres o teu trabalho,
nem te exaltes no tempo da adversidade.
27Vale mais o que trabalha e possui abundância de bens,
do que o exibicionista que não tem pão.
28Filho, podes enaltecer-te mas com modéstia,
e não queiras mais honras do que mereces.
29Quem justificará o que peca contra si próprio?
E quem honrará o que a si mesmo se desonra?
30O pobre é honrado pelo seu saber,
e o rico é honrado pelas suas riquezas.
31Aquele que é honrado na pobreza, mais o será na riqueza,
e o que é desprezado na riqueza, mais o será na pobreza.
Sir 11
Não se fiar nas aparências
1A sabedoria do humilde faz com que ele levante a cabeça
e possa sentar-se no meio dos grandes.
2Não louves um homem pela sua bela aparência,
nem desprezes ninguém pelo seu aspecto.
3Pequena é a abelha, comparada com as aves,
mas o seu produto é o primeiro na doçura.
4Não te glories nunca da roupa que vestes,
nem te engrandeças, no dia em que fores honrado,
porque as obras do Senhor são admiráveis,
mas são misteriosas para os homens.
5Muitos príncipes se sentaram no chão
e um desconhecido cingiu o diadema.
6Muitos poderosos foram grandemente humilhados,
e homens ilustres foram entregues nas mãos de outros.
Prudência nas palavras
7Não censures ninguém antes de te teres informado;
reflecte primeiro e depois repreende.
8Nada respondas antes de teres escutado;
e enquanto outro fala, não o interrompas.
9Não te metas em coisas que não te dizem respeito,
nem tomes assento nas contendas dos pecadores.
Ordem na actividade
10Meu filho, não te metas em muitos negócios;
se os multiplicares, não ficarás isento de culpa.
Se empreenderes muitos negócios, não poderás abrangê-los,
e, por mais diligência que faças,
não poderás escapar, fugindo.
11Há quem trabalhe, e se apresse
e quem se aflija, e fique para trás.
12Há quem seja fraco e necessitado de amparo,
carecido de tudo, rico só em pobreza;
mas o Senhor olha-o com benevolência,
e levanta-o da sua humilhação.
13Faz com que ele possa levantar a cabeça
e muitos ficam admirados diante dele.
Pobreza e riqueza
14Os bens e os males, a vida e a morte,
a pobreza e a riqueza, tudo isto vem do Senhor.
15Sabedoria, conhecimento e ciência da Lei vêm do Senhor;
dele vêm a caridade e as boas obras.
16Erro e trevas foram criados com os pecadores;
os que se comprazem no mal, no mal envelhecerão.
17O dom do Senhor permanece com os piedosos,
e a sua benevolência os guiará para sempre.
18Há quem enriqueça à custa de afãs e avareza,
e esta é a recompensa que lhe cabe;
19mas, quando ele declara:
«Agora vou descansar e comer sozinho dos meus bens»,
não sabe quando virá o tempo de os deixar a outros e morrer.
20Persevera no cumprimento do teu dever,
consagra-te a ele, e envelhece na sua realização.
21Não admires as obras do pecador,
mas põe a tua confiança no Senhor,
e persevera no teu trabalho,
pois é fácil aos olhos do Senhor
o pobre enriquecer repentinamente.
22A bênção do Senhor é a recompensa dos piedosos,
e Ele, num instante, faz florescer a sua bênção.
23Não digas: «De que preciso eu?
Que bens poderei esperar no futuro?»
24Não digas: «Tenho suficiente para mim mesmo.
Que mal posso temer a partir de agora?»
25No dia da felicidade esquece-se da desgraça;
no dia da desgraça, ninguém se lembra da felicidade.
26Porque, no dia da morte,
é fácil a Deus dar a cada um segundo as suas obras.
27A aflição de um instante faz esquecer o bem-estar,
na morte do homem serão descobertas as suas obras.
28Não louves nenhum homem antes da morte,
porque um homem conhece-se pelo seu fim.
Prudência na hospitalidade
29Não metas um qualquer em tua casa,
porque são numerosas as armadilhas do homem astuto.
30Como pássaro na gaiola,
assim é o coração do orgulhoso;
como um espião, ele observa a tua queda.
31Convertendo o bem em mal, arma-te ciladas,
e nas coisas mais puras põe mácula.
32Uma centelha basta para acender uma grande fogueira;
assim um homem perverso prepara ciladas para derramar sangue.
33Guarda-te do malfeitor, que trama a iniquidade,
para que não te cubra de perpétua infâmia.
34Alberga o estranho e logo ele transtornará a tua vida,
e te separará dos teus.
Sir 12
Regras sobre beneficência
1Se fizeres o bem, procura saber a quem o fazes,
e receberás gratidão pelos teus benefícios.
2Faz o bem a um homem piedoso,
e terás recompensa,
se não dele, pelo menos do Altíssimo.
3Não irão bem as coisas para quem persevera no mal,
e se recusa a dar esmolas.
4Dá ao homem piedoso,
mas não ampares o pecador.
5Faz bem ao humilde, e nada dês ao ímpio;
recusa-lhe o pão, não lho dês,
a fim de que não se torne mais forte que tu;
pois terás mal a dobrar por todos os bens que lhe fizeres.
6Também o Altíssimo detesta os pecadores,
e aos ímpios infligirá o castigo.
7Dá ao homem bom,
mas não ajudes o pecador.
Desconfiar dos inimigos
8Não é na prosperidade que o amigo se conhece,
e o inimigo não ficará encoberto na adversidade.
9Quando um homem é feliz, os seus inimigos estão tristes;
mas, na sua adversidade, até o amigo desaparece.
10Não confies nunca no teu inimigo,
pois a sua malícia é como o verdete
que sempre ataca o bronze.
11Mesmo que ele se humilhe e ande submisso,
põe-te alerta e guarda-te dele.
Comporta-te com ele como o polidor de espelhos
e ficarás a saber que não resiste muito tempo.
12Não o ponhas junto de ti,
não suceda que te derrube e tome o teu lugar.
Não o sentes à tua direita,
não suceda que vá ocupar o teu lugar,
e tenhas que reconhecer as minhas palavras,
tarde demais, e gemer,
por não teres seguido as minhas advertências.
13Quem se compadecerá do encantador,
a quem a serpente morde,
e dos que se aproximam das feras?
14O mesmo acontece a quem vive com o pecador,
e se deixa envolver nos seus pecados.
15Por uma hora ele ficará contigo,
mas se vieres a fraquejar não te deita a mão.
16O inimigo tem a doçura nos lábios,
mas no coração arma laços para te fazer cair numa cova.
O inimigo tem lágrimas nos olhos,
mas, se tiver oportunidade, será insaciável de sangue.
17Se a desgraça te ferir, lá estará ele;
fingindo socorrer-te, far-te-á tropeçar.
18Abanará a cabeça, baterá palmas,
e, murmurando muito, mudará de semblante.
Sir 13
As más companhias
1O que toca no pez ficará manchado,
o que trata com o orgulhoso tornar-se-á como ele.
2Não carregues com um peso grande demais para ti,
nem convivas com alguém mais forte e rico do que tu.
Que ligação pode haver entre uma panela de barro e outra de ferro?
Quando entrarem em choque, aquela ficará quebrada.
3O rico comete injustiças e, ainda por cima, ameaça;
o pobre é ofendido, e ainda pede desculpa.
4Enquanto lhe fores útil, utiliza os teus serviços;
quando nada mais tiveres, abandona-te.
5Se tens haveres, ele convive contigo,
e há-de despojar-te sem compaixão.
6Se lhe fores necessário, há-de enganar-te;
com um sorriso há-de dar-te esperanças;
e, com belas palavras te dirá: «De que necessitas?»
7Deslumbra-te com os seus banquetes,
até que te tenha despojado em duas ou três vezes;
e, por fim, zomba de ti e abandona-te,
e abana a cabeça, escarnecendo de ti.
8Tem cuidado em não te deixares seduzir,
para não seres humilhado por causa da tua loucura.
9Quando um poderoso te chamar, retira-te,
e ele, com maior insistência, te chamará.
10Não sejas importuno, para não seres afastado,
mas não te afastes muito para não seres esquecido.
11Não trates com ele, de igual para igual,
nem te fies nas suas muitas palavras,
porque, com o seu muito falar, ele te experimentará,
e, sorrindo, te sondará.
12É implacável aquele que não guarda para si as palavras,
e não te poupará aos maus tratos, nem à prisão.
13Cuida de ti e presta bem atenção aos teus ouvidos,
porque caminhas com a tua própria ruína.
14Ao ouvires isso, desperta do teu sono;
ama a Deus durante toda a tua vida
e pede-lhe pela tua salvação.
Simpatias e antipatias
15Todo o ser vivo ama o seu semelhante,
e todo o homem ama o seu próximo.
16Todo o animal se une aos da sua espécie,
e todo o homem se associa ao seu semelhante.
17Que sociedade pode fazer o lobo com o cordeiro?
Assim acontece com o pecador e o homem piedoso.
18Que relações pode ter a hiena e o cão?
Ou que união pode ter um rico com um pobre?
19O asno selvagem é a presa do leão, no deserto;
assim também os pobres servem de pasto aos ricos.
20Tal como a humildade é a abominação do orgulhoso,
assim também o pobre causa horror ao rico.
21Um rico que vacila é apoiado pelos amigos,
mas o humilde, quando cai, até pelos amigos será repelido.
22O rico que erra tem numerosos defensores,
e se diz disparates, justificam-no.
Mas, se o humilde vacila, censuram-no;
se falar com sabedoria, não fazem caso dele.
23Se fala o rico, todos se calam
e exaltam até às nuvens as suas palavras.
Se fala o pobre, dizem: «Quem é este?»
E, se ele tropeçar, fazem-no cair.
Bom uso das riquezas
24A riqueza é boa quando isenta de pecado,
e é má a pobreza, na boca do ímpio.
25O coração do homem modifica o seu rosto,
quer para bem, quer para mal.
26O sinal de um coração feliz é um rosto satisfeito;
mas a invenção de máximas exige penosa reflexão.
Sir 14
1Feliz o homem que não transgrediu por palavras da sua boca,
e que não foi atormentado pelo remorso dos pecados.
2Feliz aquele cuja consciência não o acusa
e que não se desiludiu da sua esperança.
3Para um homem mesquinho, a riqueza não é um bem;
ao homem invejoso, de que servem muitos bens?
4Quem junta, privando-se a si mesmo, para outros acumula;
virá um estranho e se regalará com os seus bens.
5Para quem será bom aquele que é mau para si mesmo?
Ele nem sequer gozará das suas riquezas.
6Não há pior do que aquele que é avaro para si mesmo;
nisto está o verdadeiro salário da sua maldade.
7Se faz algum bem, é só inconscientemente e sem querer,
mas, por fim, dará a conhecer a sua maldade.
8É mau o de olhar invejoso,
o que desvia o rosto e despreza a vida dos outros.
9O olho do avarento não se sacia com o seu quinhão;
a cupidez consome-lhe a alma.
10O olhar do maldoso é invejoso de pão;
e estará faminto à sua própria mesa.
11Meu filho, se tens com quê, trata-te bem,
e oferece a Deus oblações dignas.
12Lembra-te de que a morte não tarda,
e que a lei do sepulcro não te foi revelada.
13Antes de morrer, faz bem ao teu amigo,
sê generoso e dá-lhe segundo as tuas posses.
14Não te prives da felicidade presente,
e não deixes perder nenhuma parcela dum legítimo desejo.
15Não vês que deixarás a outros o fruto dos teus esforços,
e que os teus bens serão repartidos por sortes?
16Dá e recebe, e satisfaz os teus desejos;
porque, na sepultura, não se vai procurar a alegria.
17Toda a carne, como a roupa, se deteriora,
pois esta é a lei desde sempre: «Tu tens de morrer.»
18Como a folhagem em árvore frondosa,
tanto cai como rebenta,
assim as gerações humanas,
umas morrem, outras nascem.
19Toda a obra corruptível desaparece,
e o autor morrerá com a sua própria obra.
Elogio da sabedoria (24,19-22; Pr 8,32-35; Sb 8,10-15)
20Feliz o homem que se aplica à sabedoria
e discorre com a sua inteligência;
21que medita em seu coração nos caminhos da sabedoria
e penetra no conhecimento dos seus segredos;
22vai atrás dela como quem lhe segue o rasto
e permanece nos seus caminhos;
23olha pela janela a sabedoria
e escuta às suas portas;
24detém-se junto da sua morada
e fixa um prego nas suas paredes;
25levanta a sua tenda junto dela
e estabelece ali agradável morada;
26coloca os filhos debaixo da protecção da sabedoria
e ele mesmo morará debaixo dos seus ramos;
27à sua sombra estará defendido do calor,
e repousará na sua glória.
Sir 15
Quem teme a Deus é feliz
1Assim faz aquele que teme o Senhor;
o que se dedica à Lei possuirá a sabedoria.
2Ela virá ao seu encontro como uma mãe,
e o acolherá como uma esposa virgem;
3com o pão da inteligência, há-de alimentá-lo
e, com a água da sabedoria, há-de matar-lhe a sede.
4Há-de apoiar-se nela e não vacilará,
há-de confiar nela e não ficará desiludido.
5Ela o exaltará acima dos seus companheiros,
abrir-lhe-á a boca no meio da assembleia.
6Encontrará alegria e uma coroa de júbilo,
e lhe será dado em herança um renome eterno.
7Mas os homens insensatos não a alcançarão,
e os pecadores não a verão.
8Ela está longe dos orgulhosos,
e os mentirosos não se recordam dela.
9O louvor não fica bem na boca do pecador,
porque não lhe foi concedido pelo Senhor.
10O louvor exprime-se em sabedoria,
é o Senhor quem a concede.
Os pecados são do homem e não de Deus
11Não digas: «Foi o Senhor que me fez pecar»,
porque Ele não faz aquilo que detesta.
12Não digas: «Foi Ele quem me seduziu»,
porque Ele não necessita dos pecadores.
13O Senhor aborrece toda a abominação,
e os que o temem não se entregam a tais coisas.
14Desde o princípio, Ele criou o homem,
e entregou-o ao seu próprio juízo.
15Se quiseres, observarás os mandamentos;
ser-lhes fiel será questão da tua boa vontade.
16Ele pôs diante de ti o fogo e a água;
estende a mão para o que quiseres.
17Diante do homem estão a vida e a morte;
o que ele escolher, isso lhe será dado,
18pois é grande a sabedoria do Senhor.
Ele é forte e poderoso e vê todas as coisas.
19Os olhos do Senhor estão sobre os que o temem,
Ele conhece as acções de cada homem.
20A ninguém Ele deu ordem para fazer o mal,
e a ninguém deu permissão de peca
Sir 16
O insensato é infeliz
1Não desejes ter filhos numerosos e inúteis,
nem te alegres com filhos ímpios.
2Mesmo numerosos, não te vanglories deles,
se neles faltar o temor do Senhor.
3Não confies na duração da vida deles,
nem contes com o seu grande número;
pois gemerás com um luto prematuro
e, de repente, terás conhecimento do seu fim;
melhor é um só do que mil,
é melhor morrer sem filhos do que ter filhos ímpios.
4Por um só homem inteligente povoa-se a cidade,
mas a tribo dos ímpios será despovoada.
5Vi com os meus olhos muitos exemplos destes,
e com os meus ouvidos, ouvi outros ainda mais graves.
6O fogo acendeu-se na assembleia dos pecadores,
e a ira inflamou-se contra um povo incrédulo.
7O Senhor não perdoou aos gigantes de outrora,
aos que se revoltaram, orgulhosos da sua força.
8Deus não poupou a terra onde vivia Lot
e detestou os seus habitantes,
por causa da sua insolência.
9Não teve compaixão do povo maldito,
que foi exterminado por causa dos seus pecados.
Tudo isso Ele o fez a povos de coração duro
e não foi aplacado pelo número dos seus santos.
10Assim aconteceu aos seiscentos mil homens
que se tinham amotinado na dureza do seu coração.
Flagelando-os, compadecendo-se, ferindo, curando;
na misericórdia e na disciplina, o Senhor os guardou.
11Ainda que houvesse um só de dura cerviz,
seria inaudito que ficasse impune,
porque a misericórdia e a ira vêm do Senhor,
que é grandioso no perdão, mas espalha a sua cólera.
12Os seus castigos equiparam-se à sua misericórdia.
Ele julga o homem segundo as suas obras.
13O pecador não escapará com as suas rapinas,
e não será frustrada a paciência de quem é piedoso.
14Ele recompensará cada acto de misericórdia,
cada qual será tratado segundo as suas obras.
15Deus endureceu o coração do faraó para que não o reconhecesse,
a fim de tornar conhecidas as suas obras debaixo do céu.
16A toda a criação a sua piedade se manifesta;
Ele distribuiu a sua luz e a sua sombra entre os homens.
Ninguém pode fugir de Deus
17Não digas: «Esconder-me-ei do Senhor;
quem se lembrará de mim lá no alto dos céus?
Não serei reconhecido no meio da multidão,
pois, quem sou eu no meio da criação imensa?»
18Eis que o céu e o céu dos céus,
o abismo e a terra inteira tremerão quando Ele aparecer.
Todo o universo foi criado
e existe pela sua vontade.
19Também os montes e os fundamentos da terra,
quando Ele os olha, tremem de terror.
20Mas o coração não reflecte nestas realidades;
quem presta atenção aos seus caminhos?
21Como a tempestade não é vista pelo homem,
assim a maioria das suas obras permanece escondida.
22«As obras da sua justiça quem as anuncia?
Quem as espera? A aliança está muito longe,
e só no fim vem a investigação de todas as coisas.»
23Assim pensa o que não tem entendimento,
o insensato e desvairado só pensa loucuras.
Sabedoria de Deus na criação
24Ouve-me, filho, aprende a sabedoria
e aplica o teu coração às minhas palavras.
25Dar-te-ei instruções muito acertadas
e manifestar-te-ei a ciência com exactidão.
26Quando o Senhor, desde o princípio, criou as suas obras,
logo que as fez, atribuiu um lugar a cada uma.
27Ordenou as suas obras para sempre,
desde a origem até ao futuro distante;
elas não sentiram fome, nem fadiga,
e nunca interromperam o seu trabalho.
28Nunca nenhuma delas embaraçou a outra,
e nunca desobedecem à sua palavra.
29Depois disto, o Senhor olhou para a terra,
e encheu-a dos seus benefícios.
30Cobriu a superfície da terra de animais de toda a espécie,
que à terra hão-de voltar.
Sir 17
Criação do homem e bondade de Deus (Sl 8)
1O Senhor criou os homens a partir da terra,
e a ela de novo os faz voltar.
2Determinou-lhes um tempo e um número de dias,
e deu-lhes domínio sobre tudo o que há na terra.
3Revestiu-os de força como a si mesmo
e fê-los à sua própria imagem.
4Fê-los temidos de todo o ser vivo,
e impôs o seu domínio sobre os animais e as aves.
5Eles receberam o uso dos cinco poderes do Senhor;
como sexto foi-lhes dada a participação da inteligência,
e como sétimo, a razão, intérprete dos seus poderes.
6Dotou-os de inteligência, língua e olhos,
de ouvidos e dum coração para pensar.
7Encheu-os de saber e de inteligência,
e mostrou-lhes o bem e o mal.
8Pôs o seu olhar sobre os seus corações,
a fim de lhes mostrar a grandeza das suas obras.
9E lhes concedeu que celebrassem
eternamente as suas maravilhas.
10Louvarão o nome de Deus Santo,
publicando a magnificência das suas obras.
11Concedeu-lhes a ciência,
e deu-lhes em herança a lei da vida.
12Concluiu com eles uma Aliança eterna,
e revelou-lhes os seus decretos.
13Viram com os próprios olhos a grandeza da sua glória,
os seus ouvidos escutaram a majestade da sua voz.
14Disse-lhes: «Guardai-vos de toda a iniquidade»,
e impôs a cada um deveres para com o próximo.
Deus vê as acções dos homens
15Os seus caminhos estão sempre diante dele,
não poderão ficar ocultos aos seus olhos.
16Desde a infância o seu caminho os leva para o mal
e não puderam mudar o seu coração de pedra num coração de carne,
pois, na divisão dos povos de toda a terra,
17deu a cada nação um chefe,
mas a porção do Senhor é Israel,
18seu primogénito, que Ele alimenta de disciplina,
ao qual concede a luz do seu amor, sem o abandonar.
19Todas as suas obras estão diante dele como o Sol,
e os olhos do Senhor observam continuamente o seu proceder.
20As iniquidades deles não lhe são ocultas,
e todos os seus pecados estão diante do Senhor.
21Mas o Senhor é bom e conhece as suas criaturas,
não as destrói nem as abandona, mas poupa-as.
22A esmola do homem é para Ele como um selo,
e Ele conserva os benefícios realizados, como a pupila dos olhos.
Concedendo a seus filhos e filhas o arrependimento.
23Então, levantar-se-á e há-de recompensá-los,
e retribuirá a cada um segundo o seu procedimento.
24Aos que se arrependem, porém, Ele deixa-os recomeçar,
e conforta os que perderam a perseverança.
Convite à virtude
25Converte-te ao Senhor, deixa os teus pecados,
suplica diante dele e evita as ocasiões de pecado.
26Volta-te para o Altíssimo, afasta-te da injustiça,
– pois Ele próprio te conduzirá,
das trevas à claridade da salvação –
e detesta profundamente o que é abominável.
27Quem louvará o Altíssimo no Hades,
em lugar dos vivos, quem o poderá louvar?
28O morto, como quem não existe, já não pode louvar;
o homem vivo e com saúde é que louvará o Senhor.
29Como é grande a misericórdia do Senhor,
e o seu perdão para com todos os que a Ele se convertem!
30De facto, não se pode encontrar tudo nos homens,
porque os homens não são imortais.
31Que coisa há mais luminosa do que o Sol?
E, entretanto, ele tem eclipses.
Assim o homem de carne e sangue, planeia a maldade!
32Deus passa em revista os astros do céu,
mas os homens são apenas terra e cinza.
Sir 18
A grandeza de Deus
1Aquele que vive eternamente
criou todas as coisas por igual.
2Só o Senhor será proclamado justo
e não há outro além dele.
3Ele governa o mundo com um gesto da sua mão,
tudo obedece à sua vontade;
pois Ele é o rei de todas as coisas
e pelo seu poder separa as coisas sagradas das profanas.
4A ninguém é concedido anunciar as suas obras;
quem será capaz de descobrir as suas grandezas?
5Quem poderá calcular todo o poder da sua grandeza?
Quem consegue narrar as suas misericórdias?
6Nada se lhes pode tirar nem acrescentar,
nem descobrir as maravilhas do Senhor.
7Quando o homem tiver acabado, estará no começo;
e quando cessar, ficará perplexo.
O nada do homem
8Que é o homem, e para que serve?
Qual é o seu bem e qual é o seu mal?
9A duração da vida do homem,
quando muito, é de cem anos;
para cada um é imprevisível o tempo do sono da morte.
10Mas, como uma gota de água do mar ou como um grão de areia,
assim são os seus anos ante um dia da eternidade.
11Por isso, é que o Senhor é paciente com os homens,
e derrama sobre eles a sua misericórdia.
12Ele vê e reconhece que o seu fim é lamentável;
por isso é que Ele multiplica o seu perdão.
13A compaixão do homem tem por objecto o próximo,
mas a misericórdia divina estende-se a todo o ser vivo:
repreende, corrige, ensina,
e reconduz, como pastor, o seu rebanho.
14Ele se compadece daqueles que recebem os seus ensinamentos,
e dos que se apressam a cumprir os seus preceitos.
Beneficência, prudência e temperança
15Meu filho, não mistures a repreensão com o benefício,
nem acrescentes palavras duras às tuas dádivas.
16Porventura, o orvalho não refresca o calor ardente?
Assim, uma palavra pode valer mais do que a dádiva.
17Não vale uma palavra mais que um rico presente?
Mas uma e outra coisa se encontram no homem benfazejo.
18O insensato censura com aspereza;
a dádiva do invejoso faz arder os olhos.
19Antes de falares, procura instruir-te;
antes da doença, cuida de ti.
20Antes do juízo, examina-te a ti mesmo
e encontrarás misericórdia na hora de prestar contas.
21Antes da doença, humilha-te,
e quando pecares, mostra-te arrependido.
22Nada te impeça de cumprir a seu tempo o teu voto,
e não esperes até à morte para te desobrigares.
23Antes de fazer um voto, prepara-te,
e não sejas como um homem que tenta o Senhor.
24Lembra-te da ira do último dia,
do tempo em que Deus castigará, desviando o seu rosto.
25No tempo da abundância, lembra-te do tempo da fome,
no dia da riqueza, lembra-te da indigência e da miséria.
26Assim como o tempo muda desde a manhã até à tarde,
assim também tudo é efémero diante do Senhor.
27O homem sábio está sempre alerta,
e no dia da tentação resistirá ao pecado.
28Todo o homem consciente reconhece a sabedoria,
e dá louvor àquele que a encontrou.
29Os homens de linguagem sensata
procedem também com sabedoria,
e derramam, como chuva, provérbios subtis.
É melhor a confiança no único Senhor
do que, com o coração morto, apegar-se a um morto.
30Não te deixes levar pelas tuas más inclinações
31Se satisfizeres os desejos da tua paixão,e refreia os teus apetites.
esta fará de ti a alegria dos teus inimigos.
32Não te comprazas na abundância das comodidades,
nem te obrigues a pagar-lhes os custos.
33Não te empobreças em festins, com dinheiro emprestado,
quando nada tens na algibeira.
Seria armar um laço para si mesmo.
Sir 19
Os vícios
1O trabalhador dado ao vinho não enriquecerá;
aquele que não cuida do pouco que tem, aos poucos, cairá na miséria.
2O vinho e as mulheres fazem sucumbir os próprios sábios,
e aquele que se junta com prostitutas perderá toda a vergonha.
3Esse será presa da podridão e dos vermes;
o homem temerário depressa desaparece.
4Aquele que rapidamente confia tem um coração leviano;
e o que peca, a si mesmo se prejudica.
5Aquele que se regozija com a iniquidade será condenado,
mas quem resiste aos prazeres coroa a sua vida.
6Quem domina a língua viverá sem contendas,
quem odeia a loquacidade diminui o mal,
7Não repitas nunca o boato,
e não serás prejudicado.
8Não contes nada, nem do amigo nem do inimigo
e, se não incorreres em culpa, nada reveles;
9de contrário, aquele que te ouvir, há-de precaver-se de ti,
e, chegado o momento, há-de odiar-te.
10Ouviste alguma palavra? Sepulta-a dentro de ti.
Tranquiliza-te; não te fará rebentar.
11O insensato padece dores de parto, por causa de uma palavra,
como a mulher que geme para dar à luz uma criança.
12Como seta cravada na carne da coxa,
assim é a palavra na barriga do insensato.
Correcção fraterna
13Avisa o teu amigo para que não pratique o mal,
ou, se o fez, para que não o torne a fazer.
14Avisa o teu próximo,
para que não diga palavras impensadas,
ou, se as disse, para que não as torne a dizer.
15Avisa o teu amigo, pois muitas vezes se dizem calúnias;
não acredites em tudo o que dizem.
16Há quem deslize, mas impensadamente.
Quem há que não tenha pecado pela língua?
17Avisa o teu próximo antes de o ameaçares,
e dá lugar à lei do Altíssimo.
18O temor do Senhor é princípio da sua benevolência;
e a sabedoria ganha a sua afeição.
19O conhecimento dos mandamentos do Senhor é a disciplina da vida;
os que fazem o que lhe agrada colherão o fruto da árvore da imortalidade.
Verdadeira e falsa sabedoria
20Toda a sabedoria consiste no temor de Deus,
e em toda a sabedoria está o cumprimento da Lei
e o conhecimento da sua omnipotência.
21O servo que diz ao seu senhor: «Não farei o que te agrada»,
mesmo que depois o faça, irrita aquele que o sustenta.
22A habilidade de fazer o mal não é sabedoria,
nem o conselho dos pecadores é prudência.
23Há uma malícia habilidosa que é detestável,
e é insensato aquele a quem falta a sabedoria.
24Vale mais o homem de pouca sabedoria, mas temente a Deus,
do que o homem que possui grande inteligência,
mas que transgride a Lei.
25Há uma habilidade que é sagaz mas injusta,
e há quem saiba manobrar as coisas
procurando para si uma sentença favorável.
O sábio, porém, é justo no julgamento.
26Há quem se humilhe sob o peso da dor,
mas o seu interior está cheio de malícia.
27Esconde o rosto e faz-se passar por surdo;
quando não for descoberto, dominar-te-á.
28Se, por falta de forças, deixa de pecar,
logo que tiver ocasião, praticará o mal.
29Pelo semblante se conhece um homem,
pelo aspecto do rosto se reconhece o sábio.
30A maneira como um homem se veste e como sorri,
e a sua maneira de andar revelam aquilo que ele é.
Sir 20
Discernimento no falar
1Há reprimendas inoportunas
e há quem se cale porque é sábio.
2É melhor admoestar do que recalcar a irritação;
3e aquele que reconhece a sua falta livra-se do castigo.
4Como o eunuco que anseia por violentar uma donzela,
assim é o que pretende fazer justiça pela força.
5Há quem se cale e é tido por sábio,
e há quem se torne odioso por falar demais.
6Há quem se cale, por não saber responder,
e há quem se cale, porque conhece o momento propício.
7O sábio guarda silêncio até um tempo oportuno,
mas o leviano e o imprudente não esperam pela ocasião.
8Aquele que muito fala é detestado,
e o que não é comedido no falar torna-se odioso.
Como é belo que manifeste arrependimento quem foi censurado;
pois, assim, há-de evitar uma falta voluntária.
9Há males que ao homem vêm por bem,
e há prosperidades que são uma perdição.
10Há dom que não é útil,
e há dom que é duplamente recompensado.
11Há quem encontre a sua ruína na própria glória,
e há quem, da humilhação, levante a cabeça.
12Há quem compre muitas coisas por preço módico,
e há quem as pague sete vezes mais que o seu valor.
13O sábio torna-se amável pelas suas palavras,
mas as graças dos insensatos são repelidas.
14O donativo do insensato não te será proveitoso,
porque ele tem sete olhos abertos sobre ti.
15Ele dará pouco e censurará muitas vezes;
abre a sua boca como um pregoeiro;
empresta hoje e reclama-o amanhã:
tal homem torna-se odioso.
16O insensato diz: «Não tenho amigos,
e ninguém me agradece os meus favores.»
17Os que comem do seu pão têm língua falsa.
Quantas e quantas vezes escarnecerão dele!
Pois o que ele tem não o recebeu com recto sentimento,
e o facto de não ter lhe é indiferente.
18É melhor tropeçar no chão do que com a língua;
assim a ruína dos maus virá de repente.
19O homem grosseiro é como uma história inoportuna,
anda continuamente na boca das pessoas mal educadas.
20É mal recebida a máxima que sai da boca de um insensato,
porque não a diz no tempo apropriado.
Máximas diversas
21Há quem não peque por ser pobre demais;
no seu repouso não terá remorsos.
22Há quem se perca por causa do respeito humano;
perde-se, cedendo a um insensato.
23Há quem, por vergonha, faça uma promessa a um amigo,
e arranje assim gratuitamente um inimigo.
24A mentira é no homem uma vergonhosa mancha;
encontra-se habitualmente na boca das pessoas mal educadas.
25Melhor é um ladrão do que um mentiroso impenitente,
mas ambos terão a ruína como herança.
26O hábito da mentira é aviltante para o homem,
a vergonha do mentiroso acompanha-o sempre.
27O sábio progride na vida com as suas palavras,
e o homem prudente agrada aos poderosos.
28Aquele que cultiva a sua terra aumentará o seu celeiro,
e o que agrada aos poderosos é perdoado da injustiça.
29Os presentes e as dádivas cegam os olhos dos sábios;
são como mordaça na sua boca, que retém as repreensões.
30Sabedoria escondida e tesouro invisível,
para que servem ambas estas coisas?
31Melhor é o homem que dissimula a sua ignorância,
do que aquele que esconde a sua sabedoria.
32É melhor a perseverança inquebrantável na busca do Senhor,
do que, sem mestre, levar por diante a própria vida.
Sir 21
Fugir do pecado
1Filho, pecaste? Não tornes a pecar,
e implora o perdão das tuas culpas passadas.
2Foge do pecado como se foge de uma serpente,
porque, se te aproximas, ela te morderá.
Os seus dentes são dentes de leão,
que tiram a vida aos homens.
3Toda a transgressão é como uma espada de dois gumes;
a ferida que produz é incurável.
4A intimidação e a violência destroem as riquezas;
assim será arruinada a casa do orgulhoso.
5A oração que sai da boca do pobre eleva-se até aos ouvidos de Deus,
e prontamente lhe será feita justiça.
6Aquele que odeia a correcção segue os passos do pecador;
aquele que teme o Senhor, converter-se-á de coração.
7O homem de língua insolente dá-se a conhecer de longe,
mas o homem sábio conhece as suas fraquezas.
8Aquele que edifica a sua casa à custa alheia
é semelhante ao que amontoa pedras para o Inverno.
9A assembleia dos pecadores é como um montão de estopa;
o seu fim será arder na fogueira.
10O caminho dos pecadores é calcetado de pedras bem unidas,
mas finalmente conduz ao abismo do Hades.
O sábio e o insensato
11Aquele que guarda a Lei domina os seus pensamentos;
a sabedoria é a consumação do temor de Deus.
12Aquele que não tem habilidade nunca será instruído,
mas há uma habilidade que está cheia de amargura.
13O saber do sábio derrama-se como água que transborda,
e o seu conselho permanece como fonte de vida.
14O coração do insensato é como um vaso rachado,
não conserva nenhum conhecimento.
15O homem sensato, ouvindo palavras sábias,
aprecia-as e acrescenta-lhes alguma coisa;
porém, se as ouve o voluptuoso,
não lhe agradam, e deita-as para trás das costas.
16O discurso do insensato é como um fardo de viagem,
mas nos lábios do homem sensato encontra-se a graça.
17O parecer do homem prudente é procurado na assembleia;
e as suas palavras serão meditadas no coração.
18A sabedoria é para o insensato como uma casa arruinada;
a ciência do inconsciente reduz-se a palavras incoerentes.
19A instrução é para o insensato como grilhões nos pés
e como algemas na mão direita.
20O insensato, quando ri, levanta a voz,
mas o homem sábio sorri discretamente.
21Para o homem prudente, a educação é ornamento de ouro,
como uma bracelete no seu braço direito.
22O pé do insensato apressa para entrar em casa;
mas o homem experiente apresenta-se com respeito.
23O insensato, da porta, olha para o interior da casa;
o homem bem educado mantém-se de fora.
24É má educação escutar a uma porta;
o homem educado envergonha-se de o fazer.
25Os lábios dos faladores repetem as palavras de outros;
mas as palavras do sábio são pesadas na balança.
26Na boca dos insensatos está o seu coração,
mas o coração dos sábios é a sua boca.
27Quando o ímpio amaldiçoa a Satanás,
amaldiçoa-se a si mesmo.
28O mexeriqueiro macula-se a si próprio
e é aborrecido no seu meio.
Sir 22
Como proceder com o insensato 221O preguiçoso é semelhante a uma pedra cheia de lodo; todos assobiam por causa da sua infâmia. 2O preguiçoso é semelhante a um punhado de esterco; todo o que lhe tocar sacudirá as mãos. 3O filho mal educado é a vergonha de seu pai; e o nascimento de uma filha será um prejuízo. 4A filha sensata encontrará um marido; mas a desavergonhada será a desonra de seu pai. 5A imprudente cobre de vergonha seu pai e seu marido; ambos a desprezarão. 6Palavra inoportuna é como música em dia de luto, mas castigos e disciplina são sempre sabedoria. 7Filhos que levam uma vida honesta, sem falta de nada, fazem esquecer a origem obscura de seus pais.8Filhos insolentes, mal educados, desonram a nobreza da família. 9Aquele que ensina o insensato é como quem quer reunir os cacos de um vaso quebrado; é como aquele que desperta o adormecido de um sono profundo. 10Falar com um insensato é conversar com alguém que está adormecido; no fim da conversa, dirá: «O que foi?» 11Chora pelo morto, pois ele perdeu a luz; chora sobre o insensato, porque lhe falta o juízo. Chora pouco sobre o morto, porque ele encontrou repouso; porém, a vida do insensato é pior que a morte. 12O luto por um morto dura sete dias, mas por um insensato e por um ímpio, todos os dias da sua vida. 13Não fales muito com o insensato, não convivas com o inconsciente, pois insensível como é, desprezará tudo o que é teu. Guarda-te dele, e não terás aborrecimentos; e não serás contaminado com a sua insensatez. Afasta-te dele, e encontrarás repouso, e não serás molestado pela sua loucura. 14Que coisa haverá mais pesada do que o chumbo? E que outro nome dar-lhe a não ser o de insensato? 15Areia, sal ou uma bola de ferro são mais fáceis de carregar do que o homem sem juízo. 16A madeira de uma construção, bem travada, num tremor de terra não se desconjunta; assim o coração firmado por uma decisão bem amadurecida, em momentos difíceis, não sucumbe. 17Um coração apoiado em raciocínios inteligentes, é como um ornamento de estuque sobre uma parede polida. 18Paliçada colocada no alto não resiste ao vento; assim o coração tímido, devido a pensamentos insensatos, não resistirá perante qualquer temor. Como proceder com os amigos 19Aquele que fere o olho, faz sair dele lágrimas; o que fere o coração irrita os sentimentos. 20Aquele que atira uma pedra aos pássaros, fá-los fugir; assim também aquele que insulta o seu amigo, desfaz a amizade. 21Ainda que tenhas desembainhado a espada contra o teu amigo, não desesperes, porque o regresso é possível. 22Ainda que tenhas dito contra ele palavras desagradáveis, não temas, porque a reconciliação é possível, excepto se se tratar de injúrias e afrontas, revelação de segredo e golpes de traição; em todos estes casos, qualquer amigo fugirá de ti. 23Ganha a confiança do próximo na sua pobreza, a fim de te alegrares com ele na sua prosperidade; fica a seu lado nos momentos de provação para que possas compartilhar também da sua herança. Pois não se deve sempre desprezar a aparência nem admirar um rico desprovido de sensatez. 24O vapor e o fumo precedem o fogo na chaminé; assim também as injúrias precedem o derramamento de sangue. 25Não me envergonharei de defender um amigo, nem me esconderei da sua presença, 26e se dele me vier algum mal, quem o souber acautelar-se-á dele. 27Quem me dera ter um guarda à minha boca, e um selo inviolável sobre os meus lábios, para que eu não caia por sua causa, e para que a minha língua não me perca!
Sir 23
Oração contra o pecado 231Senhor, Pai soberano da minha vida, não me abandones ao conselho dos meus lábios, nem permitas que eles me façam sucumbir. 2Quem aplicará o açoite aos meus pensamentos, e ao meu coração uma sábia correcção, para que sejam severos com os meus erros, e eu não tolere as suas faltas? 3Para que não se multipliquem os meus erros, e não aumentem os meus delitos, e eu não caia diante dos meus adversários, e se ria de mim o meu inimigo, pois dele está longe a esperança da tua misericórdia. 4Senhor, Pai e Deus da minha vida, não me dês olhos altivos, 5e afasta de mim a concupiscência. 6Não se apodere de mim o apetite sensual e a luxúria, e não me entregues à mercê do desejo impudico. Dominar as palavras 7Ouvi, filhos, as instruções que vos dou: aquele que as guardar não cairá no erro. 8O pecador será colhido pelos seus lábios, o maldizente e o orgulhoso tropeçarão por causa deles. 9Não acostumes a tua boca ao juramento; não te habitues a proferir o Nome santo. 10Pois, assim como um escravo, vigiado constantemente, não se livrará das vergastadas, assim não será isento de pecado quem, por tudo e por nada, jura pelo nome de Deus. 11O homem que jura com frequência será cheio de iniquidade e o flagelo não se afastará da sua casa. Se cai em falta, o seu pecado recairá sobre ele; se dissimular, pecará duplamente. Se jurar em vão, não terá justificação, e a sua casa será cheia de castigos. 12Há uma maneira de falar que leva à morte, e não deve ser ouvida entre a descendência de Jacob; pois deve estar longe dos piedosos, que não serão envoltos em tais crimes. 13Não acostumes a tua boca a uma linguagem grosseira, porque nela há ocasião de pecado. 14Lembra-te do teu pai e da tua mãe, quando te sentares no meio dos poderosos; não aconteça que te vás esquecer deles, na sua presença, e, levado pelo hábito da sua familiaridade, faças tolices, e chegues a desejar não ter nascido, e a amaldiçoar o dia do teu nascimento. 15O homem, acostumado a dizer impropérios, nunca se corrigirá em toda a sua vida. Contra a concupiscência 16Duas espécies de pessoas multiplicam os pecados, e uma terceira atrai sobre si a cólera. 17Uma paixão ardente como fogo aceso, não se acalma até que se tenha consumado; o homem que abusa do seu próprio corpo, não terá sossego enquanto o fogo não o consumir; para o homem impudico todo o pão é doce, e não se acalmará até morrer. 18O homem que desonra o seu leito conjugal, diz no seu coração: «Quem me vê? As trevas cercam-me, as paredes escondem-me, ninguém me vê. A quem temerei? O Altíssimo não se lembrará dos meus pecados.» 19Só teme os olhos dos homens, e não sabe que os olhos do Senhor são milhares de vezes mais luminosos do que o Sol, que vêem todos os caminhos dos homens e penetram os lugares mais recônditos. 20Porque, assim como Deus conhecia todas as coisas, antes de as ter criado, assim também agora as vê todas, depois que as criou. 21Este homem será castigado nas praças públicas da cidade, e será apanhado onde menos o esperava. 22Assim também perecerá toda a mulher que deixa o seu marido, e lhe dá como herdeiro um filho adulterino. 23Primeiramente, ela foi desobediente à lei do Altíssimo; em segundo lugar, pecou contra o seu marido; e, em terceiro lugar, cometeu um adultério, e teve filhos de outro homem. 24Essa mulher será conduzida à assembleia do povo, e sobre os seus filhos será aberto um inquérito. 25Os seus filhos não lançarão raízes, os seus ramos não darão fruto. 26Deixará uma memória de maldição, e jamais se apagará a sua infâmia. 27E todos aqueles que lhe sobreviverem reconhecerão que não há coisa melhor do que o temor de Deus, que nada há mais doce do que observar os seus preceitos. 28É glória imensa seguir o Senhor. É vida longa para ti ser acolhido por Ele.
Sir 24
Excelência da sabedoria (24,1-42,14) Origem e importância da sabedoria 241A sabedoria faz o seu próprio elogio, e gloria-se no meio do seu povo. 2Abre a boca na assembleia do Altíssimo, gloria-se diante dos exércitos do Senhor: 3«Saí da boca do Altíssimo; e como uma nuvem cobri a terra. 4Habitei nos lugares mais altos, e o meu trono está sobre uma coluna de nuvens. 5Sozinha percorri a abóbada celeste, penetrei nas profundezas dos abismos. 6Sobre as ondas do mar e sobre toda a terra, sobre todos os povos e nações eu reinava. 7Entre todas estas coisas busquei um lugar de repouso, e herança onde pudesse habitar. 8Então o Criador do universo deu- me as suas ordens, e aquele que me criou assentou a minha tenda. E disse-me: “Habita em Jacob, e toma Israel como tua herança”. 9Ele criou-me desde o princípio, antes de todos os séculos, e não deixarei de existir até ao fim dos séculos. 10Exerci diante dele o meu ministério no tabernáculo santo, e assim me estabeleci em Sião. 11Na cidade amada Ele me fez repousar, e em Jerusalém está o meu poder. 12Deitei raízes no meio de um povo glorioso, na porção do Senhor, no meio da sua herança. 13Elevei-me qual cedro do Líbano, como cipreste nos montes do Hermon. 14Cresci como a palmeira de En- Guédi, como as roseiras de Jericó, como uma formosa oliveira na planície, cresci como plátano. 15Espalhei um perfume de cinamomo e de bálsamo odorífero, e exalei um perfume suave como mirra escolhida, como o gálbano, o ónix e a mirra, e como o vapor do incenso, no Tabernáculo. 16Estendi os meus ramos como o terebinto; os meus ramos têm graça e majestade. 17Eu, como a videira, fiz germinar graciosos sarmentos, e as minhas flores dão frutos de glória e de riqueza. 18Sou a mãe do puro amor, do temor, do conhecimento e da digna esperança. Sou concedida aos meus filhos desde sempre, aos que foram designados por Ele.» Frutos e dons da sabedoria19«Vinde a mim todos os que me desejais e saciai-vos dos meus frutos, 20porque pensar em mim é mais doce do que o mel, e possuir-me é mais suave do que o favo de mel. 21Aqueles que me comem, terão ainda fome, e aqueles que me bebem, terão ainda sede. 22Aquele que me ouve, não será confundido, e os que agem por mim não pecarão.» 23Tudo isto é o resumo do livro da Aliança do Deus Altíssimo, é a Lei que nos deu Moisés, herança para as comunidades de Jacob. 24Não cesseis de vos mostrar fortes no Senhor, apegai-vos a Ele para que Ele vos fortaleça. O Senhor todo poderoso é o único Deus e não há outro salvador fora dele. 25A Lei transborda de sabedoria como o Pichon, e como o Tigre, na época dos frutos novos; 26ela transborda de inteligência como o Eufrates, e como o Jordão, no tempo da colheita. 27É ela que derrama a ciência como o Nilo, como o Guion, no tempo da vindima. 28Nem o primeiro a conheceu perfeitamente, nem o último, de igual modo, a descobriu. 29Os seus pensamentos são mais vastos que o mar, e os seus desígnios mais profundos do que o grande abismo. 30Eu, como um canal derivado dum rio, e como um aqueduto que se dirige para um jardim, 31disse: “Regarei as plantas do meu jardim e saciarei de água os meus canteiros.” E eis que o meu curso de água se tornou um rio, e o meu rio se tornou um mar. 32Irradiarei a ciência como a aurora, farei que ela brilhe bem longe. 33Continuarei a espalhar a minha doutrina como uma profecia, e transmiti-la-ei às gerações vindouras. 34Vêde que não trabalhei só para mim, mas para todos aqueles que buscam a sabedoria.»
Sir 25
Três coisas agradáveis e três coisas detestáveis 251Em três coisas se compraz o meu espírito, e são agradáveis a Deus e aos homens: a concórdia entre os irmãos, a amizade entre os vizinhos, e a boa harmonia entre marido e mulher. 2Há três espécies de pessoas que a minha alma detesta, e cuja vida me é insuportável: um pobre orgulhoso, um rico mentiroso e um ancião adúltero e insensato. 3Como acharás na velhice aquilo que não juntaste na juventude? 4Quão belo é para a velhice o saber julgar, e para os anciãos o saber aconselhar! 5Quão bela é a sabedoria, nas pessoas de idade avançada, e a reflexão e o conselho, nos que gozam de honras. 6A experiência consumada é coroa dos anciãos, e o temor do Senhor é a sua glória. 7Nove coisas tenho por felizes no meu coração, e a décima a anunciarei pelas minhas palavras: um homem que encontra a sua alegria nos filhos, o que vive bastante para ver a ruína dos seus inimigos. 8Feliz do que vive com uma mulher sensata, que não se deixa descair com a língua, e que não tem de servir alguém indigno dele. 9Feliz o que encontrou a prudência, e o que a expõe aos ouvidos que a escutam. 10Como é grande aquele que encontrou a sabedoria! Mas ninguém se avantaja àquele que teme o Senhor.11O temor de Deus eleva-se sobre tudo: com quem se comparará aquele que o possui? 12O temor do Senhor é começo do seu amor, mas é pela fé que se começa a aderir a Ele. A mulher má 13Qualquer ferida, menos a ferida do coração! Qualquer maldade, mas não a maldade da mulher! 14Qualquer aflição, mas não a aflição causada pelo ódio! Qualquer vingança, mas não a vingança do inimigo! 15Não há veneno pior que o da serpente, e não há cólera pior do que dum inimigo! 16Será preferível viver com um leão ou com um dragão, do que viver com uma mulher perversa. 17A malícia da mulher transforma- -lhe as feições, torna-lhe o rosto como o de um urso. 18No meio dos seus vizinhos, senta- -se o seu marido, e, ouvindo-os, suspira amargamente. 19Toda a malícia é leve, comparada com a malícia da mulher; que a sorte dos pecadores caia sobre ela! 20O que é uma encosta arenosa para os pés de um ancião, assim é uma mulher linguareira para um marido pacato. 21Não olhes para a formosura de uma mulher, e não cobices uma mulher. 22Escravidão, ignomínia e vergonha, quando uma mulher sustenta o marido. 23Coração abatido, semblante triste, e chaga no coração, eis o que produz uma mulher perversa. Mãos lânguidas, joelhos vacilantes, eis o que causa uma mulher que não faz a felicidade do seu marido. 24Foi pela mulher que começou o pecado, e é por causa dela que todos morremos. 25Não dês saída à água, nem à mulher perversa a liberdade de falar. 26Se ela não andar sob a direcção da tua mão, aparta-a da tua pessoa.
Sir 26
Mulher má e mulher virtuosa 261Feliz o homem que tem uma mulher virtuosa, porque será dobrado o número dos seus anos. 2A mulher forte é a alegria do marido; derramará paz nos anos da sua vida. 3Uma mulher virtuosa é uma sorte excelente, é o prémio dos que temem o Senhor.4Rico ou pobre, o seu coração será feliz, e o seu rosto ver-se-á sempre alegre. 5Três coisas teme o meu coração, e uma quarta me espanta: a calúnia numa cidade, a sedição de um povo, a falsa acusação; coisas estas mais temíveis que a morte; 6mas aflição do coração e amargura é uma mulher ciumenta de uma outra, e o flagelo de uma língua que atinge a todos. 7Uma mulher perversa é como o jugo dos bois desajustado; possuí-la é possuir um escorpião. 8A mulher dada ao vinho é motivo de grande vergonha, e a sua infâmia não ficará oculta. 9A leviandade de uma mulher revela-se na desvergonha do seu olhar, e no pestanejar das pálpebras. 10Vigia redobradamente a filha descarada, não aconteça que ela se aproveite do teu descuido. 11Guarda-te bem da desavergonhada no olhar, e não te admires se ela pecar contra ti.12Como um viajante sedento abre a boca, e bebe de toda a água que encontra, assim a impudica vai ao encontro da fornicação e oferece o seu corpo à impureza. 13A graça de uma mulher deleita o marido, e seu bom proceder revigora-lhe os ossos. 14É dom do Senhor uma mulher silenciosa; nada é comparável a uma mulher bem educada. 15A mulher honesta é uma graça inestimável; não há preço comparável a uma alma casta. 16Como o Sol se eleva nas alturas do Senhor, assim a beleza de uma mulher virtuosa é ornamento da sua casa. 17Lâmpada que brilha no candelabro sagrado, assim é a beleza do rosto num corpo bem feito. 18Colunas de ouro sobre alicerces de prata, assim as pernas formosas sobre calcanhares firmes. 19Meu filho, conserva sadia a flor da tua idade e não entregues a tua força a estrangeiros. 20Depois de teres procurado o campo mais fértil do país, semeia aí o teu próprio grão, confiando na nobreza da tua raça. 21Assim, os rebentos que deixares depois de ti, seguros da sua nobreza, se orgulharão. 22A mulher que se vende não vale um escarro; a mulher legítima é sólida como uma torre. 23A mulher ímpia será dada ao pecador; a mulher piedosa, àquele que teme o Senhor. 24A mulher desavergonhada não se compraz senão na desonra; a mulher pudica é delicada, mesmo com o seu marido. 25A mulher ousada não é mais respeitada que um cão; mas a que é modesta teme o Senhor. 26A mulher que honra o seu esposo é tida por sábia aos olhos de todos; mas a que o desonra é considerada ímpia no seu orgulho. Feliz o marido que tem uma boa esposa; o número dos seus anos será duplicado. 27A mulher gritadeira e tagarela é uma trombeta de guerra, afugentando o inimigo; todo o homem, nessas condições, passa a vida no tumulto da batalha. Três coisas tristes 28Duas coisas entristecem o meu coração, e uma terceira irrita-me: um guerreiro que perece na indigência, homens sábios reduzidos ao desprezo; aquele que passa da virtude ao pecado; o Senhor o destinará à espada. Perigos do comércio 29O negociante dificilmente evitará a tentação, e o taberneiro não está isento de pecado.
Sir 27
27 1Muitos pecam por amor ao dinheiro; aquele que procura enriquecer faz todas as falcatruas. 2Como se finca um pau entre as junturas das pedras, assim penetra o pecado entre a compra e a venda. 3Se não te mantiveres firmemente no temor do Senhor, a tua casa em breve será arruinada. A palavra dá a conhecer o homem 4Quando se abana o crivo, apenas ficam as alimpas; do mesmo modo, os defeitos do homem aparecem nas suas palavras. 5A fornalha prova as jarras do oleiro, e a prova do homem são os seus pensamentos. 6O cuidado com uma árvore mostra-se no fruto; assim, a palavra manifesta o que vai no coração do homem. 7Não louves um homem antes de ele falar, porque é assim que ele se dá a conhecer. Procura a justiça 8Se procurares a justiça, encontrá- la-ás e dela te revestirás como de um manto de glória.9As aves chegam-se aos seus semelhantes; assim a verdade volta para aqueles que a praticam. 10O leão está à espreita da presa; da mesma forma, o pecado, para os que praticam a iniquidade. A conversa do insensato 11A conversa do homem piedoso é sempre sabedoria, mas o insensato é inconstante como a Lua. 12No meio dos insensatos, guarda as tuas palavras para outra ocasião, mas, no meio de pessoas ponderadas, prolonga a tua presença. 13A conversa dos pecadores é odiosa; eles alegram-se nas delícias do pecado. 14A linguagem do que multiplica os palavrões faz eriçar os cabelos, e a sua disputa faz tapar os ouvidos. 15A contenda entre orgulhosos faz correr sangue, e as suas injúrias não se podem ouvir. A indiscrição destrói a amizade 16Aquele que revela o segredo de um amigo perde o crédito, e não encontrará amigos segundo o seu coração. 17Ama o amigo e sê-lhe leal, mas, se revelaste os seus segredos, não vás mais atrás dele.18Como se perde um morto, assim tu perdeste a amizade do teu próximo. 19Como um pássaro que tu soltaste da tua mão, assim deixaste ir o teu amigo, e não o encontrarás mais. 20Não o persigas, porque já está muito longe; fugiu da armadilha como uma gazela. 21Uma ferida pode ser curada, e uma injúria, ser reparada, mas aquele que revelou segredos perdeu toda a esperança. A hipocrisia 22Aquele que pisca os olhos tem maus desígnios, e ninguém o poderá afastar disso. 23Na tua presença fala com doçura, admira tudo o que disseres, mas, depois, muda de linguagem e serve-se das tuas palavras, para te prejudicar. 24Aborreço muitas coisas, porém nada tanto como a este; o Senhor também o detesta. O mau prejudica-se a si próprio 25Aquele que lança uma pedra ao ar, há-de vê-la cair sobre a sua cabeça; assim, a ofensa feita à traição atingirá também o traidor. 26O que abre uma cova, cairá nela; o que arma uma cilada a outrem, nela perecerá. 27O desígnio perverso voltar-se-á contra quem o forja, sem que saiba donde lhe vem. 28O escárnio e o ultraje são próprios dos orgulhosos, mas a vingança, como um leão, apanhá-los-á de surpresa. 29Aqueles que se alegram com a queda dos piedosos, perecerão no laço, e a dor os consumirá ainda vivos.30A ira e o furor são duas coisas detestáveis; só o homem pecador os nutre no coração.
Sir 28
A vingança 281Aquele que se vinga, sofrerá a vingança do Senhor, que lhe pedirá contas rigorosas dos seus pecados. 2Perdoa ao teu próximo o mal que te fez, e os teus pecados, se o pedires na tua oração, serão perdoados. 3Um homem guarda rancor contra outro homem, e pede a Deus que o cure? 4Não tem compaixão do seu semelhante, e pede o perdão dos seus pecados? 5Ele, que é um simples mortal, guarda rancor; quem lhe alcançará o perdão dos seus pecados? 6Lembra-te do teu fim, e deixa-te de inimizades; pensa na corrupção e na morte, e guarda os mandamentos. 7Lembra-te dos mandamentos e não te ires contra o próximo; lembra-te da aliança com o Altíssimo e não faças caso do erro do teu próximo. As discórdias 8Abstém-te de litígios e diminuirás os pecados, porque o homem irascível provoca contendas, 9e o pecador suscita discórdias entre os seus amigos e semeia a inimizade no meio dos que vivem em paz. 10O fogo ateia-se na proporção do combustível; a ira do homem inflama-se na medida da sua obstinação. Ira-se um homem, na medida do seu poder, e aumenta a sua cólera, em proporção da sua riqueza. 11O litígio repentino acende o fogo; a demanda irreflectida faz derramar sangue. 12Se soprares a uma faúlha, ela inflama-se; se cuspires sobre ela, ela apaga- se; ambas as coisas saem da tua boca. A maledicência 13O murmurador e o homem de duas línguas são malditos, porque foram a perdição de muitos que viviam em paz. 14A língua de um terceiro abalou a muitos e dispersou-os, de povo em povo; destruiu cidades fortes e arrasou as casas dos poderosos. 15A língua de um terceiro fez repudiar mulheres virtuosas, e privou-as do fruto dos seus trabalhos. 16Aquele que lhe dá ouvidos, não terá descanso, nem encontrará paz na sua casa. 17O golpe de um açoite faz pisaduras, mas o golpe da língua quebra os ossos. 18Muitos homens morreram, passados ao fio da espada, mas muitos mais pereceram pela própria língua. 19Feliz aquele que está a coberto da língua perversa, que não passou pela ira dela, que não atraiu sobre si o seu jugo, e que não foi atado pelas suas cadeias; 20porque o seu jugo é um jugo de ferro, e as suas cadeias, cadeias de bronze. 21A morte que ela causa é uma morte desgraçada, e a sepultura é-lhe preferível. 22Ela não tem poder sobre os piedosos, que não serão devorados pelas suas chamas.23Os que abandonam o Senhor cairão no poder dela, que os consumirá sem se extinguir: lançar-se-á sobre eles como um leão e os despedaçará como um leopardo. 24Se proteges o teu terreno com sebe de espinhos, e aferrolhas a tua prata e o teu ouro, 25faz também uma balança e um peso para as tuas palavras, e para a tua boca, uma porta e um ferrolho. 26Cuida de não pecares pela língua, para não caíres na presença dos inimigos que te espreitam.
Sir 29
Os empréstimos 291Aquele que é misericordioso empresta ao seu próximo; aquele que lhe estende a mão guarda os mandamentos.2Empresta ao teu próximo, no tempo da sua necessidade, mas paga-lhe também o que lhe deves, no tempo marcado. 3Cumpre a tua palavra e procede lealmente com ele, e em todo o tempo acharás o que te é necessário. 4Muitos consideram, como um achado, o que se lhe emprestou, e causam desgosto àqueles que os ajudaram. 5Enquanto não apanham o dinheiro, beijam a mão de quem lhes empresta, e com voz humilde solicitam o empréstimo; porém, no momento da restituição pedem espera, dão vãs escusas e desculpam-se com o tempo.6Ainda que possam pagar, põem dificuldades; restituem apenas metade da dívida e fazem de conta que aquilo é um achado. Se não têm meios para pagar, privam o credor do seu dinheiro e, sem causa alguma, ficam a tê- lo por inimigo; pagam-lhe com ofensas e maldições e, em paga do benefício, devolvem ultrajes. 7Por causa disto, muitos deixam de emprestar, pois temem ser injustamente defraudados. 8Todavia, sê generoso para com o miserável, e não o faças esperar pela esmola. Compaixão com os pobres 9Por causa do mandamento, socorre o pobre; e não o deixes ir com as mãos vazias, na sua indigência. 10Perde o teu dinheiro, em favor do teu irmão e do teu amigo, e não o escondas debaixo de uma pedra, para ficar perdido. 11Emprega o teu tesouro, segundo os preceitos do Altíssimo, e isto te aproveitará mais do que o ouro. 12Encerra a tua esmola nos teus celeiros, e ela te livrará de todo o mal. 13Mais do que um forte escudo e uma lança poderosa, ela pelejará por ti, contra o teu inimigo. A fiança 14O homem de bem afiança o seu próximo, mas o que tiver perdido a vergonha abandona-o à sua sorte. 15Não esqueças o benefício daquele que te afiançou, porque ele arriscou a vida para te amparar. 16O pecador apodera-se dos bens do fiador, e o ingrato abandona aquele que o salvou. 17A fiança arruinou a muitos que prosperavam e agitou-os como as ondas do mar.18Exilou muitos homens poderosos da sua casa e fê-los peregrinar por terras estrangeiras. 19O pecador que se oferece para afiançar, vendo que pode lucrar, cairá nas mãos da justiça. 20Ajuda o próximo conforme as tuas posses, mas acautela-te, não caias tu também. A hospitalidade 21O essencial da vida do homem é a água, o pão, o vestuário e uma casa para ocultar a própria nudez. 22É melhor viver pobre sob um tecto de tábuas, do que ter magníficos banquetes em casas alheias. 23Contenta-te com o pouco ou muito que tiveres, e evitarás a censura de seres um intruso. 24É uma vida miserável a daquele que se hospeda de casa em casa; onde és hóspede, não poderás abrir a boca. 25Receberás, constrangido, hospedagem e bebida, e, depois disto, ouvirás palavras amargas: 26«Vem cá, forasteiro, põe a mesa; se tens alguma coisa, dá-me de comer.» 27«Retira-te, forasteiro, cede lugar a alguém mais digno! Preciso da minha casa para nela receber o meu irmão.» 28Estas coisas são duras para um homem sensato: as censuras do dono da casa e a injúria do credor.
Sir 30
A correcção dos filhos 301Aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência, para que se alegre com isso mais tarde. 2Aquele que educa o seu filho será louvado, e, entre os conhecidos, se gloriará dele. 3Aquele que instrui o filho, causará inveja ao seu inimigo, e, entre os amigos, exultará por causa dele. 4O pai morre, e é como se não morresse, porque deixa depois de si um seu semelhante. 5Durante a vida, viu o filho e nele se alegrou; e ao morrer, não ficará afIito. 6Deixou em sua casa um defensor contra os inimigos, e alguém que retribuirá os benefícios aos seus amigos. 7Aquele que amimalha os seus filhos, terá que lhe tratar as feridas, e, a qualquer dos seus gritos, se comoverão as suas entranhas. 8Um cavalo por amansar torna-se intratável, e um filho, entregue a si mesmo, torna-se insolente. 9Lisonjeia o teu filho e ele te causará problemas; brinca com ele, e ele te entristecerá. 10Não te ponhas a rir com ele, para que não venhas a sofrer por isso, e para que não tenhas que ranger os dentes. 11Não lhe dês largas, na sua juventude, e não feches os olhos às suas extravagâncias. Obriga-o a curvar a cabeça, na mocidade, 12castiga-o nas costas enquanto é menino, não suceda que se endureça e se torne desobediente, e venha a ser a dor da tua alma. 13Educa o teu filho, esforça-te por formá-lo, para que não te aborreças com a sua vida vergonhosa. A saúde 14Mais vale um pobre sadio e vigoroso, que um rico enfraquecido e atormentado de doenças. 15A saúde e o vigor valem mais do que todo o ouro do mundo, e um corpo vigoroso, mais do que uma fortuna imensa. 16Não há maior riqueza que a saúde do corpo, nem bem maior do que a alegria do coração. 17É melhor a morte que uma vida amargurada, e o repouso eterno, que um definhamento sem fim. 18Abundantes iguarias colocadas diante de uma boca fechada são como oferendas de alimentos colocados sobre um túmulo. 19De que serve ao ídolo a oferenda que lhe fazem? Ele não a poderá comer nem lhe tomará o aroma. Assim acontece àquele que o Senhor repele. 20Ele vê com os olhos e geme, como um eunuco que abraça uma virgem e suspira. Assim é também o que pretende estabelecer a justiça, pela força. A alegria 21Não abandones a tua alma à tristeza, não te atormentes a ti mesmo nos teus pensamentos. 22A alegria do coração é a vida do homem, e a alegria do homem aumenta a sua longevidade. 23Anima a tua alma e consola o teu coração e afasta a tristeza para longe de ti, porque a tristeza faz morrer a muitos, e nela não há nenhuma utilidade. 24A inveja e a ira abreviam os dias, e a inquietação faz chegar à velhice antes do tempo. 25Um coração bondoso está num contínuo festim, ele cuida da sua alimentação.
Sir 31
A riqueza 311As vigílias para enriquecer consomem o corpo; as preocupações que elas trazem, tiram o sono. 2Os cuidados da vida perturbam o sossego, e a doença grave afasta o sono. 3O rico trabalha para juntar riquezas, e, quando se entrega ao repouso, goza o fruto dos seus bens. 4O pobre trabalha consumindo a sua vida, e, quando descansa, sofre miséria. 5Aquele que ama o ouro, não estará isento do pecado, e aquele que busca a corrupção será cheio dela. 6Muitos arruinaram-se por amor do ouro e caíram na desgraça. 7O ouro é um obstáculo para os que lhe sacrificam; por sua causa, perecerá o insensato. 8Bem-aventurado o rico que foi achado sem mácula, que não correu atrás do ouro. 9Quem é este homem, para que o felicitemos? Realmente fez coisas maravilhosas no meio do seu povo. 10Quem foi posto à prova e permaneceu perfeito? Isto será para ele motivo de glória! Quem podia transgredir a lei e não a transgrediu, fazer o mal e não o fez? 11Os seus bens serão consolidados e a assembleia proclamará os seus benefícios. Os banquetes 12Sentaste-te a uma mesa abastecida? Não abras a boca para a louvar e não digas: «Que abundância de iguarias há sobre ela!» 13Lembra-te de que um olhar invejoso é coisa funesta. Que coisa há pior do que o olho invejoso? Por um nada se põe a chorar. 14Para onde ele olhar, não estendas a mão, e não corras, ao mesmo tempo que ele, para o mesmo prato. 15Pelos teus desejos, aprende a conhecer os do próximo e reflecte sobre tudo aquilo que fazes. 16Serve-te como um homem sóbrio do que te é apresentado, para que não te tornes odioso, comendo muito. 17Sê o primeiro a acabar de comer em sinal da tua boa educação, e evita todo o excesso, para que não desgostes ninguém. 18Se tiveres tomado assento entre muitas pessoas, não sejas o primeiro a estender a mão para o prato. 19Quão pouco é suficiente para um homem bem educado! Assim, quando dormires, não te causará desassossego. 20O homem sóbrio tem um sono salutar; levanta-se pela manhã e sente-se bem. Insónia, mal-estar e cólicas são tributos do homem intemperante. 21Se tiveres sido obrigado a comer demais, levanta-te e vomita: isso te aliviará. 22Ouve-me, filho, não me desprezes. No fim, reconhecerás a verdade das minhas palavras. Em todas as tuas acções sê diligente, e não virá sobre ti nenhuma enfermidade. 23Os lábios de muitos abençoarão aquele que dá de comer com liberalidade, e darão testemunho fiel da sua generosidade. 24Toda a cidade murmurará contra aquele que dá de comer com mesquinhez, e o testemunho da sua avareza é verdadeiro. 25Com o vinho não sejas fanfarrão, porque o vinho tem perdido muitos. 26O fogo põe à prova a dureza do ferro; assim o vinho dará a conhecer os corações, nas disputas dos arrogantes. 27O vinho é como a vida para os homens, se o beberes moderadamente. Que vida é a do homem a quem falta o vinho? Ele foi criado para alegria dos homens. 28Alegria do coração e júbilo da alma é o vinho, bebido a seu tempo e moderadamente. 29O vinho é a amargura da alma, quando bebido em demasia e na efervescência da paixão. 30A embriaguez aumenta o furor do insensato para a sua perda, diminui as forças e ocasiona feridas. 31Durante uma refeição em que se beba, não repreendas o próximo e não o desprezes, no calor da sua alegria. Não lhe dirijas censuras nem o apertes com qualquer reclamação.
Sir 32
321Puseram-te a presidir? Não te envaideças por isso. Sê no meio dos outros como qualquer um deles. Ocupa-te deles, e depois disso, senta-te. 2Provê a cada um o necessário, e a seguir senta-te, para que te regozijes com os outros e recebas a coroa pela boa ordem. 3Ó ancião, fala como convém à tua idade, mas fala com discrição e acerto, e não impeças a música. 4Durante uma audição, não te alongues em discursos e não faças, inoportunamente, ostentação de sabedoria. 5Como um rubi em engaste de ouro, assim é a música no meio do festim.6Como um camafeu de esmeralda num engaste de ouro, assim é a música, acompanhada de bom vinho. 7Fala, ó jovem, se te é necessário, se insistentemente te perguntarem ao menos duas vezes. 8Sê conciso no teu falar: muitas coisas em poucas palavras; sê como quem sabe e, ao mesmo tempo, se cala. 9No meio dos poderosos, não tomes demasiada liberdade e, onde houver anciãos, não fales muito. 10Vê-se o relâmpago, antes de se ouvir o trovão; assim a graça precede a modéstia. 11Chegada a hora levanta-te, não te demores; vai para tua casa e não andes a vagabundear. 12Em tua casa, diverte-te e faz o que quiseres, mas não peques com palavras insolentes. 13 E em tudo isto glorifica o teu Criador, que te cumula dos seus bens. Temor de Deus e amor da Lei 14Aquele que teme o Senhor aceitará a sua instrução, e os que o buscam desde a aurora encontram o seu favor. 15Aquele que busca a Lei enriquecer-se-á com ela, mas o que procede com falsidade, achará nela ocasião de ruína. 16Aqueles que temem ao Senhor, encontrarão a justiça, e farão brilhar como uma luz as suas boas acções. 17O homem pecador foge da repreensão, e encontra desculpas para apoiar os seus caprichos. 18O homem prudente não perde nenhuma ocasião para se instruir; o estranho e o soberbo não têm nenhum temor. 19Nada faças sem conselho, e não te arrependerás, depois de ter agido. 20Não te metas por um caminho acidentado, e não tropeçarás nas pedras. 21Não confies num caminho não explorado, 22e guarda-te dos teus próprios filhos. 23Em tudo o que fizeres, sê fiel a ti mesmo, pois nisto também está a observância dos mandamentos.24Aquele que é fiel à Lei, observa os preceitos, e o que confia no Senhor, não sofrerá dano algum.
Sir 33
33 1Aquele que teme o Senhor, não sofrerá mal algum; na provação ele será salvo. 2O sábio não aborrece a Lei, mas quem finge observá-la será como um navio na tempestade. 3O homem sensato crê na Lei; ela é para ele digna de fé como um oráculo. O insensato e trocista4Reflecte antes de responder e serás ouvido; concentra as tuas ideias e depois responde. 5Os sentimentos do insensato são como as rodas de um carro, e o seu pensamento é semelhante a um eixo que gira. 6O amigo zombador é como um garanhão, que relincha debaixo de qualquer cavaleiro. Desigualdade de condições 7Porque é que um dia prevalece sobre outro dia, já que a luz de todos os dias do ano provém do Sol? 8Foi a ciência de Deus que os diferenciou, foi Ele quem distinguiu as estações e as festas. 9Ele elevou e consagrou alguns, e pôs outros no número dos dias comuns. 10Os homens também vêm todos do pó, e é da terra que Adão foi criado. 11Na sua grande sabedoria, o Senhor distinguiu-os e diversificou os seus destinos. 12A uns abençoou e exaltou, a outros santificou e tomou para si; a outros amaldiçoou e humilhou, e derrubou-os do seu lugar. 13Como o barro está nas mãos do oleiro, que o molda a seu bel-prazer, assim o homem está nas mãos do seu Criador, que lhe retribuirá segundo o seu juízo. 14Diante do mal está o bem, diante da morte, a vida; assim também diante do homem piedoso está o pecador. 15Considera assim todas as obras do Altíssimo, duas a duas, e uma oposta à outra. Breve epílogo do autor16Também eu, último a chegar, vigiei, e fiz como o que junta os bagos, depois da vindima. 17Com a bênção de Deus, progredi e enchi o lagar como o vindimador. 18Olhai que eu não trabalhei só para mim, mas para todos os que buscam a instrução. 19Ouvi-me, ó grandes do povo, e vós, os que presidis à assembleia, escutai-me. Distribuição dos bens 20Ao teu filho, à tua mulher, ao teu irmão, ao teu amigo, não concedas autoridade sobre ti, durante a tua vida. Não dês os teus bens aos outros, não te venhas a arrepender e teres de tornar a pedir-lhos.21Enquanto viveres e respirares, não te deixes dominar por ninguém, 22porque é melhor que os teus filhos te peçam, do que estares tu a olhar para as mãos deles. 23Em tudo o que fizeres, conserva a tua autoridade; e não manches a tua reputação. 24No fim da tua vida, no tempo da tua morte, repartirás a tua herança. Os servos 25Para o asno, forragem, vara e carga; para o servo, pão, correcção e trabalho. 26Faz trabalhar o teu servo e estarás descansado; afrouxa-lhe a mão, e buscará a liberdade. 27O jugo e as rédeas fazem dobrar o pescoço, torturas e interrogatórios dobram o servo mau. 28Manda-o para o trabalho, a fim de que não esteja ocioso, porque a ociosidade ensina muita malícia.29Ocupa-o com trabalho conveniente, mas se ele não te obedecer, atormenta-o com grilhões. 30Todavia não cometas excessos, seja com quem for, e não faças nada contra a justiça. 31Se tiveres um criado, estima-o como a ti mesmo, porque o adquiriste à custa do teu sangue.32Se tiveres um doméstico, guia-o como um irmão, porque terás necessidade dele como de ti mesmo. 33Se o maltratares e ele fugir, por que caminho o hás-de procurar?
Sir 34
Loucura dos sonhos 341Vãs e enganosas são as esperanças dos insensatos, e os sonhos dão asas aos néscios. 2Como o que procura agarrar uma sombra ou perseguir o vento, assim é o que se prende a sonhos. 3O espelho e os sonhos são coisas semelhantes: o que neles se vê é irreal. 4Que coisa pura poderá vir do impuro? Que verdade poderá vir da mentira? 5A adivinhação, os augúrios e os sonhos são coisas vãs, como as que imagina a fantasia da mulher grávida. 6A não ser que o Altíssimo te visite, não faças caso dos sonhos. 7Os sonhos, com efeito, extraviaram a muitos, que se perderam, por terem posto neles a sua confiança. 8A palavra da Lei será integralmente cumprida, e a sabedoria é a perfeição na boca do homem fiel. Utilidade das viagens 9Aquele que viajou conhece muitas coisas, e o de grande experiência discorre sabiamente. 10Aquele que não tem experiência, pouca coisa sabe, mas o que viajou aumenta a sua habilidade. 11Vi muitas coisas nas minhas viagens, e o meu saber ultrapassa as minhas palavras. 12Algumas vezes, encontrei-me em perigo de morrer, mas fui livre dele, graças à experiência. Deus protege os que o temem 13O espírito daqueles que temem a Deus viverá, porque a sua esperança está posta naquele que os salva. 14Aquele que teme o Senhor nada temerá, nem terá medo, porque Ele é a sua esperança. 15Feliz aquele que teme o Senhor! Em quem há-de confiar e quem será o seu apoio? 16Os olhos do Senhor estão sobre os que o amam; Ele é um poderoso protector, um sólido apoio, um abrigo contra o calor, uma protecção contra o ardor do meio-dia, um sustentáculo contra o tropeção, um amparo contra a queda. 17Ele eleva a alma, alumia os olhos, dá saúde, vida e bênção. O culto agradável a Deus 18A oblação daquele que sacrifica bens mal adquiridos é imunda, e os presentes dos homens injustos não são agradáveis a Deus. 19O Altíssimo não aprova as dádivas dos ímpios; nem é pela abundância de sacrifícios que Ele perdoa os pecados. 20Imola o filho em presença do pai aquele que oferece sacrifícios com os bens dos pobres. 21O pão dos indigentes é a vida dos pobres; aquele que lho tira é um homicida. 22Quem tira a um homem o pão do seu trabalho, é como quem mata o seu próximo; e derrama sangue o que defrauda o salário do operário. 23Se um edifica e o outro destrói, que lhes resta senão fadiga? 24Se um faz oração e o outro amaldiçoa, de qual ouvirá Deus a voz? 25Se alguém se lava, depois de ter tocado num morto, e o toca outra vez, de que lhe serviu a ablução? 26Assim se porta o homem que jejua por causa dos seus pecados, e volta a cometê-los. Quem ouvirá a sua prece? E que lhe serviu ter-se mortificado?
Sir 35
351Aquele que observa a Lei faz numerosas oferendas; oferece sacrifício salutar o que guarda os preceitos. 2Aquele que se mostra generoso oferece flor de farinha, e o que usa de misericórdia oferece um sacrifício de louvor. 3Fugir do mal é o que agrada ao Senhor, e quem fugir da injustiça obtém o perdão dos pecados. 4Não te apresentes diante do Senhor com as mãos vazias, porque todos estes ritos obedecem a um preceito. 5A oblação do justo enriquece o altar, e o seu perfume sobe ao Altíssimo. 6O sacrifício do justo é aceitável, a sua memória não será esquecida. 7Dá glória a Deus com generosidade e não regateies as primícias das tuas mãos. 8Faz todas as tuas oferendas com semblante alegre, consagra os dízimos com alegria. 9Dá ao Altíssimo, segundo o que Ele te tem dado; dá com ânimo generoso, segundo as tuas posses, 10porque o Senhor retribuirá a dádiva, recompensar-te-á de tudo, sete vezes mais. 11Não procures corrompê-lo com presentes, porque não os aceitará; não te apoies num sacrifício injusto. 12pois o Senhor é um juiz, e não faz distinção de pessoas. 13O Senhor não fará acepção de pessoas em detrimento do pobre, e ouvirá a oração do oprimido. 14Não desprezará a oração do órfão, nem os gemidos da viúva.15Não correm à viúva as lágrimas pela face, e o seu grito não se dirige contra aquele que as faz derramar? 16Aquele que adora a Deus com alegria será bem recebido, e a sua oração chegará até às nuvens. Castigo dos opressores de Israel 17A oração do humilde chegará às nuvens, e não se consolará, enquanto ela não chegar até Deus. 18Ele não se afastará, enquanto o Altíssimo não olhar, não fizer justiça aos justos e restabelecer a equidade. 19O Senhor não tardará nem terá paciência com os opressores, 20enquanto não lhes esmagar os rins e não fizer cair sobre as nações a sua vingança; 21enquanto não suprimir a multidão dos soberbos, e quebrar o ceptro dos iníquos; 22enquanto não retribuir aos homens, segundo as suas obras, e julgar as acções dos homens segundo as suas intenções; 23enquanto não fizer justiça ao seu povo e não o alegrar com a sua misericórdia. 24A misericórdia, no tempo da tribulação, é propícia, como nuvem de chuva no tempo da seca.
Sir 36
Oração pela restauração de Israel (Sl 74) 361«Tem piedade de nós, ó Senhor, Deus de todas as coisas; olha para nós e espalha o teu temor sobre todas as nações. 2Levanta a tua mão contra os povos estrangeiros, para que vejam o teu poder. 3Assim como diante dos seus olhos mostraste em nós a tua santidade, assim também, à nossa vista, mostra neles a tua grandeza. 4Que reconheçam, como também nós reconhecemos, que fora de ti, Senhor, não há outro Deus. 5Renova os teus prodígios, faz novos milagres, glorifica a tua mão e o teu braço direito, 6acende o teu furor e derrama a tua ira; destrói o adversário e aniquila o inimigo. 7Abrevia o tempo e lembra-te do juramento, para que se publiquem as tuas maravilhas. 8Seja consumido no fogo da ira o sobrevivente, e caiam na ruína aqueles que maltratam o teu povo.9Esmaga a cabeça dos chefes inimigos que dizem: ‘Não há ninguém como nós!’ 10Reúne todas as tribos de Jacob, toma-as como tua herança, como no princípio. 11Tem piedade, Senhor, do teu povo, que foi chamado pelo teu nome, e de Israel, que trataste como filho primogénito. 12Tem piedade da cidade do teu santuário, de Jerusalém, lugar do teu repouso. 13Enche Sião do louvor das tuas maravilhas, e o teu povo com a tua glória. 14Dá testemunho a favor daqueles que, desde o princípio, são tuas criaturas, leva a efeito as profecias, em teu nome proferidas. 15Recompensa os que pacientemente esperam em ti, a fim de que os teus profetas sejam acreditados. 16Ouve, Senhor, a súplica dos teus servos, segundo a bênção de Aarão sobre o teu povo, 17e todos sobre a terra reconhecerão que Tu és Senhor, o Deus dos séculos.» Escolha da mulher 18O estômago recebe toda a qualidade de alimentos, mas entre os alimentos um é melhor que outro. 19O paladar distingue o gosto da caça, e o coração sensato discerne as palavras mentirosas. 20O coração perverso é causa de tristeza, mas o homem hábil resistir-lhe-á. 21A mulher pode tomar por esposo a qualquer homem, mas entre as mulheres uma é melhor que outra. 22A beleza da mulher alegra o rosto, e ultrapassa qualquer desejo do homem. 23Se a bondade e a doçura estão nos seus lábios, o seu marido será o mais feliz dos homens. 24Aquele que tem uma mulher possui o primeiro dos bens, uma ajuda condizente e uma coluna de apoio. 25Onde não há sebe, os bens estão expostos ao roubo; onde não há mulher, o homem vive errante e lamentando-se. 26Quem é que se fia de um hábil ladrão, que vagueia de cidade em cidade? 27Assim é o homem a quem falta o ninho, que repousa onde o surpreende a noite.
Sir 37
Verdadeiro e falso amigo 371Todo o amigo dirá: «Eu também contraí amizade contigo.» Há, porém, amigos que só o são de nome. 2Não causa isto uma dor que perdura até à morte, que um companheiro e amigo se converta em inimigo? 3Ó perversa inclinação, onde tiveste origem, para cobrir a terra com a tua perfídia? 4Há companheiro que se aproveita do amigo nas suas diversões, mas, no tempo da tribulação, será seu adversário. 5Há companheiro que se condói da desventura do seu amigo, no interesse do seu ventre; no momento de luta, ele toma o escudo. 6 Não te esqueças em teu coração do teu amigo; no meio da riqueza, não percas a sua lembrança. O bom e o mau conselheiro7Todo o conselheiro se vangloria no seu conselho, e certos conselheiros só visam o seu interesse. 8Diante de um conselheiro, põe-te alerta; vê primeiro quais são os seus interesses porque ele pode aconselhar em seu próprio interesse; não aconteça que ele lance contra ti a sua sorte 9e te diga: «Estás no bom caminho», enquanto se põe do outro lado, para ver o que te acontecerá. 10Não te aconselhes com quem te olha com desconfiança; e, dos que te invejam, guarda os teus segredos. 11Não consultes uma mulher ciumenta sobre a sua rival, um covarde sobre a guerra, um negociante sobre os negócios, um comprador sobre uma coisa para vender, um invejoso sobre a gratidão, um egoísta sobre a bondade, um preguiçoso sobre qualquer trabalho, um operário contratado por ano sobre o termo do seu contrato, um criado preguiçoso sobre uma grande tarefa!... Não confies neles, nem nos seus conselhos. 12Antes, comunica assiduamente com um homem piedoso, que reconheceres como cumpridor dos mandamentos, cuja alma seja semelhante à tua, e que, se tropeçares, compartilhará da tua dor. 13Atende ao conselho do teu coração, porque ninguém te é fiel como ele. 14Com efeito, a alma de um homem adverte-o melhor que sete sentinelas colocadas de atalaia. 15Mas em todas as coisas pede ao Altíssimo que dirija os teus passos na verdade. 16O princípio de qualquer obra é a razão, e a reflexão preceda qualquer acção. 17O coração está na base das mudanças de opinião; dele brotam quatro ramos diferentes: 18o bem e o mal, a vida e a morte; mas quem domina continuamente sobre elas é a língua. A verdadeira e a falsa sabedoria 19Há homem esperto que ensina a muita gente, mas que é inútil para si mesmo. 20E há sábio que, com as suas palavras, se torna odioso e será privado de todo o alimento. 21Não recebeu os favores do Senhor, porque carece de toda a sabedoria. 22Há sábio que é sábio para si mesmo, e o fruto da sua sabedoria é digno de confiança. 23O sábio instrui o seu povo, e os frutos da sua sabedoria são duradoiros. 24O homem sábio será cumulado de bênçãos, e os que o virem louvá-lo-ão. 25A vida de um homem tem os dias contados, mas os dias de Israel são inumeráveis. 26O sábio herdará a confiança no meio do povo, e o seu nome viverá eternamente. A temperança 27Meu filho, prova-te a ti mesmo, durante a tua vida; se uma coisa te é prejudicial, não te apoderes dela. 28Porque nem tudo é vantajoso para todos, nem todos se comprazem nas mesmas coisas. 29Nunca sejas glutão em banquete algum, nem te lances a tudo o que se serve, 30porque o excesso de alimento é causa de doença e a intemperança provoca cólicas. 31Muitos morreram por causa da sua intemperança; porém, o homem sóbrio prolonga a sua vida.
Sir 38
O médico 381Honra o médico, pois podes precisar dele, e porque foi o Altíssimo quem o criou. 2Pois é do Altíssimo que provém a cura, como do rei se recebe um presente. 3A ciência do médico eleva-o em honra, e é admirado na presença dos poderosos. 4O Senhor produziu da terra os medicamentos; o homem sensato não os desprezará. 5Acaso, não foi por meio de um lenho que se tornou doce a água salobra, manifestando assim a sua virtude? 6O Altíssimo deu a ciência aos homens, para ser honrado nas suas maravilhas. 7Por elas, o médico cura e aplaca a dor e com elas o farmacêutico faz misturas. 8E assim, as obras do Senhor não têm fim, e, por Ele, o bem-estar espalha- se sobre a terra. 9Meu filho, se estiveres doente, não te descuides de ti mesmo, mas reza ao Senhor, e Ele te curará. 10Afasta-te do pecado, conserva as mãos puras, e purifica o coração de todo o pecado. 11Oferece incenso, a oblação de flor de farinha, e imola vítimas gordas segundo as tuas posses. 12E chama o médico, porque foi criado por Deus; e não o afastes de ti, porque te é necessária a sua assistência. 13Há ocasiões em que o êxito está nas mãos deles. 14Também eles rogarão ao Senhor que envie por meio deles o alívio e a saúde, a fim de prolongar a vida do doente. 15Aquele que peca na presença de quem o criou, virá a cair nas mãos do médico. O culto dos mortos 16Filho, derrama lágrimas sobre o morto, e chora como um homem que sofreu um rude golpe. Sepulta o seu corpo segundo o costume, e não desprezes a sua sepultura. 17Chora amargamente e irrompe em gritos de dor, observa o luto segundo a dignidade do morto, um dia ou dois, por causa da opinião pública; depois consola-te da tua tristeza. 18Pois a tristeza faz apressar a morte e a melancolia do coração abate as forças. 19A tristeza persiste na desgraça, uma vida de aflição é insuportável. 20Não entregues o teu coração à tristeza, mas afasta-a e lembra-te do teu fim. 21Não te esqueças: da morte não há retorno; em nada darás proveito ao morto e só causarás dano a ti mesmo. 22Lembra-te da sentença que me foi dada, porque a tua será semelhante: ontem para mim, hoje para ti. 23No repouso do morto, deixa descansar a sua memória, e conforta-o quando ele exalar o último suspiro. O escriba e o artífice 24O letrado adquire a sabedoria, no tempo em que está livre de negócios; por isso, aquele que tem poucas ocupações pode chegar a ser sábio. 25Como pode ser sábio o que tem que manejar o arado, cuja glória é aguilhoar os bois, que se ocupa constantemente dos seus trabalhos e só sabe falar das crias dos touros? 26Ele põe todo o seu empenho em traçar os sulcos e o seu cuidado em engordar as bezerras. 27Assim acontece com todo o carpinteiro e construtor, que trabalham dia e noite; com aquele que grava as figuras dos sinetes, variando-as por um trabalho assíduo, que aplica o seu coração a reproduzir as pinturas, e põe todo o cuidado no acabamento do seu trabalho. 28Assim sucede com o ferreiro sentado ao pé da bigorna, atento ao ferro que vai moldando; o vapor do fogo cresta-lhe as carnes, e ele resiste ao calor da fornalha. O estrondo do martelo fere-lhe o ouvido com repetidos golpes, e os seus olhos estão fixos no modelo da sua obra. Aplica o seu coração a aperfeiçoar os trabalhos, e com o seu desvelo os embeleza e lhes dá a última demão. 29Assim sucede com o oleiro que, entregue à sua tarefa, gira a roda com os pés, sempre cuidadoso pela sua obra e pela realização do que está a fazer. 30Com o braço dá forma ao barro e com os pés torna-o flexível. Empenha-se em aperfeiçoar o verniz e perde o sono para limpar o forno. 31Todos estes têm confiança na obra das suas mãos, e cada um é sábio na sua profissão. 32Sem eles, nenhuma cidade seria edificada nem habitada nem frequentada. 33Porém, eles mesmos não tomam parte no conselho do povo e na assembleia não sobressaem; não se sentam nas cadeiras dos juízes, não entendem as leis da justiça; 34não manifestam nem cultura nem sabedoria, nem são encontrados a estudar parábolas. Entretanto, asseguram uma criação perpétua, e as suas orações referem-se aos trabalhos da sua arte.
Sir 39
Elogio do escriba 391Mas não é assim o que se aplica a meditar na Lei do Altíssimo. Investiga a sabedoria dos antigos e dedica-se ao estudo das profecias. 2Guarda os ensinamentos dos homens célebres e penetra na subtileza das parábolas. 3Indaga os segredos dos provérbios e ocupa-se do sentido oculto das parábolas. 4Exerce o seu cargo no meio dos poderosos e comparece diante dos que governam. Percorre terras de nações estranhas, conhece por experiência o que há de bom e de mau entre os homens. 5Desde o alvorecer, volta o seu coração para o Senhor que o criou, e faz a oração na presença do Altíssimo. Abre a boca em oração e pede perdão dos pecados. 6Se for a vontade do Soberano Senhor, ele será repleto do espírito de inteligência; então, ele derramará, como chuva, as palavras da sabedoria; e louvará o Senhor, na sua oração. 7Possuirá a rectidão do julgamento e da ciência e ele meditará nos mistérios de Deus. 8Ensinará ele próprio a doutrina que aprendeu e porá a sua glória na Lei da Aliança do Senhor. 9Muitos louvarão a sua sabedoria, que jamais ficará no esquecimento. A sua recordação não desaparecerá e o seu nome viverá de geração em geração. 10As nações proclamarão a sua sabedoria, a assembleia publicará o seu louvor. 11Se viver muito terá maior reputação do que mil outros, e, se ele morre, quanto fez é suficiente. Todas as obras de Deus são boas 12Falarei ainda das minhas reflexões, porque estou repleto como a Lua- cheia. 13Escutai-me, filhos piedosos, e florescei, como uma roseira que cresce à beira das águas; 14como o incenso, espalhai um aroma suave, desabrochai em flores como o lírio, difundi perfume e entoai cânticos, bendizei o Senhor por todas as suas obras. 15Proclamai a grandeza do seu nome, dai a conhecer os seus louvores, com os cânticos da vossa boca e com as vossas cítaras. Direis assim, em seu louvor: 16«Todas as obras do Senhor são excelentes, tudo quanto Ele determinou será executado a seu tempo». Ninguém pode dizer: «O que é isto? Porquê aquilo?», pois tudo será estudado a seu tempo. 17À sua palavra, a água pára e junta-se; a um imperativo da sua voz, as águas contêm-se em reservatórios. 18A uma ordem sua, realiza-se tudo o que Ele quer e ninguém pode impedir o seu auxílio. 19Estão à sua vista todas as acções dos homens, nada é oculto aos seus olhos. 20O seu olhar estende-se de século em século, e nada é maravilhoso para Ele. 21Não se deve dizer: «O que é isto? Para que serve aquilo?» Porque todas as coisas foram criadas para os seus fins. 22A sua bênção é como um rio que transborda, e como o dilúvio inunda a terra inteira. 23A ira do Senhor será a sorte dos povos que o não buscarem, tal como Ele converteu as águas em sal. 24Os seus caminhos são planos para os santos, mas para os ímpios são escabrosos. 25As coisas boas, desde o princípio, foram criadas para os bons; e as más, para os pecadores.26As coisas mais necessárias à vida do homem são: a água, o fogo, o ferro, o sal, a farinha de trigo, o leite e o mel, o sumo da uva, o azeite e o vestuário. 27Todas estas coisas são um bem para os bons, enquanto que para os ímpios se tornam nocivas. 28Há ventos que foram criados para a vingança e aumentaram os seus tormentos pelo furor. No tempo do extermínio, empregarão a sua força e apaziguarão o furor daquele que os criou. 29O fogo, o granizo, a fome e a morte, todas estas coisas foram criadas para castigo. 30Os dentes das feras, os escorpiões, as serpentes e a espada vingadora, para a ruína dos ímpios. 31Todas estas coisas se regozijam com as ordens do Senhor, e estarão prontas sobre a terra, para servir no momento necessário e, chegando o tempo, executarão pontualmente as suas ordens. 32Por isso, desde o princípio, estou firme nas minhas ideias, que meditei e escrevi. 33Todas as obras do Senhor são boas; chegada a hora, todas cumprirão o seu destino. 34Não há razão para dizer: «Isto é pior do que aquilo», porque as coisas serão achadas boas a seu tempo. 35E agora, de todo o coração e com a boca, louvai e bendizei o nome do Senhor.
Sir 40
Misérias da vida humana 401Uma grande dificuldade foi criada para todos os homens e um pesado jugo oprime os filhos de Adão, desde o dia em que saem do seio da sua mãe, até ao dia em que voltam para a mãe de todos. 2A espera angustiosa do dia da morte constitui objecto de seus pensamentos e o temor de seu coração. 3Desde o que está sentado sobre um trono de glória até ao que jaz, abatido na terra e na cinza;4desde o que está vestido de púrpura e ostenta a coroa, até àquele que só se cobre de pano grosseiro; não é senão furor, ciúme, inquietação, agitação, temor de morte, ressentimentos e contendas. 5E, no tempo em que repousa no leito, o sono da noite perturba-lhe as ideias. 6Ele repousa pouco, ou quase nada, e, mesmo no sono, é perturbado, como em pleno dia, pelas visões do seu coração, como um homem que foge do combate. 7Quando se imagina em lugar seguro, desperta e admira-se do seu vão temor. 8Isto acontece a toda a criatura, desde os homens até aos animais. Mas, para os pecadores, é sete vezes pior. 9A morte, o sangue, as contendas, a espada, as opressões, a fome, a ruína e os flagelos: 10tudo isto foi criado para os maus, e foi por causa deles que veio o dilúvio». Os bens dos ímpios 11Tudo o que vem da terra voltará para a terra, e o que vem das águas volta ao mar. 12Todo o suborno e toda a injustiça serão suprimidos; a rectidão, porém, subsistirá eternamente. 13As riquezas dos injustos secarão como uma torrente; passam como uma trovoada que rebenta quando chove. 14O mau juiz regozija-se ao receber o suborno, mas, no fim, os prevaricadores serão aniquilados. 15A descendência dos ímpios não multiplicará os ramos; as raízes impuras estão fixas nos penhascos. 16A vegetação que cresce junto das águas, à borda de um rio, será arrancada antes de toda a erva dos campos. 17A bondade é como um paraíso de bênção, e a misericórdia permanecerá eternamente. A vida feliz 18Doce é a vida daquele que é independente e a do operário; contudo, melhor ainda é a vida de quem encontra um tesouro. 19Os filhos e a fundação de uma cidade dão fama duradoira, mas é preferível a tudo isto uma mulher irrepreensível. 20O vinho e a música alegram o coração; porém, o amor da sabedoria prevalece sobre ambas as coisas. 21A flauta e a harpa emitem uma suave melodia, porém, a língua suave supera uma e outra. 22A graça e a beleza deleitam a tua vista, mas a vegetação dos campos avantaja-se a ambas as coisas. 23O amigo ajuda o seu amigo, no momento oportuno; mas, mais do que estes dois, é a mulher com o seu marido. 24Os irmãos e uma ajuda são úteis no tempo da tribulação, a misericórdia, porém, salvará mais do que eles. 25O ouro e a prata são a firmeza dos pés; mas um bom conselho supera um e outro. 26As riquezas e a força elevam o coração, mas o temor do Senhor avantaja- se a ambas as coisas. Nada falta ao que tem o temor do Senhor; e com ele não há necessidade de outro auxílio. 27O temor do Senhor é como um paraíso de bênçãos; e protege melhor do que qualquer glória. A mendicidade 28Meu filho, não leves nunca uma vida de mendigo; é melhor morrer que mendigar. 29O homem que olha com ânsia para a mesa alheia, vive uma vida que não é realmente vida; ele mancha-se com alimentos alheios. Mas o homem instruído e educado guardar-se-á de fazer isto. 30Na boca do insensato, será doce o mendigar,
Sir 41
A morte 41 1Ó morte, quão amarga é a tua memória, para o homem que vive em paz no meio das suas riquezas, para o homem tranquilo e afortunado em tudo, e que ainda se encontra em condição de tomar alimento! 2 Ó morte, como é doce a tua sentença para o indigente, cujas forças se esgotam, para o homem já decrépito e consumido de cuidados, quebrantado de ânimo e sem esperança. 3 Não temas a sentença de morte; lembra-te dos que te precederam e dos que virão depois de ti! 4 Este é o juízo do Senhor sobre toda a humanidade; e porque quererias reprovar a Lei do Altíssimo? Sejam dez ou cem ou mil anos, na morada dos mortos não se toma conta dos anos de vida. O castigo dos ímpios 5Os filhos dos pecadores tornam- se objecto de abominação, assim como os que frequentam a casa dos ímpios. 6 A herança dos filhos dos pecadores perecerá; o opróbrio andará com a sua posteridade. 7 Os filhos de um homem ímpio queixam-se do seu pai, porque é por culpa dele que estão na humilhação. 8 Desgraçados de vós, homens ímpios, que abandonastes a Lei do Deus Altíssimo! 9 Se nasceis, é para a maldição que nasceis; se morreis, a maldição é a vossa herança. 10 Tudo o que vem da terra voltará à terra; assim, os ímpios passam da maldição à ruína. 11 Os homens entristecem-se com a perda de seu corpo, mas o nome dos ímpios será apagado. 12 Cuida da tua boa reputação, porque ela te acompanhará mais do que milhares de tesouros preciosos. 13 A vida honesta tem apenas um certo número de dias, mas o bom nome permanece para sempre. 14 Filhos, conservai em paz as minhas instruções; a sabedoria oculta e o tesouro escondido que utilidade têm? 15 Melhor é o homem que esconde a sua loucura, do que o homem que esconde a sua sabedoria. A justa vergonha16 Assim, envergonhai-vos segundo aquilo que vou dizer; porque não é bom ter vergonha de tudo, e nem todas as coisas agradam, na verdade, a todos. 17 Envergonhai-vos da libertinagem diante do vosso pai e da vossa mãe, e da mentira, diante do que governa e do poderoso;18 de um delito, diante do príncipe e do juiz; da iniquidade, diante da assembleia e do povo; 19 da injustiça, diante do companheiro e do amigo; de cometer um roubo no lugar onde moras, 20 por causa da verdade de Deus e da sua Aliança. Envergonha-te de apoiar à mesa os cotovelos; 21 de injuriar ao receber e ao dar, de não responder aos que te saúdam; 22 de fixar os olhos numa prostituta, de voltar o rosto a um parente; 23 de subtrair a parte de outrem ou o que lhe foi dado, de fixar os olhos na mulher casada; 24 de familiaridades com a tua criada; nem te ponhas junto do seu leito; 25 de dizer aos teus amigos palavras injuriosas, de censurar depois de teres dado alguma coisa, 26 de repetir o boato que ouviste e de revelar confidências secretas. 27 Assim, terás a verdadeira vergonha e acharás graça diante de todos os homens.
Sir 42
42 1 Não te envergonhes das coisas que te vou dizer, e não faltes a elas por respeito humano; 2da Lei do Altíssimo e da Aliança, do julgamento que faz justiça ao ímpio, 3 de fazer contas com um colega e com os companheiros de viagem, da doação de uma herança a favor dos teus amigos, 4 da justeza na balança e do peso certo, da aquisição do pouco ou do muito, 5 de não fazer diferença na venda com os negociantes, da correcção frequente dos teus filhos, de ensanguentar o dorso de um mau doméstico, 6 de pôr o selo na porta da casa onde mora uma má mulher; de fechar tudo à chave, onde há muitas mãos, 7 de contar e pesar tudo o que entregares, de assentar no livro tudo o que deres e receberes. 8 Não te envergonhes de corrigir o insensato e o néscio, e o ancião decrépito que discute com os jovens. Assim te mostrarás verdadeiramente sábio e serás louvado por todos. Cuidados de um pai com a sua filha 9Uma filha é para seu pai uma oculta preocupação, o cuidado dela tira-lhe o sono; receia que passe a flor da sua idade sem se casar, ou que, casada, se torne odiosa para o marido; 10 receia que seja manchada na sua virgindade, e que apareça grávida na casa paterna; ou que, casada, seja infiel ao marido, ou que permaneça estéril. 11 Exerce severa vigilância sobre a filha audaciosa, para que não te exponha ao escárnio dos teus inimigos, à detracção da cidade e ao ludíbrio da plebe, e te envergonhe diante da multidão do povo. As mulheres 12 Não fixes os olhos na beleza de ninguém, nem tenhas intimidades com mulheres, 13 porque, assim como das roupas sai a traça, assim, da mulher, a malícia feminina. 14Menos dano te causará a malvadez de um homem do que a bondade de uma mulher; uma mulher causa vergonha e injúria. SEGUNDA PARTE (42,15-50,29) Meditação sobre as obras de Deus 15Relembrarei, agora, as obras do Senhor e anunciarei o que vi. Pelas palavras do Senhor foram realizadas as suas obras e segundo a sua vontade realizou- -se o seu decreto. 16 O Sol que brilha contempla todas as coisas; a obra do Senhor está cheia da sua glória. 17Os santos do Senhor não têm capacidade para contar todas as suas maravilhas, que o Senhor omnipotente solidamente estabeleceu, a fim de que subsistam na sua glória. 18 Ele sonda o abismo e o coração humano, e penetra os seus pensamentos mais subtis. Realmente, o Senhor conhece toda a ciência e contempla os sinais dos tempos futuros. 19 Anuncia o passado e o futuro e descobre os vestígios das coisas ocultas. 20 Nenhum pensamento lhe escapa, não se esconde dele uma só palavra. 21 Dispôs em ordem os grandes feitos da sua sabedoria. Ele que existe antes de todos os séculos e para sempre. Nada se lhe pode acrescentar nem diminuir, nem necessita do conselho de ninguém. 22 Quão amáveis são todas as suas obras! E todavia não podemos ver delas mais que uma centelha. 23 Estas obras vivem e subsistem para sempre e, em tudo o que é preciso, todas lhe obedecem. 24 Todas as coisas vão aos pares, uma corresponde à outra, e Ele nada fez incompleto. 25 Uma contribui para o bem da outra, e quem se saciará de contemplar a sua glória?
Sir 43
O Sol 431 O firmamento límpido é esplendor das alturas, e o aspecto do céu é um espectáculo de glória. 2 O Sol, ao nascer, proclama: «Quão admirável é a obra do Altíssimo!» 3 Ao meio-dia, seca a terra; quem pode suportar o seu calor? 4 Atiça-se a fornalha para os trabalhos que exigem calor; três vezes mais, abrasa o Sol as montanhas. Exala vapores de fogo e, dardejando os seus raios, deslumbra os olhos.5 Grande é o Senhor que o criou; com a sua palavra apressa o seu curso. A Lua e as estrelas 6Também a Lua, sempre exacta, é a marca dos tempos e o sinal do futuro. 7 É a Lua que determina os dias festivos, o seu brilho diminui a partir da Lua-cheia. 8 É ela que dá o nome ao mês, e cresce, de modo admirável, nas suas fases. É farol dos exércitos celestiais, que brilha no firmamento do céu. 9 A glória dos astros faz a beleza do céu, ornamento que brilha nas alturas do Senhor. 10 À palavra do Santo, dispõem-se segundo as suas ordens, e nunca se cansam de estar de sentinela. Os fenómenos meteorológicos 11 Contempla o arco-íris e bendiz aquele que o fez; é muito belo no seu resplendor. 12 Ele cerca o céu com um círculo de glória; são as mãos do Altíssimo que o estendem. 13 Por sua ordem Ele faz cair a neve, e lança relâmpagos segundo os seus decretos. 14Por causa disto, abrem-se os seus tesouros e voam as nuvens como pássaros. 15 Pelo seu grande poder, condensa as nuvens e fragmentam-se as pedras de granizo. 16 Quando Ele aparece, abalam-se os montes e, por sua vontade, sopra o vento sul. 17 A voz do seu trovão amedronta a terra, assim como a tempestade do norte e o redemoinho dos ventos. 18 Espalha a neve como aves que pousam; ela cai como gafanhotos que se abatem; os olhos admiram a beleza da sua brancura e o coração maravilha-se de a ver cair. 19 Deus derrama sobre a terra a geada como sal; quando se congela, torna-se como pontas de espinhos. 20 Sopra o vento frio do norte, e a água congela como um cristal, que repousa sobre toda a massa líquida, revestindo-a como uma couraça. 21 Devora os montes, queima os desertos, e seca a verdura como um fogo. 22 O remédio de todos estes males é uma nuvem que venha depressa; um orvalho que sobrevenha, após o calor, fará voltar a alegria. 23 Segundo o seu desígnio, Ele aplacou o mar profundo, no meio do qual plantou as ilhas.24 Os que navegam sobre o mar contam os seus perigos, e nós, ouvindo-os, admiramo-nos. 25 Ali se encontram obras estranhas maravilhosas, animais de toda a espécie e monstros marinhos. 26Por Ele, o seu mensageiro é bem sucedido, e tudo se dispõe segundo a sua palavra. As obras de Deus estão acima de todo o louvor 27 Por muito que digamos, muito nos ficará por dizer; mas o resumo de todo o nosso discurso é este: «Ele é tudo.» 28 Onde encontraremos nós a força para o glorificar? Sendo o Todo-Poderoso, está acima de todas as suas obras. 29 O Senhor é terrível e soberanamente grande, o seu poder é maravilhoso. 30 Glorificai o Senhor e exaltai-o, tanto quanto puderdes, porque Ele será sempre maior. Exaltai-o com todas as vossas forças, não vos canseis, porque jamais chegareis ao fim. 31 Quem o viu a fim de o poder descrever? Quem é capaz de o louvar como Ele é, em toda a sua imensidão? 32 Bem numerosas ainda são as suas obras ocultas, pois não vimos senão um pouco das suas obras. 33 O Senhor fez todas as coisas, e Ele deu sabedoria aos homens piedosos.
Sir 44
logio dos antepassados (44,1-50,21) 44 1Louvemos os homens ilustres, nossos antepassados, segundo as suas gerações. 2 O Senhor deu-lhes grande glória e magnificência, desde o princípio do mundo. 3 Eles governaram nos seus reinos, homens famosos pelo seu poder, conselheiros pela sua inteligência, anunciadores de oráculos proféticos. 4 Guias do povo, pelos seus conselhos, chefes do povo, pela sagacidade, sábios narradores, pelo seu ensino, 5 criadores de melodias musicais e cantores de poemas escritos. 6 Homens ricos, dotados de poder, vivendo em paz nas suas casas. 7 Todos eles alcançaram glória entre os seus contemporâneos e foram honrados no seu tempo.8 Entre eles há quem deixou um nome, que continua a narrar as suas glórias. 9 Outros há, cuja memória já não existe; pereceram como se não tivessem existido, nasceram como se não tivessem nascido, e da mesma maneira, os seus filhos, depois deles. 10 Porém, aqueles foram homens de misericórdia, cujas obras de piedade não foram esquecidas. 11 Na sua descendência permanecem os seus bens, e a sua herança passa à sua posteridade. 12 Os seus descendentes mantiveram-se fiéis à Aliança, os seus filhos também, graças a eles. 13 A sua posteridade permanecerá para sempre, e a sua glória não terá fim. 14 Os seus corpos foram sepultados em paz, e o seu nome vive de geração em geração. 15 Os povos proclamarão a sua sabedoria, e a assembleia cantará os seus louvores. Henoc e Noé (Gn 5,18-24; 6,9-10; 8,21-22; Heb 11,5-7) 16Henoc agradou ao Senhor e foi arrebatado; é um exemplo de conversão para as nações. 17 Noé foi encontrado justo e perfeito, e, no tempo da ira, tornou-se o elo de reconciliação. Graças a ele, foram deixados alguns sobre a terra, quando veio o dilúvio.18 Com ele foi feita uma aliança perpétua, para que ninguém pudesse ser destruído por outro dilúvio. Abraão, Isaac e Jacob (Gn 12,1-4; 26,3-5; Rm 4,13-25; Heb 11,8-10.17-21) 19 Abraão foi pai ilustre de uma infinidade de povos, e ninguém o igualou em glória. 20Guardou a Lei do Altíssimo, e fez aliança com Ele. O Senhor marcou esta aliança em sua carne; na provação, mostrou-se fiel. 21Por isso, o Senhor prometeu-lhe com juramento que as nações seriam abençoadas na sua descendência, que ele se multiplicaria como pó da terra, que exaltaria a sua posteridade como as estrelas, que a sua herança se estenderia de um mar a outro mar e desde o rio até às extremidades da terra. 22 Fez o mesmo com Isaac por amor de seu pai Abraão. 23 Ele fez repousar sobre a cabeça de Jacob a bênção de todos os homens e a aliança. Confirmou-os nas suas bênçãos, e deu-lhes o país em herança; dividiu-o em porções, que distribuiu entre as doze tribos.
Sir 45
Moisés (Ex 7,14-10,29; 19-24; Heb 11,24-29) 45 1Dele fez descender um homem de bem, que achou favor aos olhos de todos os vivos, amado de Deus e dos homens, Moisés, cuja memória é uma bênção. 2 O Senhor deu-lhe uma glória semelhante à dos santos, tornou-o poderoso para terror dos inimigos. 3 Com as suas palavras fez cessar os prodígios; glorificou-o na presença dos reis; prescreveu-lhe preceitos diante do seu povo e mostrou-lhe algo da sua glória. 4 Consagrou-o pela sua fé e mansidão, escolheu-o entre todos os homens. 5 Fez-lhe ouvir a sua voz e acolheu- o na nuvem. Deu-lhe os seus preceitos face a face, a Lei da vida e da ciência, para ensinar a sua aliança a Jacob e os seus decretos a Israel. Aarão (Ex 28-29; Lv 8,1-14; Nm 16,1-17) 6Exaltou Aarão, um santo semelhante a Moisés, seu irmão, da tribo de Levi.7 Estabeleceu com ele uma Aliança eterna e deu-lhe o sacerdócio do povo. Encheu-o de felicidade com esplêndidos ornamentos, cobriu-o com um manto de glória. 8 Revestiu-o de uma perfeição magnífica, e confirmou-o com insígnias do poder: calções, túnica e manto, 9 orlado de romãs, de numerosas campainhas de ouro, em toda a volta, para tinirem segundo a cadência dos seus passos, para fazer ouvir, no seu templo, um eco, como um memorial para os filhos do seu povo. 10Revestiu-o de vestes sagradas de ouro, de púrpura e de escarlate, do peitoral do julgamento, do oráculo da verdade, trabalho de artista; 11 de pedras preciosas gravadas à maneira de selo num engaste de ouro, obra de um joalheiro, com inscrições cinzeladas como memorial, segundo o número das tribos de Israel; 12 de um diadema de ouro por cima do turbante, trazendo gravada a inscrição de consagração, insígnia de honra, obra magnífica, delícia dos olhos, beleza perfeita. 13 Antes dele, nunca houve coisa tão preciosa, e nenhum estranho se revestiu assim; mas somente os seus filhos e os seus netos, seus descendentes para sempre. 14 Os seus sacrifícios são consumidos pelo fogo, inteiramente, duas vezes ao dia e sem interrupção. 15 Moisés consagrou-o e ungiu-o com óleo santo. Foi para ele um pacto eterno e para os seus descendentes, enquanto durar o céu, e exercer as funções cultuais para com Deus e as de sacerdote, e abençoar o povo, em seu nome. 16 Escolheu-o entre todos os viventes para oferecer ao Senhor o sacrifício, o incenso e o perfume, como memorial, para fazer a expiação pelo povo. 17 Deu-lhe, nos seus mandamentos, poder sobre as disposições dos seus julgamentos, para ensinar as suas exigências a Jacob e explicar a sua Lei a Israel. 18Uns estranhos sublevaram-se contra ele e invejaram-no no deserto: os partidários de Datan e Abiram, e a facção de Coré, toda acesa em fúria. 19 Viu isto o Senhor e não lhe agradou, e foram consumidos pela impetuosidade da sua cólera. Operou prodígios contra eles e consumiu-os na chama do fogo. 20 Aumentou ainda mais a glória de Aarão, deu-lhe uma herança, concedeu-lhe as oferendas das primícias e, sobretudo, pão em abundância, 21 porque podem comer dos sacrifícios do Senhor, uma doação para ele e para a sua descendência. 22 Mas, na terra, ele não deve ter herança, nem no meio do povo receber a sua parte; porque o Senhor é a sua porção e a sua herança. Finéias (Nm 25,7-13) 23 Finéias, filho de Eleázar, é o terceiro em glória, ao mostrar grande zelo no temor do Senhor, ao permanecer firme no meio da revolta do povo; pela sua bondade, obteve o perdão para Israel. 24 Por isso é que Deus fez com ele uma aliança de paz, e lhe deu o principado das coisas santas e do seu povo, a fim de que a dignidade sacerdotal pertencesse sempre a ele e à sua descendência. 25 Também o Senhor fez aliança com David, filho de Jessé, da tribo de Judá; a herança do trono passa só a um dos seus filhos, mas a herança de Aarão, a toda a sua linhagem. 26O Senhor vos conceda a sabedoria do coração, para julgardes o seu povo com justiça, para que não desapareçam as virtudes dos antepassados e que a sua glória passe a seus descendentes.
Sir 46
Josué e Caleb (Js 1,1; 10,10-15; 14,6-15) 461Josué, filho de Nun, valente na guerra, sucedeu a Moisés na função profética; ele que segundo o próprio nome indica, foi um grande salvador dos eleitos do Senhor, derrotando os inimigos que contra ele se levantavam e conseguindo para Israel a sua herança. 2 Que glória não alcançou ele quando, levantando as mãos, brandia a espada contra as cidades! 3 Quem, antes, tinha sido como ele? Foi ele, com efeito, que conduziu as guerras do Senhor. 4 Não se deteve o Sol, ao sinal da sua mão? Não se tornou um só dia tão longo como dois? 5 Ele invocou o Altíssimo, Todo-Poderoso, quando os inimigos atacavam por todos os lados: o grande Senhor o ouviu e fez cair pedras de granizo de grande força. 6 Investiu impetuosamente contra as hostes inimigas e aniquilou-as na descida do vale, para que as nações conhecessem o poder das suas armas, pois ele combatia na presença do Senhor. 7 Ele, na verdade, seguiu o Todo- Poderoso; já no tempo de Moisés, praticara um acto de piedade, junto com Caleb, filho de Jefuné, resolvendo fazer frente à multidão, impedindo o povo de pecar e apaziguando a murmuração provocado pela malícia. 8De entre um número de seiscentos mil homens, estes dois foram escolhidos e livres da morte, para serem introduzidos na sua possessão, na terra onde mana o leite e o mel. 9 O Senhor deu força a Caleb: o seu vigor durou até à velhice, para subir a um lugar elevado do país, que a sua descendência recebeu como herança. 10 Deste modo, todos os filhos de Israel reconheceram que é bom seguir o Senhor. Os juízes 11 Em seguida, vieram os juízes, designados cada um pelo seu nome, cujos corações não se perverteram, porque não se afastaram do Senhor. Seja abençoada a sua memória! 12Os seus ossos floresçam nos seus sepulcros, os seus nomes revivam nos filhos desses homens ilustres! Samuel (1 Sm 3,1-20; 7,3-17; 10,1; 12,1-5; 28,1-3)13 Amado pelo Senhor, o seu profeta Samuel instituiu a realeza e ungiu príncipes, entre o seu povo. 14 Julgou o povo, segundo a Lei do Senhor, e Deus olhou para Jacob. 15 Pela sua fidelidade foi reconhecido como profeta, e foi reconhecido nas suas palavras, como um verdadeiro vidente. 16 Invocou o Senhor Todo-Poderoso, quando os seus inimigos o cercavam por todos os lados, oferecendo um tenro cordeiro. 17 O Senhor trovejou do céu e fez ouvir a sua voz com um grande estrondo. 18 Destroçou os príncipes de Tiro e todos os chefes dos filisteus. 19 Antes da hora do seu eterno repouso, deu testemunho, na presença do Senhor e do seu ungido, de que não tinha recebido dinheiro de pessoa alguma, nem sequer umas sandálias, e ninguém o pôde acusar. 20 Mesmo depois de morrer, profetizou e anunciou ao rei o seu fim; levantou a voz do seio da terra, para profetizar a destruição da impiedade do povo.
Sir 47
David (2 Sm 5,1-25; 7; 12,1-14) 471 Depois dele, surgiu Natan a profetizar no tempo de David. 2 Assim como a gordura da vítima se separa da carne, assim David foi separado de entre os filhos de Israel. 3 Brincou com os leões, como se fossem cabritos, e tratou os ursos como cordeirinhos. 4 Não foi ele quem, na sua mocidade, matou o gigante e tirou a vergonha do seu povo, levantando a mão, com a pedra da sua funda e abatendo a arrogância de Golias? 5 Invocou, na realidade, o Senhor Altíssimo, o qual deu à sua dextra força para derrubar o temível guerreiro e, assim, exaltar o poder do seu povo. 6 Também foi celebrado por causa da morte dos dez mil homens; tornou-se ilustre com as bênçãos do Senhor e foi-lhe oferecida uma coroa de glória. 7 Porque desbaratou os inimigos de todas as partes e exterminou os filisteus, seus adversários, destruindo, até ao dia de hoje, o seu poder. 8Em todas as suas obras, deu graças ao Santo, ao Altíssimo com palavras de louvor. Com todo o seu coração cantou hinos e amou aquele que o tinha criado. 9 Estabeleceu cantores diante do altar, entoando com as suas vozes, doces melodias, dia a dia louvando-o com seus cantos. 10 Deu esplendor às festividades, brilho perfeito aos dias solenes, para que louvassem o santo nome do Senhor e fizessem ressoar o santuário desde a aurora. 11 O Senhor perdoou-lhe os seus pecados, engrandeceu o seu poder para sempre e assegurou-lhe, por sua aliança, a realeza e um trono de glória em Israel. Salomão (1 Rs 3,4-28; 5,9-19; 6; 10,1-27; 11,1-13; 12; 2 Rs 17,21-23) 12Depois, sucedeu-lhe seu filho, cheio de sabedoria; por amor dele, teve um vasto e pacífico reino.13 Salomão reinou em dias de paz. Deus circundou-o de tranquilidade, para que levantasse um templo ao seu nome e lhe preparasse um santuário eterno. 14 Quão sábio foste na tua juventude! Foste cheio de sabedoria como um rio! 15 O teu espírito cobriu toda a terra e encheste-a de sentenças e enigmas. 16A tua fama chegou até às ilhas longínquas, e foste amado na tua paz. 17 Pelos teus cânticos, provérbios, parábolas e interpretações, foste admirado em toda a terra. 18 Em nome do Senhor Deus, que é chamado o Deus de Israel, amontoaste ouro, como se fosse bronze, juntaste prata, como chumbo. 19 Entregaste-te ao amor das mulheres e deste-lhes poder sobre o teu corpo. 20 E maculaste a tua glória, profanaste a tua descendência, atraindo assim a ira sobre os teus filhos, e o castigo sobre a tua loucura. 21 Causaste, com isso, um cisma no reino, de tal modo que surgiu de Efraim um reino rebelde. 22Mas Deus não esqueceu a sua misericórdia, nem anulou nenhuma das suas palavras, não arrancou pela raiz a posteridade do seu escolhido; nem exterminou a linhagem daquele que o amava. Por isso, deixou um resto a Jacob, e a David um rebento da sua linhagem . 23 Por fim, Salomão foi descansar com seus pais, deixando atrás alguém da sua raça, loucura da nação, falho de inteligência, Roboão que, com a sua decisão, incitou o povo à revolta, 24 e Jeroboão, filho de Nabat, que fez pecar Israel e abriu a Efraim o caminho da iniquidade. Os seus pecados se amontoaram de tal maneira, que foram expulsos do próprio país. 25 Entregavam-se a todo o género de maldades, até que veio a vingança sobre eles.
Sir 48
Elias (1 Rs 17; 18,36-38; 19,9-21; 2 Rs 1,10-17; 2,1-12) 481 Levantou-se, depois, o pro-feta Elias, impetuoso como o fogo; as suas palavras eram ardentes como um facho. 2 Fez vir sobre eles a fome e, no seu zelo, reduziu-os a poucos. 3 Com a palavra do Senhor fechou o céu e assim fez cair fogo por três vezes. 4 Quão glorioso te tornaste, Elias, pelos teus prodígios! Quem pode gloriar-se de ser como tu? 5 Tu que arrancaste um homem à morte, da morada dos mortos, pela palavra do Altíssimo; 6 tu precipitaste os reis na ruína, e fizeste cair do seu leito homens gloriosos; 7tu ouviste, no Sinai, o juízo do Senhor, e, no monte Horeb, os decretos da sua vingança; 8 tu sagraste reis, para vingar crimes e estabeleceste profetas para te sucederem; 9tu foste arrebatado num redemoinho de fogo, num carro puxado por cavalos de fogo; 10tu foste escolhido, nos decretos dos tempos, para abrandar a ira antes de enfurecer, reconciliar os corações dos pais com os filhos e restabelecer as tribos de Jacob. 11Felizes os que te viram e os que morreram no amor; pois, nós também viveremos certamente. Eliseu (2 Rs 2,9-15; 6,12-23) 12 Quando Elias foi envolvido num redemoinho, Eliseu ficou repleto do seu espírito. Nunca, em seus dias, ele temeu príncipe algum e ninguém pôde subjugá-lo. 13 Nada era muito difícil para ele, e, ainda depois de morto, o seu corpo profetizou. 14 Durante a vida, fez prodígios e, depois da morte, operou maravilhas. 15 E, apesar de tudo isso, o povo não se converteu, não se afastou dos seus pecados, até que foi expulso da sua terra e espalhado por todo o mundo. 16 Só ficou um povo pouco numeroso, e um príncipe da casa de David. Ezequias (2 Rs 18,13-19,37; 20,4-11; 2 Cr 32,5-33; Is 38,4-8) Alguns deles fizeram o que era do agrado de Deus, mas outros cometeram muitos pecados. 17 Ezequias fortificou a sua cidade, conduziu a água para o interior dela, com ferro cavou o rochedo e construiu reservatórios para as águas. 18 Durante o seu reinado, veio Senaquerib, que enviou Rabsaqués, o qual estendeu a sua mão contra Sião, ensoberbecendo-se com o seu poder. 19 Então, os seus corações e as suas mãos desfaleceram, e sentiram dores como as mulheres que estão de parto. 20 Invocaram o Senhor misericordioso, levantando as suas mãos para Ele. Do Céu, o Santo escutou-os sem demora e libertou-os pela mão de Isaías. 21 Feriu o acampamento dos assírios e o anjo do Senhor exterminou-os. 22 Porque Ezequias fez o que era agradável a Deus; andou corajosamente pelo caminho de seu pai David, como lhe tinha recomendado o profeta Isaías, grande e verídico nas suas visões. 23 No seu tempo, o Sol recuou e prolongou a vida do rei. 24 Com o seu grande espírito, viu o fim dos tempos e consolou os que choravam em Sião; 25 anunciou o que devia acontecer até ao fim dos tempos, e as coisas ocultas, antes de sucederem.
Sir 49
Josias e Jeremias (2 Rs 22-23; Jr 20,1-6; 37,11-21; 38,4-13) 491 A memória de Josias é como uma composição de aromas preparada pelo perfumista; em todos os lábios, a sua lembrança será doce como o mel e como música, num festim onde se bebe vinho. 2 Ele seguiu o bom caminho, convertendo o povo e exterminou as abominações da impiedade. 3 Dirigiu o coração para o Senhor; e em dias de iniquidade agiu piedosamente. 4 Excepto David, Ezequias e Josias, todos os demais multiplicaram seus pecados. Porque abandonaram a Lei do Altíssimo, os reis de Judá pereceram. 5 Por isso, tiveram de entregar a outros o seu reino, e a sua glória a uma nação estrangeira. 6 Os inimigos incendiaram a cidade eleita do santuário, converteram as suas ruas num deserto, segundo a profecia de Jeremias. 7Com efeito, tinham-no maltratado, a ele que fora consagrado profeta, desde o ventre da sua mãe, para derrubar, destruir e arruinar, mas também para construir e plantar. Ezequiel e os doze profetas (Ez 1-3; 9-10) 8 Ezequiel teve uma visão gloriosa, que o Senhor lhe mostrou sobre o carro de querubins,9 porque Ele se lembrou dos inimigos, enviando a tempestade, mas salvou aqueles que seguem o caminho recto. 10Quanto aos doze profetas, que os seus ossos floresçam nos seus túmulos, porque eles consolaram Jacob e o resgataram pela sua fé e pela esperança. Os homens posteriores ao Exílio (Esd 3,2-5,2; Ne 3-4) 11 Como engrandecer a glória de Zorobabel? Ele foi como um selo na mão direita. 12 Do mesmo modo, Jesus, filho de Jocédec. Eles, em seus dias, construíram uma casa e levantaram um templo consagrado ao Senhor, destinado a uma glória eterna. 13Também Neemias, de ilustre memória, reergueu as nossas muralhas arruinadas, refez as nossas portas e ferrolhos e reedificou as nossas casas. Henoc, José, Sem, Set, Adão (Gn 4,25-26; 9,18-27; 42-47) 14 Ninguém, sobre a terra foi criado igual a Henoc, ele que foi arrebatado da terra. 15 Nem se viu nascer um homem como José, chefe dos seus irmãos e o sustentáculo do seu povo. Os seus ossos foram cuidadosamente conservados. 16 Sem e Set alcançaram glória entre os homens, porém, sobre todos os seres vivos da criação, está Adão.
Sir 50
Simão (Lv 9,12-13; 16; Nm 6,23-27; 10,2-10) 501Simão, filho de Onias, Sumo Sacerdote, durante a sua vida restaurou a casa do Senhor e, nos seus dias, fortificou o templo. 2 Foi também por ele que se assentaram os alicerces do edifício duplo e o alto contraforte da muralha do templo. 3 No seu tempo, foi cavado um reservatório, um tanque semelhante ao mar, pela sua capacidade. 4 Empenhou-se em preservar o seu povo da ruína, fortificou a cidade, precavendo-se de assédio. 5 Como era glorioso, rodeado do seu povo, quando saía do Santo dos Santos! 6 Era como a estrela da manhã, no meio das nuvens, como a Lua, nos dias da Lua-cheia, 7 como o Sol radioso sobre o templo do Altíssimo, como o arco-íris que reluz nas nuvens luminosas; 8 como a flor das roseiras, em dia de Primavera, como os lírios, junto das correntes de água, como um ramo da árvore de incenso, em dias de Verão; 9 como o fogo e o incenso no incensário, como um vaso de ouro maciço, ornado de pedrarias; 10 como oliveira, carregada de frutos e como o cipreste que se eleva até às nuvens, 11 quando punha o manto de glória e se revestia dos ornamentos da sua dignidade; quando subia ao altar santo e honrava o recinto do santuário; 12 quando recebia as porções das mãos dos sacerdotes, estando ele de pé junto ao fogo do altar, os seus irmãos rodeavam-no, como uma coroa, como uma plantação de cedros no monte Líbano, como troncos de palmeiras. 13 Todos os filhos de Aarão, na sua pompa, o rodeavam, levando em suas mãos as oferendas do Senhor, na presença de toda a assembleia de Israel, 14 até que ele realizasse as funções litúrgicas no altar, apresentando com nobreza a oferenda do Altíssimo, Todo-Poderoso. 15Estendia a mão sobre a taça e oferecia a libação do suco da uva, derramando-o aos pés do altar, perfume agradável ao Altíssimo, rei do universo. 16 Então, os filhos de Aarão levantavam as suas vozes e tocavam trombetas de metal batido: faziam ouvir grandes clamores, como memorial diante do Altíssimo. 17 Então todo o povo, à uma, se apressava e se prostrava com o rosto por terra, para adorar o seu Senhor, Deus Omnipotente e Altíssimo. 18 Os cantores elevavam a sua voz entoando hinos; num grande clamor, formava-se uma doce melodia. 19 O povo suplicava ao Senhor Altíssimo, implorando diante do Misericordioso, até ficar de todo completo o culto do Senhor, e terminarem as funções sagradas. 20Então, ele descia e levantava as suas mãos sobre toda a assembleia dos filhos de Israel, para dar, em alta voz, a bênção do Senhor, e ter a honra de pronunciar o seu nome. 21 E o povo prostrava-se uma vez mais, para receber a bênção do Altíssimo. Conclusão 22 E agora, bendizei ao Deus do universo, que fez grandes coisas em toda a terra, que nos exaltou desde o ventre materno e que agiu connosco segundo a sua misericórdia. 23 Conceda-nos Ele a alegria do coração, de modo que reine a paz, em nossos dias, em Israel, agora e para sempre. 24Que as suas graças permaneçam fielmente connosco, para nos dar a salvação em nossos dias. 25 Dois povos abomina a minha alma e o terceiro nem sequer é um povo: 26 os que vivem no monte Seir e os filisteus, e o povo insensato que habita em Siquém. 27 Doutrina sábia e inteligente, eis o que deixou escrito neste livro, Jesus, filho de Sira, filho de Eleázar, de Jerusalém, que derramou como chuva a sabedoria do seu coração. 28 Feliz o que medita nestas coisas! O que as guardar no seu coração, será sábio. 29 Com efeito, se as cumprir, será forte em tudo, porque o temor do Senhor guiará os seus passos, e aos homens piedosos ele concede a sabedoria. Bendito seja o Senhor para sempre!
Ámen! Ámen!
Sir 51
Oração de Jesus, filho de Sira 511Eu te dou graças, ó Senhor e Rei, e te louvo, ó Deus meu Salvador. Dou graças ao teu nome. 2 Pois foste para mim um protector e um refúgio, livraste o meu corpo da perdição, das ciladas da língua iníqua e dos lábios que forjam a mentira; perante os meus inimigos foste o meu defensor; e me libertaste, 3 segundo a grandeza da tua misericórdia e do teu nome, dos que rugiam, preparados para me devorarem, da mão dos que atentavam contra a minha vida, das muitas tribulações que padeci, 4 da violência das chamas que me rodeavam e de um fogo que eu não acendi, 5 das profundas entranhas da morada dos mortos, da língua impura, das palavras mentirosas, 6 da calúnia de uma língua injusta, junto do rei. A minha alma esteve perto da morte, e a minha vida estava prestes a cair nas profundezas da morada dos mortos. 7 Cercaram-me de todos os lados, e não havia quem me ajudasse; esperava o auxílio dos homens, mas não apareceu. 8 Lembrei-me, então, das tuas misericórdias, Senhor, e das tuas graças desde sempre, porque livras, os que esperam em ti e os salvas das mãos dos inimigos. 9 Elevei, então, a minha súplica desde a terra, e roguei para ser livre da morte. 10 Invoquei o Senhor, pai do meu senhor, para que não me abandonasse nos dias da tribulação, sem socorro, durante o domínio dos soberbos. Louvarei sem cessar o teu nome; glorificá-lo-ei nos meus louvores. 11 E a minha oração foi ouvida, porque me livraste da perdição, e me salvaste no tempo da desventura. 12 Por isso, eu te glorificarei, cantarei os teus louvores, e bendirei o nome do Senhor. Exortação para procurar a sabedoria13 Quando eu era ainda jovem, antes de ter viajado, busquei abertamente a sabedoria na oração. 14 Pedi-a a Deus, diante do santuário, e buscá-la-ei até ao fim. 15 Na sua flor, como uva sazonada, o meu coração nela se alegrou; os meus pés andaram por caminho recto; desde a minha juventude tenho seguido os seus rastos. 16 Apliquei um pouco o meu ouvido, e logo a percebi; encontrei em mim mesmo muita sabedoria. 17 Nela fiz grandes progressos. Tributarei glória àquele que me deu a sabedoria, 18 porque resolvi pô-la em prática; tive zelo do bem e não serei confundido. 19 Lutou minha alma por ela e pus toda a atenção em observar a Lei. Levantei as minhas mãos ao alto e deplorei a minha ignorância acerca dela. 20 Dirigi para ela a minha alma, e na pureza a encontrei. Graças a ela, adquiri inteligência desde o princípio; por isso nunca serei abandonado. 21 Ansiavam minhas entranhas por buscá-la; por isso fiz uma boa aquisição. 22 O Senhor deu-me a língua, como recompensa e, com ela o louvarei. 23 Vinde a mim, vós que careceis da instrução, e habitai na minha escola. 24 Porque quereis privar-nos disso, se as vossas almas estão sedentas? 25 Abri a minha boca e disse: «Enriquecei-vos da sabedoria sem necessidade de dinheiro; 26 submetei a vossa cerviz ao seu jugo e receba a vossa alma a instrução. Ela está perto, ao vosso alcance! 27 Vede com os vossos olhos quão pouco trabalhei e como encontrei para mim mesmo tanta paz. 28 Adquiri a sabedoria mesmo a preço de prata, e com ela obtereis muito ouro; 29 deleite-se a vossa alma na misericórdia do Senhor e não vos envergonhareis de o louvar. 30 Fazei as vossas obras antes do tempo fixado e, a seu tempo, Deus vos dará a recompensa.» [Assinatura:] Sabedoria de Jesus, filho de Sira. aLouvai ao Senhor porque Ele é bom, porque a sua misericórdia é eterna. bLouvai o Deus dos louvores, porque a sua misericórdia é eterna. cLouvai o guarda de Israel, porque a sua misericórdia é eterna. dLouvai o criador do universo, porque a sua misericórdia é eterna. eLouvai o redentor de Israel, porque a sua misericórdia é eterna. fLouvai o que reúne os dispersos de Israel, porque a sua misericórdia é eterna. gLouvai o que reconstrói a sua cidade e o seu templo, porque a sua misericórdia é eterna. hLouvai o que restaura o poder da casa de David, porque a sua misericórdia é eterna. iLouvai o que escolheu como sacerdotes os filhos de Sadoc, porque a sua misericórdia é eterna. jLouvai o escudo de Abraão, porque a sua misericórdia é eterna. kLouvai o rochedo de Isaac, porque a sua misericórdia é eterna. lLouvai o Forte de Jacob, porque a sua misericórdia é eterna. mLouvai o que escolheu Sião, porque a sua misericórdia é eterna. nLouvai o Rei dos reis, porque a sua misericórdia é eterna. oEle reerguerá o poder do seu povo, motivo de louvor para todos os seus fiéis, para Israel, o povo que está perto dele. Aleluia.
Eclesiastes
O livro começa com a expressão «Palavras de Qohélet, filho de David, rei de Jerusalém», geralmente considerada como título da obra. No contexto da literatura sapiencial do Médio Oriente, encontram-se obras semelhantes a este livro, tanto no Egipto (o “Diálogo do Desesperado com a sua Alma”, os “Cantos do Harpista”) como na Mesopotâmia (especialmente o diálogo acróstico chamado “Teodiceia Babilónica”).
NOME
Etimologicamente, “Qohélet”, parece ter conexão com o termo “Qahal”, isto é, “assembleia”. “Qohélet” designa um substantivo comum, aparecendo, por vezes, acompanhado de artigo. É alguém que tem a função de pregador ou de presidente da assembleia cultual. O texto grego traduziu o termo hebraico “Qohélet” por “Eclesiastes”, que se transferiu para o latim e, depois, para as outras línguas. Daí o título do livro aparecer como Eclesiastes, por influência grega e latina, ou como Qohélet, que é a tendência das traduções modernas, transliterando o hebraico.
Qohélet é identificado em 1,1 com o filho de David, rei de Jerusalém. Um tal filho de David só poderia ser Salomão. Porém, um estudo sério, tanto no plano da linguagem como no plano da doutrina, situa o livro num período posterior ao regresso do Exílio e anterior à época dos Macabeus. O facto de aludir ao rei Salomão, nada significa; atribuí-lo àquele soberano não passa de uma ficção literária por parte de alguém que procura um patrocínio de peso para as suas próprias reflexões.
DIVISÃO E CONTEÚDO
Devido a variados fluxos e refluxos, o Eclesiastes apresenta um carácter compósito que torna difícil a sua compreensão. Mas nem por isso pode pôr-se em causa a unidade da sua autoria. Podemos dividir assim o livro:
- Prólogo (1,2-11): fala do retorno cíclico das coisas.
- I. 1,12-2,26: O autor faz a sua autocrítica, constatando a inutilidade dos esforços do homem para se libertar da condição humana. A conclusão a que chega é: «também isto é ilusão» (2,26), princípio, aliás, solenemente afirmado logo em 1,2 e que dá o tom de fundo ao livro.
- II. 3,1-6,12: demonstra o aspecto negativo e os limites de toda a realidade humana, ao mesmo tempo que toma consciência de que tudo é dom de Deus.
- III. 7,1-12,7: apresenta algumas reflexões sobre a sabedoria e a sua relação com a justiça, a mulher, o exercício do poder, o problema da justiça imanente e as anomalias que existem no mundo.
TEOLOGIA
Em forma tipicamente sapiencial de reflexão, de confissão, de máximas e de considerações várias de cariz autobiográfico, o autor chama a atenção para a finalidade da existência humana. Este não é pessimista, nem optimista, nem oportunista; mas sim realista, lúcido, inconformista e franco, atento ao próprio ritmo da vida e consciente da radical insuficiência do homem, face à realidade da morte, para resolver o mistério da existência.
Reflectindo sobre a própria experiência o autor não orienta o seu pensamento segundo um plano bem definido; vai seguindo a mesma dinâmica da vida, marcada por antinomias, paradoxos, enigmas, dramas, repetições, correcções, mistérios... e por clareiras de felicidade. E chega à célebre conclusão de que tudo é ilusão, isto é, inconsistente e incompreensível à razão humana. Esta expressão aparece no princípio e no fim do livro (1,2 e 12,8), formando uma inclusão literária, sinal da importância que o autor lhe quer conferir.
O livro é uma obra desconcertante, ao questionar valores que, na perspectiva da sabedoria tradicional, gozavam de um estatuto especial. O próprio autor procura identificar-se com Salomão (1,1), que tivera tudo o que um hebreu podia idealizar para uma vida feliz: sabedoria, poder, glória, riqueza, amor, fama e prestígio. Tal identificação realça melhor a ilusão de tudo o que existe sobre a terra.
A morte é apresentada como o absurdo de toda a existência, atingindo a todos igualmente, ricos e pobres, sábios e insensatos, homens e animais (3,19-22).
Seguindo o exemplo de Job, Eclesiastes também apresenta o problema da retribuição do bem e do mal, contradizendo as posições tradicionais (8,9-15). O mistério do além atormenta-o, mas ele não vislumbra nenhuma saída (3,21; 9,10; 12,7). A realidade encontra-se cheia de coisas incompreensíveis: a natureza não faz mais do que repetir-se ciclicamente; a História não traz nada de novo porque, na verdade, cada geração apenas repete o que outras precedentes fizeram; a incongruência e o acaso dominam a vida; falta uma lei de retribuição inequívoca, de modo a convencer o homem acerca do valor do seu comportamento moral.
No entanto, Eclesiastes é um homem de fé. Perante situações absolutamente incompreensíveis para a razão humana, acaba reconhecendo que a Deus não se pode pedir contas (7,13); que o homem deve aceitar na vida tanto as provações como as alegrias (7,14) e que é preciso observar os mandamentos e temer a Deus.
Diante da incompreensibilidade da vida e o absurdo da morte, o homem, por um dom especial que Deus colocou no seu coração, acaba por intuir uma certa visão de conjunto da realidade (3,11.14), percebendo que deve existir um sentido global das coisas (8,17).
Para Eclesiastes, a sabedoria vale mais do que a insensatez, mas apenas na ordem prática, para um melhor adestramento nas tarefas da vida quotidiana; por vezes, a riqueza faz viver melhor do que a pobreza. Neste caso, deve--se viver intensamente as alegrias que a vida possa oferecer. Estas são um dom de Deus, no verdadeiro sentido da palavra (3,13; 5,17; 8,15; 9,9). Tudo isso depende unicamente de uma intervenção imperscrutável de Deus na vida da humanidade, sem que esta possa fazer algo para merecê-lo. Por isso, cada homem e cada mulher deve viver no temor de Deus, consciente de estar totalmente nas suas mãos. O temor de Deus parece ser a atitude religiosa fundamental de Eclesiastes que, não rejeitando a prática religiosa hebraica (4,17-5,6), não a considera uma garantia para a prosperidade e a felicidade humanas.
Na linha do livro de Job, Eclesiastes põe em causa as certezas da sabedoria tradicional, mas ainda não tem soluções para as substituir. É uma obra de transição, situando-se na encruzilhada do pensamento hebraico; e cria expectativa para uma nova luz que, sendo dom de Deus, ilumina todo o homem que vem a este mundo (Jo 1,9). Representa ainda uma etapa do progresso religioso que, superando as concepções antigas, prepara os espíritos para uma revelação mais perfeita.
Ecl 1
Prólogo
1Palavras de Qohélet, filho de David, rei em Jerusalém.
– ilusão das ilusões: tudo é ilusão.
3Que proveito pode tirar o homem de todo o esforço que faz debaixo do Sol?
4Uma geração passa, outra vem; e a terra permanece sempre.
5O Sol nasce e o Sol põe-se e visa o ponto donde volta a despontar.
6O vento vai em direcção ao sul, depois ruma ao norte;
e gira, torna a girar e passa,
e recomeça as suas idas e vindas.
7Todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche.
Para onde sempre correram, continuam os rios a correr.
8 Todas as palavras estão gastas, o homem não consegue já dizê-las.
A vista não se sacia com o que vê, nem o ouvido se contenta com o que ouve.
9Aquilo que foi é aquilo que será;
aquilo que foi feito, há-de voltar a fazer-se:
e nada há de novo debaixo do Sol!
10Se de alguma coisa alguém diz: «Eis aí algo de novo!»,
ela já existia nas eras que nos precederam.
11Não há memória das coisas antigas;
e também não haverá memória do que há-de suceder depois;
nem ficará disso memória entre aqueles que hão-de vir mais tarde.
Ilusão da ciência – 12Eu, Qohélet, fui rei de Israel, em Jerusalém, 13apliquei o meu espírito a estudar e a explorar, pela sabedoria, todas as coisas que sucedem debaixo do céu. É uma tarefa ingrata que Deus deu aos homens e os oprime.
14Vi tudo o que se faz debaixo do Sol
e achei que tudo é ilusão e correr atrás do vento.
15O que é torto não se pode endireitar
e o que é falho não se pode completar.
16Disse no meu coração: «Eu reuni e acumulei em sabedoria mais do que todos os que, antes de mim, governaram Jerusalém, e o meu coração penetrou muito profundamente na sabedoria e no conhecimento.»
17Apliquei, igualmente, o meu coração a conhecer a sabedoria, a loucura e a insensatez; e reconheci que também isto é correr atrás do vento.18Porque na muita sabedoria há muita arrelia, e o que aumenta o conhecimento, aumenta o sofrimento.
Ecl 2
Ilusão dos prazeres – 1Eu disse em meu coração: «Vem! Quero fazer-te experimentar a alegria; saboreia a felicidade.» E eis que também isto é ilusão. 2Do riso eu disse: «Loucura!» e da alegria: «Para que serve?» 3Resolvi, em meu coração, entregar-me ao vinho; embora o meu coração se norteasse ainda pela sabedoria; aferrei-me à loucura até ver o que convém aos filhos dos homens, ou que devem eles fazer debaixo do céu nos limitados dias da sua vida.
4Multipliquei os meus empreendimentos, para mim construí casas e plantei vinhas; 5para mim fiz hortas e pomares, plantei neles árvores de todas as espécies de fruto; 6para mim construí depósitos de água para regar o bosque onde crescem as árvores. 7Comprei servos e servas; outros nasceram-me em casa. Possuí muito gado, bois e ovelhas, mais do que todos os que me precederam em Jerusalém. 8Para mim amontoei prata e ouro, riquezas de reis e de províncias; escolhi para mim cantores e cantoras. Enfim, as delícias dos filhos dos homens, uma mulher e mais mulheres.
9Tornei-me maior e mais rico do que todos quantos me precederam em Jerusalém; mas a minha sabedoria permanecia comigo 10e de tudo quanto os meus olhos desejaram, nada lhes recusei: não privei o meu coração de nenhuma alegria, pois o meu coração sentiu alegria em todas as minhas canseiras e este foi o quinhão que me ficou de todo o meu esforço. 11E voltei-me para todas as obras que as minhas mãos tinham feito e para o esforço que me custou fazê-las: e eis que tudo era ilusão e correr atrás do vento e que nada havia de proveitoso debaixo do Sol.
12E voltei-me para a consideração da sabedoria, da loucura e dos desvarios. Que fará o homem que sucede ao rei? O que já foi feito! 13E reconheci que a sabedoria leva vantagem sobre a loucura, como a luz leva vantagem sobre as trevas.
O sábio e o louco – 14O sábio tem os olhos na testa, mas o insensato anda nas trevas. E reconheci também que a todos eles espera a mesma sorte.
15E eu disse em meu coração: «A sorte do insensato tocar-me-á a mim também. Para que serve a minha sabedoria?» Então, decretei em meu coração que também isto é ilusão. 16Pois não há memória que dure sempre nem para o sábio nem para o insensato; antes, passado algum tempo, tudo igualmente se esquece.
Mas então? Tanto morre o sábio como o insensato! 17Odiei a vida, pois é mau para mim quanto se faz debaixo do Sol. Tudo é ilusão e correr atrás do vento. 18E odiei todos os esforços que suportei debaixo do Sol, porque tudo hei-de deixar àquele que virá depois de mim. 19E quem sabe se esse será sábio ou insensato? Mas é ele quem será senhor de todo o fruto dos meus esforços que debaixo do Sol me custaram trabalho e sabedoria. Também isto é ilusão.
20Desesperei em meu coração de todo o trabalho que suportei debaixo do Sol. 21Porque há quem se esforce com sabedoria, conhecimento e bom êxito, para deixar o fruto do seu labor a outro que não se esforçou. Também isto é ilusão e grande mal. 22Pois que resta ao homem de todo o seu esforço, de toda a azáfama com que se afadigou debaixo do Sol? 23Todos os seus dias são apenas dor e todo o seu trabalho, apenas arrelia; mesmo durante a noite o seu coração não se aquieta. E também isto é ilusão.
Conclusão – 24Nada há de melhor para o homem do que comer e beber e gozar o bem-estar, fruto do seu trabalho. Mas notei também que isto vem da mão de Deus. 25Quem, com efeito, come e bebe senão graças a Ele? 26Àquele que lhe é agradável, Deus dá sabedoria, conhecimento e alegria; mas, ao pecador, dá o cuidado de recolher e acumular bens, para depois os deixar a quem Deus quiser. E também isto é ilusão e correr atrás do vento.
Ecl 3
Tudo tem o seu tempo
1Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu:
2tempo para nascer e tempo para morrer,
tempo para plantar e tempo para arrancar o que se plantou,
3tempo para matar e tempo para curar,
tempo para destruir e tempo para edificar,
4tempo para chorar e tempo para rir,
tempo para se lamentar e tempo para dançar,
5tempo para atirar pedras e tempo para as juntar,
tempo para abraçar e tempo para evitar o abraço,
6tempo para procurar e tempo para perder,
tempo para guardar e tempo para atirar fora,
7tempo para rasgar e tempo para coser,
tempo para calar e tempo para falar,
8tempo para amar e tempo para odiar,
tempo para guerra e tempo para paz.
A eternidade no coração – 9Que proveito tira das suas fadigas aquele que trabalha? 10Eu vi a tarefa que Deus impôs aos filhos dos homens para que dela se ocupem. 11Todas as coisas que Deus fez, são boas a seu tempo. Até a eternidade colocou no coração deles, sem que nenhum ser humano possa compreender a obra divina do princípio ao fim. 12Eu concluí que nada é melhor para o homem do que folgar e procurar a felicidade durante a sua vida. 13Todo o homem que come e bebe e encontra felicidade no seu trabalho, tem aí um dom de Deus.14Reconheci que tudo o que Deus faz é para sempre, sem que se possa acrescentar ou tirar nada. Deus procede de maneira a ser temido.15Aquilo que é já existiu, e aquilo que há-de ser já antes foi; Deus vai à procura daquilo que não se encontrou.
A morte, destino comum – 16E eu vi ainda, debaixo do Sol, a injustiça ocupar o lugar do direito e a iniquidade ocupar o lugar da justiça.
17Então eu disse em meu coração: «Deus julgará o justo e o ímpio, pois há tempo para todas as coisas e tempo para todas as obras.»
18E disse em meu coração acerca dos filhos dos homens: «Deus põe-nos à prova, para lhes mostrar que, só por si, são semelhantes aos animais. 19Porque é o mesmo o destino dos filhos dos homens e o destino dos animais; um mesmo fim os espera. Como a morte de um assim é a morte do outro. A ambos foi dado o mesmo sopro, e o homem não tem qualquer vantagem sobre o animal, pois tudo é ilusão. 20Todos vão para um mesmo lugar. Todos saíram do pó e ao pó hão-de voltar todos. 21Quem sabe se o sopro de vida dos filhos dos homens subirá às alturas, e o sopro de vida dos animais descerá ao fundo da terra? 22E reconheci que não há felicidade maior para o homem do que alegrar-se com as suas obras. Este é o quinhão que lhe toca. Pois quem o trará de volta para ver o que acontecerá depois dele?»
Ecl 4
As lágrimas dos oprimidos – 1E, de novo, considerei todas as opressões que se cometem debaixo do Sol. Vede as lágrimas dos oprimidos: eles não têm consolador. Os seus opressores fazem-lhes violência: eles não têm consolador. 2E eu, então, felicitei aqueles que já morreram, de preferência aos vivos que ainda estão vivos. 3E mais felizes que uns e outros são os que nunca chegaram à existência e não viram o mal que se comete debaixo do Sol. 4Vi também que todo o esforço e todo o êxito de uma obra não passam de inveja de uns para com os outros. Também isto é ilusão e correr atrás do vento.
5O insensato cruza os braços e devora-se a si mesmo:
6«Mais vale um punhado de lazer,
do que duas mãos cheias de esforço e correr atrás do vento.»
7Vi ainda outra ilusão debaixo do Sol: 8eis um homem só, sem ninguém junto de si, não tem filho, nem irmão; mas não cessa de se esforçar, nem os seus olhos se fartam de riquezas: «Para quem me esforço eu, privando-me de coisas boas?» Também isto é ilusão e tarefa ingrata.
Vida partilhada
9É melhor dois do que um só:
tirarão melhor proveito do seu esforço.
10Se caírem, um ergue o seu companheiro.
Mas ai do solitário que cai:
não tem outro para o levantar!
11E se dormirem dois juntos, dormem quentes;
mas se alguém está só, como se há-de aquecer?
12Se um só é oprimido, dois já conseguem resistir a isso;
o cordel dobrado em três não se parte facilmente.
Ilusão do poder
13Vale mais um jovem pobre, mas sábio,
do que um rei velho, mas insensato,
que já não sabe aceitar conselhos.
14Mesmo que tenha saído da prisão para reinar,
mesmo que tenha nascido pobre no seu reino,
15vi todos os seres vivos que andam debaixo do Sol
acompanhar o jovem que ia suceder ao rei.
16Era interminável a multidão que o acompanhava,
da qual ele se tornara chefe.
Mas a geração seguinte não se regozijará nele.
Tudo isto é ilusão e correr atrás do vento.
Ponderação nas coisas de Deus 17Vê onde pões os pés, quando entras na casa de Deus.
Aproxima-te para escutar; isto vale mais do que o sacrifício dos insensatos,
pois eles não sabem que fazem o mal.
Ecl 5
1 Não digas nada inconsideradamente nem o teu coração se apresse a proferir palavras diante de Deus, pois Deus está no céu, e tu, na terra; sejam, portanto, poucas as tuas palavras.
2Os sonhos vêm das muitas ocupações,
os despropósitos, do muito falar.
3Se fizeste um voto a Deus, trata de o cumprir sem demora, porque aos insensatos Deus não é favorável. Cumpre, pois, tudo o que tiveres prometido. 4É melhor não prometeres do que prometeres e não cumprires.
5Não permitas à tua língua que te torne culpado, nem digas ao mensageiro de Deus que foi apenas uma inadvertência, para que não suceda que Deus se irrite com as tuas palavras e reduza a nada as obras das tuas mãos. 6Muitos sonhos geram muitas ilusões e muitas palavras. Tu, porém, teme a Deus.
Desordem social – 7Se vires na tua terra a opressão do pobre, ou a violação do direito e da justiça, não te admires, porque o que está alto tem acima de si outro mais alto, e sobre ambos há ainda outro mais elevado. 8O proveito da terra é para todos; o rei é servido dos campos cultivados.
Ilusão das riquezas – 9Aquele que ama o dinheiro nunca se saciará do dinheiro, e aquele que ama a riqueza, a riqueza não virá ao seu encontro. Também isto é ilusão. 10Onde abundam os bens, abundam os que os devoram. E que vantagem tem o dono dos bens além de vê-los com os seus olhos?
11Doce é o sono do trabalhador, quer tenha comido pouco ou muito; mas a abundância do rico não o deixa dormir descansado.
12Vi outra dolorosa miséria debaixo do Sol:
a riqueza entesourada para desgraça do seu dono.
13Perdem-se essas riquezas num mau negócio,
e se tiver um filho, este fica sem nada nas mãos.
14Assim como saiu nu do ventre de sua mãe,
de novo nu partirá como veio,
e nada levará do seu esforço,
nada nas mãos quando se for.
15Sim, é uma dolorosa miséria que tal como veio, assim irá.
De que lhe serve ter-se esforçado para o vento?
16Não consumirá todos os seus dias nas trevas,
na aflição, no sofrimento e no azedume?
A felicidade neste mundo – 17Compreendi que é belo e bom comer e beber, e sentir-se feliz em todo o esforço que se tem de fazer debaixo do Sol, nos breves dias de vida que Deus concede ao homem. Esta é a sua sorte.
18Se Deus dá ao homem bens e riquezas e a possibilidade de usufruir deles, de desfrutar da sua parte e viver alegre no seu esforço, isso é um dom de Deus. 19Não pensará muito nos dias da sua vida, porque Deus lhe concede a alegria de coração.
Ecl 6
Infelicidades neste mundo 1Vi ainda outro mal debaixo do Sol e que pesa grandemente sobre o homem: 2um homem, a quem Deus deu bens, riquezas e honras, a quem nada falta de quantas coisas deseja, mas a quem Deus não permite gozar delas; antes, virá um estranho que há-de devorar tudo. Isto é ilusão e grande dor.
3Um homem, embora crie uma centena de filhos
e viva muitos anos e numerosos dias,
se a sua alma não se saciou de felicidade
e se foi privado de sepultura,
não duvido afirmar que mais feliz do que ele é um aborto.
4Porque este veio ao mundo em vão e vai para as trevas,
e o seu nome permanecerá nas trevas;
5não viu o Sol nem o conhece; cai daqui para ali.
6E mesmo que alguém vivesse dois mil anos,
não veria a felicidade.
Acaso não vão todos para o mesmo lugar?
7Todo o esforço do homem é para a sua boca,
mas o seu apetite nunca se satisfaz.
8Qual é a superioridade do sábio sobre o insensato?
Qual a vantagem do pobre que sabe conduzir-se na vida?
9Melhor é o que vêem os olhos do que a agitação dos desejos.
Mas também isto é ilusão e correr atrás do vento.
10Tudo o que existiu já teve um nome e sabe-se o que é um homem.
Mas ele não pode disputar contra quem é mais forte do que ele.
11Onde há muitas palavras, há muita ilusão. Que aproveita o homem com isso? 12E quem pode saber o que é melhor para o homem na vida, durante os limitados dias da sua vã existência que passa como a sombra? Ou quem poderá dizer ao homem o que acontecerá depois dele debaixo do Sol?
Ecl 7
Máximas da sabedoria
1Mais vale um bom nome do que um bom perfume,
mais vale o dia da morte que o dia do nascimento.
2Mais vale ir a uma casa em luto
do que a uma casa em festa,
pois esse é o fim de todo o homem:
que os vivos meditem nele no seu coração.
3Mais vale a tristeza do que o riso,
porque a tristeza do rosto é boa para o coração.
4O coração dos sábios está na casa do luto;
o coração dos insensatos, na casa da alegria.
5Mais vale ouvir a reprimenda de um sábio
do que a cantilena dos insensatos.
6Tal como o crepitar dos gravetos sob a caldeira,
assim é o riso do insensato. Também isto é ilusão.
7Pois a opressão torna o sábio insensato e o suborno corrompe o coração. 8É melhor o fim de uma coisa do que o seu princípio; mais vale a paciência do que a arrogância.
9Não sejas fácil em irar-te, porque a ira se aninha nas entranhas dos insensatos. 10Não digas: «Porque foram os dias antigos melhores que os de agora»? Pois não é a sabedoria que te inspira essa pergunta.
11Bom é ter sabedoria e, também, ter uma herança.
Isso é vantajoso para os que vêem o Sol.
12A sabedoria protege-nos e o dinheiro também nos protege,
mas a sabedoria tem a vantagem de dar vida aos que a possuem.
13Considera as obras de Deus:
quem poderá endireitar o que Ele deixou ficar torto?
14No dia da felicidade, sê alegre;
no dia da desgraça, reflecte,
pois Deus fez uma a par da outra,
a fim de que o homem não descubra
o que depois lhe irá acontecer.
15Vi tudo isto no decurso da minha vã existência:
há um justo que morre apesar da sua justiça,
e há um mau que continua a viver, apesar da sua malícia.
16Não queiras ser excessivamente justo
nem demasiado sábio: para quê arruinares-te?
17Não faças demasiado mal e não sejas insensato.
Porque hás-de querer morrer,
antes da tua hora?
Descobertas da sabedoria
18Bom é que guardes isto e não negligencies aquilo,
pois aquele que teme a Deus ultrapassa tudo isso.
19A sabedoria dá ao sábio uma força superior
à de dez chefes de guerra reunidos numa cidade.
20Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e não peque.
21Não prestes atenção a todas as palavras que se dizem,
para que não ouças o teu servo falar mal de ti.
22A tua consciência sabe que também tu, muitas vezes,
tens falado mal dos outros.
23Tudo isto eu quis experimentar a respeito da sabedoria.
Disse: Alcancei a sabedoria; mas ela está longe de mim.
24Continua distante o que estava distante,
e profundo, o que estava profundo: quem o poderá sondar?
25Apliquei todo o meu coração
a explorar e a buscar sabedoria e inteligência,
a reconhecer que o malvado é um louco
e a insensatez, uma demência.
26Eu considero que mais amargo do que a morte
é encontrar uma mulher que é uma armadilha,
cujo coração é uma rede, e cujas mãos são cadeias.
Aquele que é agradável a Deus fugirá dela,
mas o pecador será apanhado por ela.
27Eis o que eu concluí – disse Qohélet –
após ter examinado uma coisa depois da outra,
para lhes encontrar o sentido.
28Eis o que a minha alma ainda busca e não descobre:
entre mil homens achei um,
e entre todas as mulheres nem uma só achei.
29Somente descobri isto:
Deus criou os homens rectos,
eles, porém, procuraram maquinações sem fim.
Ecl 8
Consciência humana
1Quem se pode comparar ao sábio?
Quem conhece a razão das coisas?
A sabedoria do homem alegra o seu rosto
e abranda a dureza da sua face.
2Cumpre a ordem do rei,
por causa do juramento feito a Deus.
3Não te apresses a fugir da sua presença,
não teimes em praticar o que lhe desagrada,
porque o rei pode fazer tudo o que lhe apraz.
4Pois a palavra do rei é soberana;
quem lhe pode dizer: «Que fazes tu?»
5Aquele que observa o preceito não experimentará mal algum;
o coração do sábio conhece o tempo e o julgamento.
6Todas as coisas têm o seu tempo e o seu julgamento,
mas é grande a aflição que pesa sobre o homem.
7Ele não conhece o futuro;
quem lhe poderá dizer como as coisas se passarão?
8Ninguém é senhor do seu sopro de vida,
nem é capaz de o conservar.
Ninguém tem poder sobre o dia da sua morte,
nem faculdade de afastar esse combate;
nem ao ímpio o poderá salvar a sua impiedade.
Contingências da vida humana
9Vi tudo isto e apliquei o meu espírito
a considerar tudo o que se faz debaixo do Sol,
num tempo em que um homem domina outro homem para lhe fazer mal.
10E, então, vi ímpios a receberem sepultura,
e vinham do templo glorificá-los na cidade:
mas também isto é ilusão.
11Porque a sentença contra o que pratica o mal não é executada imediatamente,
então, o coração dos homens enche-se de desejos de fazer mal.
12Ainda que o pecador cometa cem vezes o mal, ele vê a sua vida prolongada.
Sei, no entanto, que a felicidade é para os que temem a Deus
e se enchem de respeito na sua presença.
13Não haverá felicidade para o mau;
tal como a sombra que passa, não poderá prolongar a sua vida,
pois, na presença de Deus, não mostra temor.
14Há ainda outra ilusão sobre a terra:
há justos que são tratados como se tivessem sido ímpios;
e há ímpios que são tratados como se tivessem sido justos.
Declaro que também isto é ilusão.
15Por isso, louvei a alegria,
visto não haver nada de melhor para o homem, debaixo do Sol,
do que comer, beber e divertir-se;
é isto que o acompanha no seu trabalho,
durante os dias que Deus lhe conceder debaixo do Sol.
O destino humano
16Quando apliquei o meu espírito ao estudo da sabedoria
e à observação das coisas que se passam sobre a terra,
vi que há homens que nem de dia nem de noite deixam adormecer os seus olhos,
17e contemplei toda a obra de Deus,
e vi que o homem não pode descobrir tudo o que se faz debaixo do Sol.
Ele afadiga-se a investigar, mas não encontra nada;
e mesmo o sábio, se pretender conhecer,
não conseguirá descobrir.
Ecl 9
1Apliquei, então, o meu espírito ao esclarecimento de tudo isto,
e vi que os justos, os sábios e as suas obras estão na mão de Deus.
Nem o amor nem o ódio o homem consegue discernir:
no entanto, ambos estão diante dele.
2Tudo acontece igualmente a todos:
a mesma sorte para o justo e para o ímpio,
para o bom e puro e para o impuro,
para o que oferece sacrifícios e para o que não oferece.
O homem bom é tratado como o pecador;
o perjuro como aquele que cumpre o juramento.
3Eis o pior mal, no meio de tudo o que se realiza debaixo do Sol:
que haja para todos um mesmo destino.
Por isso, o espírito dos homens transborda de malícia,
e a loucura habita no seu coração durante a vida;
e depois, todos eles vão para junto dos mortos.
4E o que será melhor? Para todos os vivos há uma coisa certa:
mais vale um cão vivo que um leão morto.
5Os que estão vivos sabem que hão-de morrer,
mas os mortos não sabem nada,
nem para eles há ainda retribuição,
pois a sua lembrança foi esquecida.
6O seu amor, ódio e inveja pereceram juntamente com eles;
e nunca mais terão parte
em tudo quanto se faz debaixo do céu.
7Vai, come o teu pão com alegria e bebe com prazer o teu vinho,
porque a Deus agradam as tuas obras.
8Veste-te sempre com vestidos brancos,
e haja sempre óleo perfumado na tua cabeça.
9Goza a vida com a mulher que amas,
durante todos os dias da tua fugaz existência
que Deus te concede debaixo do Sol.
Esta é a tua parte na vida,
entre os trabalhos que suportas debaixo do Sol.
10Tudo o que a tua mão possa fazer,
fá-lo com todas as tuas faculdades,
pois na região dos mortos para onde irás,
não há trabalho nem inteligência, não há ciência nem sabedoria.
Absurdos da existência
11Descobri ainda, debaixo do Sol,
que a corrida não é para os ágeis,
nem a batalha para os bravos,
nem o pão para os prudentes,
nem a riqueza para os doutos,
nem o favor para os sábios:
todos estão à mercê das circunstâncias e da sorte.
12O homem não conhece a sua própria hora:
como os peixes apanhados na rede fatal,
como os passarinhos que caem no laço,
assim os homens são surpreendidos na hora da adversidade,
quando ela cair sobre eles de improviso.
13Vi também, debaixo do Sol, este facto,
que foi para mim uma grande lição:
14havia uma cidade pequena, pouco populosa,
contra a qual veio um grande rei,
que a sitiou e levantou contra ela grandes fortificações.
15Ora encontrava-se nela um homem pobre e sábio,
cuja sabedoria salvou a cidade.
Mas ninguém mais se lembrou deste homem pobre.
16Por isso, eu disse:
A sabedoria vale mais que a força,
mas a sabedoria do pobre é desprezada,
e não são ouvidas as suas palavras.
Sentenças relativas à sabedoria e à loucura
17As palavras calmas dos sábios são mais ouvidas
do que os gritos de um chefe entre os insensatos.
18Vale mais a sabedoria do que as máquinas de guerra.
Mas um só pecador pode destruir muita coisa boa.
Ecl 10
1Uma mosca morta infecta e estraga o azeite perfumado.
Um pouco de loucura é suficiente para corromper a sabedoria.
2O coração do sábio vai para a sua direita;
o coração do insensato, para a sua esquerda.
3Enquanto percorre o seu caminho, ao insensato, falta-lhe o entendimento
e diz de cada um: «É louco!»
4Se a ira do príncipe se inflamar contra ti,
não abandones o teu posto,
porque a calma evita grandes males.
5Há um mal que eu vi debaixo do Sol,
derivado de um desacerto da parte do soberano:
6o insensato ocupa os mais altos cargos
e os homens de valor estão colocados nos postos inferiores.
7Vi escravos montar a cavalo
e príncipes andar a pé, como escravos.
8Aquele que abre uma cova, poderá cair nela;
quem derruba um muro, poderá ser mordido por uma serpente.
9O que transporta pedras poderá ser magoado por elas;
aquele que racha lenha corre o risco de se ferir.
10Se o ferro estiver embotado e não for a amolar,
é preciso redobrar esforços.
O êxito será recompensa da sabedoria.
11Se a serpente não ficar encantada e morder,
não há proveito para o encantador.
12As palavras dos sábios são apreciadas,
mas os lábios dos insensatos serão a sua perdição.
13As suas primeiras palavras são uma estupidez
e o fim do seu discurso é um desvario.
14O insensato multiplica as palavras;
o homem ignora o seu futuro,
e quem lhe poderá dizer o que há-de acontecer depois dele?
15O trabalho do insensato cansa-o,
pois não sabe ir até à cidade.
16Ai de ti, país, que tens como rei um menino
e cujos príncipes se banqueteiam desde a manhã.
17Feliz de ti, país, que tens um rei de família nobre
e cujos príncipes comem no tempo devido,
para se alimentarem e não para se embriagarem.
18Pelo desleixo cede a trave do tecto,
e, pela negligência, chove em casa.
19Fazem-se festins para haver alegria;
o vinho alegra a vida, e o dinheiro serve para tudo.
20Não digas mal do rei, nem mesmo em pensamento;
não digas mal do rico, nem mesmo a sós, no teu quarto;
porque as aves do céu transportam a voz
e os pássaros repetem as palavras.
Ecl 11
1Espalha o teu pão sobre a superfície das águas;
passado muito tempo, achá-lo-ás de novo.
2Reparte do que tens com sete ou com oito pessoas;
não sabes que calamidade pode sobrevir à terra.
3Quando as nuvens estiverem carregadas,
derramarão chuva sobre a terra.
Quer a árvore caia para o sul ou para o norte,
onde cair, aí ficará.
4Quem observa o vento, não semeia;
e o que examina as nuvens, não ceifa.
5Tal como desconheces o evoluir do espírito e dos ossos
no ventre da mulher grávida,
assim também não conheces as obras de Deus,
que faz todas as coisas.
6Semeia de manhã a tua semente,
e de tarde não deixes as tuas mãos ociosas,
porque não sabes qual das coisas resultará melhor,
se esta ou se aquela,
ou se ambas são igualmente úteis.
A mocidade
7A luz é agradável
e é um deleite para os olhos ver o Sol.
8Se um homem viver muitos anos,
e em todos eles se alegrar,
deve pensar nos dias escuros que são numerosos:
tudo o que acontece é ilusão.
9Jovem, regozija-te na tua mocidade
e alegra o teu coração na flor dos teus anos.
Segue os impulsos do teu coração
e o que agradar aos teus olhos,
mas sabe que, de tudo isso, Deus te pedirá contas.
10Lança fora do teu coração a tristeza,
poupa o sofrimento ao teu corpo:
também a meninice e a juventude são ilusão.
Ecl 12
A velhice
1Lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude,
antes que venham os dias maus
e cheguem os anos, dos quais dirás: «Não sinto neles prazer algum.»
2Antes que escureçam o Sol e a luz, a Lua e as estrelas,
e voltem as nuvens depois da chuva;
3quando os guardas da tua casa começarem a tremer,
e os homens robustos, a vergar;
quando as mós deixarem de moer por serem poucas,
e se escurecer a vista dos que olham pela janela;
4quando se fecham as portas da rua,
quando enfraquece a voz do moinho,
quando se acorda com o piar de um pássaro
e emudecem as canções.
5Então, também haverá o medo das subidas,
e haverá sobressaltos no caminho, enquanto a amendoeira abre em flor,
o gafanhoto engorda, e a alcaparra perde as suas propriedades.
Então, o homem encaminha-se para a sua casa da eternidade,
e as carpideiras percorrem as ruas;
6antes que se rompa o cordão de prata
e se quebre a bacia de oiro;
antes que se parta a bilha na fonte,
e se desenrole a roldana sobre a cisterna.
7Então o pó voltará à terra de onde saiu
e o espírito voltará para Deus que o concedeu.
8Ilusão das ilusões – disse Qohélet – tudo é ilusão.
Epílogo
9Além de ser sábio, Qohélet ensinou a ciência ao povo.
Estudou, investigou e compôs numerosas sentenças.
10Qohélet aplicou-se a encontrar sentenças agradáveis
e a escrever com exactidão palavras de verdade.
11As palavras dos sábios são como aguilhões
e as colectâneas dos autores, como estacas bem cravadas
que foram postas por um só pastor.
12De resto, meu filho, fica prevenido:
podem-se multiplicar os livros indefinidamente,
mas o muito estudo é uma fadiga para o homem.
13O resumo do discurso, de tudo o que se ouviu, é este:
teme a Deus e guarda os seus preceitos,
porque este é o dever de todo o homem.
14Deus pedirá contas, no dia do juízo, de tudo o que está oculto,
quer seja bom, quer seja mau.